segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Prêmio Argos 2025

O Prêmio Argos de Literatura Fantástica, provido anuamente desde 2000 pelo Clube dos Leitores de Ficção Científica-CLFC, reconhece os melhores trabalhos em romance, antologia e história curta de ficção científica, fantasia e horror escritos em língua portuguesa publicados no ano anterior. 
A escolha dos vencedores é realizada em um primeiro turno com votação exclusiva entre os membros do Clube, que indica cinco finalistas depois votados publicamente através de formulários divulgados nas redes sociais. 
Os vencedores da edição 2025 foram anunciados no último dia 20 de dezembro no auditório da Acaso Cultural, na cidade do Rio de Janeiro. São eles:
Romance: Garras, Lis Vilas Boas, Editora Rocco.
Coletânea: Revista Literatura Fantástica Vol. 20, Jean Gabriel Álamo, org., Álamo Edições.
Conto: "Pista Norte", Ursulla Mackenzie, in Cidades inversas, Editora Nebula.
A cerimônia foi transmitida ao vivo pela internet e seu vídeo, na íntegra, pode ser visto aqui.
Parabéns aos premiados.

VIII Prêmio ABERST de Literatura - 2025

Criado em 2018, o Prêmio ABERST é uma promoção da Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror, e aponta os melhores trabalhos especificamente inscritos para o certame,  publicados pela primeira vez entre 1 de julho do ano anterior e 30 de junho do ano corrente. 
Os vencedores da edição de 2025 foram anunciados no dia 12 de dezembro de 2025, em evento presencial transmitido pela internet, cujo vídeo completo pode ser assistido aqui
E os ganhadores são: 
Prêmio Sebastião Salgado – Projeto Gráfico: Mau Noronha e a onça cabocla, Larissa Brasil.
Prêmio Catacumba – Quadrinhos de Crime ou Terror: Le Chevalier e a volta ao mundo em oitenta horas, A.Z. Cordenonsi & Fred Rubim.
Prêmio Lúcia Machado de Almeida – Narrativa curta de ficção de crime: Arranha céu, Mário Bentes.
Prêmio Stella Carr – Narrativa curta de suspense: Portais para o vazio, Renata Madeo.
Prêmio Lygia Fagundes Telles – Narrativa curta de terror: Fruto podre; Lucas Santana.
Prêmio Lygia Bojunga – Narrativa curta juvenil/juvem adulto: Tremores, Nicole Annunciato.
Prêmio Rubem Fonseca – Narrativa longa de ficção de crime: Legítima defesa, Iza Artagão.
Prêmio Cláudia Lemes – Narrativa longa de suspense: A relíquia de Judas, André Alves.
Prêmio Rubens Lucchetti – Narrativa longa de terror: Sim, tenha medo, Sheize Piezentini.
Prêmio Marcos Rey – Narrativa longa juvenil/jovem adulto: O jovem Arséne Lupin e a coroa de ferro, Simone Saueressig.
Prêmio revelação 2025: Renata Madeo.
Prêmio Grand ABERST: Caixa de silêncios, Marcella Rosetti.
Prêmio ABERST Inéditos - Narrativa curta: "O espelho da minha mãe", Renato Dutra.
Prêmio ABERST Inéditos - Narrativa longa: "O dia em que eu conheci um assassino"; Stefany Borba.
As categorias Prêmio Maria Firmina dos Reis – Narrativa curta século XXI e Prêmio Eliana Alves Cruz – Narrativa longa século XXI não foram apuradas nesta edição. A divulgação oficial não forneceu os detalhes editorais dos trabalhos premiados.
Parabéns a todos.

