quinta-feira, 11 de junho de 2015

Solarium: Contos de ficção científica

Solarium: Contos de ficção científica, Frodo Oliveira, org. 178 páginas. Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2009.

Durante muito tempo, foi nas antologias que a ficção científica brasileira teve seu melhor desempenho. Tanto na conhecida Primeira Onda da ficção científica brasileira, com as edições da GRD e da Edart, quanto na Segunda Onda, quando a GRD também deu importante apoio, entre outras editoras. Avaliava-se, então, que os autores brasileiros tinham melhores resultados na forma curta, talvez por alguma inexplicável afinidade cultural, ou porque esse era o único formato que permitia alguma publicação. Nos fanzines, o conto também imperava majestoso e ainda é no formato curto que identificamos os trabalhos mais relevantes do gênero no país.
Depois de um período de vacas muito magras, ao longo do início do século 21, quando a ficção científica migrou para a internet de onde parecia que não sairia mais, a queda nos custos gráficos e principalmente a possibilidade de produzir tiragens por demanda facilitou a volta dos livros. Os muitos romances escritos durante os anos de internet, sem os limites de um projeto gráfico prévio, tiveram então a chance de conhecer publicação real e a ficção longa ocupou o espaço, enquanto as antologias não acompanharam o crescimento na mesma proporção.
Em 2009, porém, foi diferente. Surgiram novos projetos coletivos numa explosão de antologias por diversas editoras, algumas fruto de concursos, outras do investimento direto das editoras, outras ainda viabilizadas pela cooperação financeira dos próprios autores. Desse modo, podemos considerar que 2009 foi o grande ano das antologias no Brasil, com quase meia centena de títulos publicados entre ficção científica, fantasia e horror, que por si só superou largamente a produção das antologias em todos os anos 1990, por exemplo.
Solarium: Contos de ficção científica, organizada pelo escritor pernambucano Frodo Oliveira (Sinistro!, A torre negra) para o selo Antology da editora carioca Multifoco, foi uma das primeiras antologias publicadas em 2009. Não se trata de uma antologia temática e os autores tiveram total liberdade para escrever. A apresentação do volume é  econômica e nem traz um prefácio que contextualize a sua proposta editorial. Um brevíssimo texto na contracapa diz: "Bem vindo ao futuro. Este é o convite que a antologia Solarium faz aqueles que não têm medo de vislumbrar o que ainda está por vir. Cidades perdidas, seres de outros planetas, batalhas monumentais, galáxias distantes, tudo isso faz arte do inconsciente coletivo dos que, um dia, se apaixonaram pelo mundo fantástico da ficção científica. Convidamos você a desvendar conosco o grande mistério que é o futuro, este eterno desconhecido."
A antologia apresenta nada menos que 25 textos de 21 autores de todo o país mais um de Portugal, a maioria deles já com alguma experiência nas letras, ao lado de quatro estreantes. Quero destacar aqui alguns contos que, na minha opinião, apresentam qualidade superior entre o conjunto.
"Desvios", de Ricardo Delfim, é o trabalho mais curto da antologia, com cerca de 300 palavras. Trata-se de uma  romantização da juventude do pesquisador inglês Charles Darwin. Não é ficção científica e sequer chega a ser fantástico, mas é muito bem escrito e dá prazer de ler. Sua textura realista somada a ótima técnica do autor, que resolve muito bem o trabalho em poucas palavras, o destacam no conjunto.
"Esperança", de André Garzia, é outro bom trabalho. Numa espaçonave à deriva, crianças e adolescentes sobreviventes de uma guerra têm que redescobrir a aritmética depois que a última calculadora eletrônica à bordo quebra. Ainda que seja uma premissa um tanto absurda, o conto tem amplas qualidades narrativas, bons diálogos e personagens bem marcados. Merece ser desenvolvido: eu leria com satisfação um romance inteiro com essa premissa.
"Mutante alcoólatra", de Magalhães Neto, narra os delírios de um caboclo futurista sob influência do álcool. A ideia ótima e a técnica profissional mereciam um título melhor elaborado.
Em "Os estranhos", de José Geraldo Golveia, sobreviventes de uma praga de vampiros que devastou o mundo tentam superar mais um dia de horror. O melhor conto do livro, com ação, drama e estranhamento em doses generosas.
"Oxia Palus" do português Nuno Lago, é ousado. Militares de folga participam de um jogo no qual vence quem tiver o melhor sonho erótico. O conto destaca-se, além do erotismo, pela técnica apurada e o bom desenvolvimento dos personagens.
Em "País de gelo", de Victor Stefano, escritora em crise criativa tem devaneios com uma gravidez psicológica. Dramático e pósmoderno, surpreende pela qualidade narrativa e pela idade do autor, de apenas 15 anos, que estreou nesta antologia. Uma promessa que já se cumpre, o autor deve ter um futuro brilhante.
Entre os demais trabalhos, alguns têm boa técnica, outros são criativos, mas ou não apresentam bom desenvolvimento ou pecam pela falta de originalidade e ousadia, o que é natural num grupo de autores tão heterogêneo, muitos deles ainda carentes de experiência, com uma visão convencional do gênero. A avaliação final é de uma antologia mediana, que revela algum potencial.
Tudo indica que o projeto Solarium foi comercialmente bem sucedido. Em novembro de 2009, a mesma editora distribuiu Solarium volume 2, e um volume 3 foi lançado em 2014, ambos organizados por Frodo Oliveira com outra batelada de contos inéditos de ficção científica, configurando assim mais um periódico brasileiro publicado em forma de livro, que vem se unir aos igualmente periódicos Ficção de polpa, da Não Editora, Imaginários, da Editora Draco, Sagas, da Argonautas, bem como os já cancelados – mas igualmente valiosos – Paradigmas, da extinta Tarja Editorial, e Portal, organizado e publicado pelo escritor Nelson Oliveira, verdadeiros fanzines do século 21, com muito orgulho.
Cesar Silva

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