Prêmio Odisseia 2025

Criado em 2019, o Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica homenageia os favoritos de um júri composto por escritores convidados, dentre uma relação de obras publicadas no ano anterior especificamente inscritas para o certame. A edição 2025 anunciou seus vencedores aconteceu durante a Feira do Livro de Porto Alegre, no último dia 16 de novembro. 
Os jurados do Prêmio em 2025 foram Adriana Maschmann, Diego Mendonça, Duda Falcão, Gustavo Czkester, Irka Barrios, Ismael Chaves, Lu Aranha e Mario Pool Gomes. E os vencedores são: 
Projeto gráfico: 
Ricardo Celestino, O vazio e sei lá o que mais…, Necrose.
Quadrinho fantástico: 
Julio Wong, Kiko Garcia e Ser Cabral, À moda da casa, Kikomics e Antenor Produções.
Narrativa longa juvenil: 
Larissa Brasil, Mau Noronha e a Onça Cabocla, Independente.
Narrativa curta horror: 
Raquel Setz, Magic Help, Oito e Meio.
Narrativa curta fantasia: 
R. M. Albuquerque, Pocalina e os mortos que sonham, Independente.
Narrativa curta  ficção científica: 
Luis Felipe Mayorga, "Predações da Harpia-Açu", Literatura Fantástica vol.15.
Narrativa longa  horror: 
Iza Artagão, Legítima defesa, Rocket.
Narrativa longa  fantasia: 
Giu Domingues, Canção dos ossos, Galera Record.
Narrativa longa ficção científica: 
Fábio Fernandes, O Torneio de Sombras: As aventuras de January Purcell, Avec.
Artigo fantástico:
Nathalia Xavier Thomaz, "Histórias em quadrinhos: Uma arte antropofágica", Quadrinhos famintos: A 9.a arte como linguagem do limiar – FFLCH/USP.
Conto inédito:
Patrícia Baikal, "Os lírios também têm memórias".
Todos os contos participantes desta última categoria podem ser lidos no terceiro número da Revista Odisseia de Literatura Fantástica, publicação exclusiva do evento que foi distribuída aos presentes durante o evento. A versão digital da mesma, bem como das edições anteriores, podem ser baixadas gratitamente aqui. E a lista completa dos indicados pode ser lida aqui
Parabéns aos vencedores!

67º Jabuti

O Prêmio Jabuti é a mais prestigiosa premiação do ambiente editorial brasileiro. Promovido pela Câmara Brasileira do Livro, inaugurou em 2020 a categoria: "Romance de Entretenimento", que contempla livros de  ficção científica, fantasia e horror, entre outros gêneros. Os finalistas de cada categoria são escolhidos dentre uma lista de inscritos para o certame, por um juri de três especialistas na área. Além do vencedor, vale citar todos os finalistas da categoria, pois o reconhecimento da CBL muito significativo. São eles:
1º Lugar: As fronteiras de Oline, Rafael Zoehler, Patuá.                                      
Demais finalistas: 
A Casa da Opera de Manoel Luiz, Celso Taddei, Mondru; Boas meninas se afogam em silêncio, Andressa Tabaczinski, Rocco; O amor e sua fome, Lorena Portela, Todavia; Uma família feliz, Raphael Montes, Companhia das Letras.
A relação completa dos vencedores de todas as categorias do 67º Prêmio Jabuti pode ser conferida aqui.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Bestiário, Júlio Cortázar

Bestiário
(Bestiario), Júlio Cortázar, 112 páginas, tradução de Remy Corga Filho. São Paulo: Edibolso, 1977. Publicado originalmente em 1951.

Bestiário é uma coletânea com oito contos do escritor argentino Júlio Cortazar (1914-1984), publicada originalmente em 1951. O autor é vinculado ao fantástico latinoamericano, ao lado de Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Gabriel Garcia Marques, mas apresenta um estilo muito particular que o identifica perante seus colegas. 
Cortázar nasceu na Bélgica, mas foi criado na Argentina desde os três anos de idade. Mais tarde, naturalizou-se francês, em protesto contra a ditadura na Argentina. Seus textos muitas vezes se aproximam do surrealismo, escola com a qual também é identificado. 
Os contos desta coletânea são todos curtos, mas a leitura não é fácil nem divertida: são textos perturbadores e dolorosos. Realistas, quase sempre poderiam ser instalados no mundo real sem muito mistério mas, mesmo assim, carregam estranhamento suficiente para torná-los eventos incomuns; cada um proporciona ao leitor uma experiência estética profunda e singular. 
O conto de abertura é "Casa tomada": um casal de irmãos habita uma mansão que, aos poucos, vai sendo invadida por estranhos. "Carta a uma senhora em Paris" é um relato epistolar em que a missivista acredita vomitar coelhos. "A distante" mostra um trecho do diário íntimo de uma mulher que tem vislumbres trágicos de uma outra vida, não necessariamente dela. "Ônibus" relata o início do passeio de uma doméstica em seu dia de folga. Ela embarca em um ônibus metropolitano em que acontecem coisas muito estranhas. "Cefaleia" narra o dia-a-dia de um casal numa granja de mancuspias (um animal imaginário). Contudo, os granjeiros são regidos por uma fixação em doenças. "Circe" é o conto mais simples, sobre um rapaz que flerta uma garota cujos  noivos anteriores morreram em condições misteriosas. O nome do conto meio que entrega, mas o final não é tão previsível. Em "As portas do céu", dois jovens de luto vão espairecer em um barzinho e lá tem uma experiência algo metafísica. "Bestiário", que encerra e dá nome a seleta, é uma espécie de Sítio do Picapau Amarelo à moda portenha, ou seja, não é para crianças. Uma garotinha vai passar as férias na fazenda dos tios que estão com problemas no casamento, mas todos sempre têm de estar muito atentos para evitar um tigre que vaga entre os aposentos da residência.
A edição deste resenha é de 1977, publicada pela Edibolso; tem 112 páginas e tradução de Remy Corga Filho. Mas há edições mais recentes disponíveis nas livrarias, inclusive uma de 2025 pela Companhia das Letras. Leitura obrigatória para todos que pretendem conhecer os traços identitários da ficção latinoamenricana e brasileira. 
Parafraseando o ditado, com Cortázar não se aprende pelo amor, mas pela dor.
Cesar Silva

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

40 Anos do CLFC

 



Um Clube com Quatro Décadas de Ficção Científica

 

Marcello Simão Branco (sócio 83)

 

    Quando R.C. Nascimento propôs a criação de um clube de leitores de ficção científica em 1985, como um anexo do seu valioso e hoje raro Quem é Quem na FC, Volume 1: A Coleção Argonauta, não imaginaria, primeiro que o clube seria de fato formado, depois que se manteria como a principal instituição do fandom brasileiro por vários anos, e em terceiro que chegaria a completar quatro décadas de existência, como acontece neste 15 de dezembro de 2025.

    Há dez anos eu escrevi um balanço mais detalhado e analítico da trajetória do clube e, em boa medida, ele se mantém  veja no terceiro texto aqui. Agora, ao apagar quarenta velinhas, o tom que quero adotar é de um pouco mais de depoimento.

    A começar pelo fato de que o CLFC tem muito do que foi o Nascimento. Uma pessoa apaixonada por FC, muito organizada e com grande liderança. O clube nasceu a partir de sua ideia, e se desenvolveu, até pelo menos, o final do século XX, muito em função de seus valores e objetivos para o que deveria ser um clube de leitores. Não fosse a sua enorme capacidade de trabalho – principalmente quando presidente (1985-1989) –, provavelmente o CLFC não teria sobrevivido, pois ele desenvolveu uma atividade intensa, que não só estruturou um clube de fãs de FC, mas uma instituição que organizou uma comunidade voltada para o gênero.

    Ora, de saída foi redigido um estatuto, os processos sucessórios sempre foram eletivos, se estabeleceu atividades regulares, a principal delas, a reunião mensal dos sócios, sempre na manhã do último sábado de cada mês na cidade de São Paulo – que infelizmente foi descontinuada por causa da pandemia –, foi criado um órgão oficial, rapidamente batizado por meio de uma enquete dos sócios de Somnium, ainda hoje em atividade – para sua história, veja aqui –, além do Informativo Mensal CLFC, mais voltado às notícias internas do clube, que vigorou por alguns anos. Foi incentivada uma enorme rede de correspondências postais entre os associados – sim isso existiu, uma troca de cartas vigorosa entre os membros. Eu mesmo recebia e escrevia várias por semana. Tudo isso teve como consequência trazer muita gente talentosa ao clube, alterando seu perfil inicial de uma associação de leitores e colecionadores. Assim, surgiram novos leitores – como eu –, fanzineiros, autores em atividade e iniciantes, ilustradores, editores, tradutores etc. Eu mesmo me inspirei em parte no Somnium para criar meu próprio fanzine, o Megalon em novembro de 1988, após ter me associado ao clube em maio de 1987 – e cheguei inclusive a editar o próprio Somnium entre 1995 e 1996.

    Destes anos iniciais lembro de alguns eventos marcantes e comemorativos, como a reunião histórica de dezembro de 1987 em São Paulo – que eu já contei em outra ocasião, veja aqui –, os almoços dos 5 anos (em 1990) e o de 15 anos (em 2000), com as presenças de vários sócios, não só da capital paulista, mas também de outras cidades, inclusive de outros estados. E sem esquecer das reuniões de finais de ano. Por mais de vinte anos os sócios paulistas – pelo menos – confraternizaram com animados almoços, talvez a maioria deles na belíssima residência de Alfredo Kepler, ele que também presidiu o clube por mais de um mandato, entre 2003 e 2007.

    Com o passar dos anos, o CLFC foi alterando suas características num processo relacionado com as próprias mudanças da FCB em geral. De início em ser um clube mais ativista em divulgar a FC e organizar o fandom, para um mais voltado às iniciativas de publicações e relações sociais mais distantes, porque realizadas principalmente no ambiente online da internet. Esta última fase é a que marca a saída da primeira geração que liderou o clube, para uma nova – que em parte conheceu o clube depois – e voltada à outras conexões e interesses, em que o clube não é mais o centro do fandom, mas apenas sua instituição mais tradicional.

    O principal momento do CLFC como líder da produção e reflexão sobre a FCB se deu entre 1985 a 2000. Neste período publicou um dos principais fanzines, organizou projetos de divulgação marcantes – como as Mostras de FC junto ao Sesi em SP –, conseguiu divulgações na grande imprensa, principalmente a paulistana – por onde eu mesmo conheci o clube, em 1986 –, estabeleceu consultorias e parcerias com editoras, como a GRD, a Aleph e a Record –, ajudou na criação e organização de, pelo menos, outro clube, o Trekker´s Club, sobre Jornada nas Estrelas, em 1989.

    Também trouxe de volta ao convívio personalidades da Primeira Onda, como Rubens Teixeira Scavone (1925-2007), André Carneiro (1922-2014), e Gumercindo Rocha Dorea (1924-2021) – estes dois últimos muito presentes nestes anos. André organizou concorridas oficinas literárias e voltou a publicar livros, e Gumercindo, de tão animado, relançou em novos moldes sua clássica coleção de FC, agora com novos autores, a maioria talentos do próprio clube. Além disso, ele foi até presidente, de 1993 a 1997. Assim, nestes primeiros quinze anos o CLFC tornou possível uma maior divulgação do gênero, e o desenvolvimento de muitos talentos, como escritores, ilustradores e editores, alguns dos quais seguiram carreiras no ambiente profissional com relativo êxito e reconhecimento.

    Como uma espécie de última etapa desta fase e passagem para a próxima, foi criado o Argos em 2000, que se tornou a mais longeva premiação da FCB, mantendo a tradição de premiação do fandom, iniciada com o saudoso e influente Prêmio Nova (1987-1996), criado por Roberto de Sousa Causo. Outra iniciativa que se tornou tradicional foi a lista de discussão do clube na internet, através de servidores de e-mails. Na época uma grande novidade que trouxe alguns anos de intensos e polêmicos debates, depois reduziu as atividades embora, de forma surpreendente, ainda se mantenha como o principal veículo de comunicação dos associados, mesmo com o surgimento de várias outras tecnologias de interação virtual criadas deste então.

    Interessante também que a entrada no século XXI marcou a transferência das principais decisões de São Paulo para o Rio de Janeiro, num processo, na verdade, iniciado um pouco antes quando Gerson Lodi-Ribeiro foi presidente, de 1999 a 2003. Pois de 2007 a setembro de 2025, tivemos quatro dirigentes da capital carioca, embora, agora em seus 40 anos, o clube esteja sob a direção de Sidemar Vicente de Castro, baseado em Catanduva, interior de São Paulo.

    A se lamentar apenas que as atividades presenciais tenham diminuído de maneira drástica, sem nenhuma atividade presencial regular, seja em São Paulo, Rio ou outra cidade. Não porque houve a mudança de cidade, mas porque surgiram novos hábitos entre muitos dos sócios mais novos, mais vinculados às redes sociais e com pouco convívio com os sócios mais antigos. E parte destes, por sua vez, acabaram por se afastar do clube e da própria comunidade da FC.

    Neste particular quero chamar a atenção para os amigos com quem convivi mais de perto e que infelizmente já nos deixaram. Pessoas de quem só posso ter saudade, a começar pelo Nascimento, uma referência na minha trajetória na FC, o colecionador obsessivo Caio Luiz Cardoso Sampaio, os já citados André Carneiro e Gumercindo Rocha Dorea – este com quem tive o privilégio de conviver por anos e até frequentar sua casa, lotada de livros –, o fã de Kurt Vonnegut Jr. e Jornada nas Estrelas Christiano de Mello Nunes – que morreu precocemente –, o Ayrton Santos Miranda, camarada e dono da maior biblioteca de FC que já vi, o editor Douglas Quinta Reis, um idealista e parceiro de muitos projetos e, mais recentemente, o Fritz Peter Bendinelli e o Sérgio Roberto Lins da Costa, entre os primeiros sócios que conheci no clube e dos maiores leitores de FC que já vi. Também poderia lembrar de companheiros que se afastaram do clube e do fandom, mas espero que possa revê-los ainda e superar, com alguns deles, desgastes até naturais num convívio de vários anos.

    Enfim, neste século XXI, como disse, o CLFC mudou muito em relação às suas características e importância de seus primeiros anos, mas, na medida do possível, tem procurado manter os valores principais estabelecidos desde sua fundação: apoiar e promover a FC brasileira, abrir espaço para novos talentos e permitir um elo de comunicação e intercâmbio de ideias e projetos entre todos os que amam a FC. Enquanto tudo isso estiver em pauta o CLFC justificará mais décadas de vida e se manterá relevante para o futuro da nossa FC.


terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Apócrifos do Futuro

 



    Apócrifos do Futuro, Romy Schinzare. Capa: Matéria-Prima Editorial. 154 páginas. São Paulo: Patuá Editora, 2022.

 

    Este livro é uma coletânea com quinze contos, que transita de forma livre e ousada entre a ficção científica, o fantástico e o horror. Sempre com um viés mais literário. Ou seja, escritos com um apuro e uma sofisticação acima da média. De fato, a autora, antes de mais nada, escreve muito bem. E, independentemente do enredo, há um prazer estético na leitura das histórias.

    Mas em termos temáticos também não estamos no terreno do lugar comum, pois as histórias se insinuam de uma maneira para se modificar depois, de forma quase sempre sutil. Basta uma frase ou uma mudança de parágrafo para que os contos, via de regra, adentrem num novo ambiente ou numa reviravolta, sem que com isso perca em fluidez ou inteligibilidade.

    E há bastante variedade temática e de gênero, com contos de FC mais identificáveis, como, por exemplo, “A Rainha”, “Aquária”, “Buraco de Minhoca II”, “Habitantes dos Abismos”, “Híbridos”, “Robôs de Marte II”; outros mais ambíguos entre diferentes gêneros, como “Terremoto”, “Zayn”, “Cubo do Destino”, “Diana” e “Shelby”, e aqueles mais próximos ao horror, como “Carmilla”, “O Chamado”, “Quando a Música Tocar” e “Valparaíso”.

    “Terremoto” é o primeiro conto. É um relato interessante sobre uma tragédia que surpreende o cotidiano em pleno metrô da cidade de São Paulo. Somos colocados numa situação que impacta porque poderia ser conosco. Eu, por exemplo, uso com frequência o metrô e, particularmente, a linha dois verde, entre Vila Madalena e Vila Prudente. Mas a narrativa é perturbadora principalmente por inserir os efeitos do desastre para além da vida.

    Outro conto singular é “A Rainha”, que se debruça sobre as possíveis consequências da crise climática. Toda a geopolítica e o sistema econômico entram em colapso e são substituídos pelo comando e ação de robôs e inteligências artificiais. Mas o fulcro do conflito social se manteve em dois níveis: 1) a luta de classes entre uma nova elite e o povo, sempre explorado e 2) a luta também entre a humanidade e as máquinas. Renderia mesmo um romance, pois ficou parecendo uma espécie de ótimo resumo para algo mais ambicioso. Quem sabe?

    “Aquária” e uma história intrigante sobre paranoia e invasão alienígena. Após mergulhar numa piscina, subitamente, Amana se vê diante de seres alienígenas. Eles querem usá-la para convencer seu pai, um renomado cientista, de que deve libertar os alienígenas que foram raptados de seu planeta e trazidos à Terra. Caso contrário, a humanidade poderá ser extinta. Mas, depois de retornar ao seu ambiente conhecido, claro, ninguém acredita nela, nem seu pai, que se mostra desalentado com os repetidos surtos da filha. O final deixa a sensação de que Amana pode ter razão. Mas o mérito está, justamente, na dúvida.

    Outra particularidade da coletânea é o protagonismo feminino na maioria das histórias. “Zayn” – uma fábula sobre uma garota que aprisiona um inseto, para depois servir de alimento a ele –, “Carmilla” – como o próprio nome indica, a história de uma vampira –, “Diana”, sobre uma atriz que tem sua imagem usada para a produção de filmes, tornando-se ela mesma, descartável. Mas este protagonismo, como já indicado no comentário sobre “A Rainha”, não se limita aos títulos femininos. Se faz presente em outras histórias também. Ou seja, Apócrifos do Futuro é uma obra que aborda temas especulativos principalmente a partir da perspectiva feminina, o que confere mais um aspecto diferenciado em gêneros literários ainda fortemente marcados pelo ponto de vista masculino.

    Mais um aspecto que confere atualidade ao livro é a presença dos temas da crise climática da inteligência artificial em várias histórias. Talvez estes sejam os dois tópicos de mudanças mais significativas para a humanidade neste século, e Romy Schinzare os trabalha de forma sensível e inteligente, ao mostrar o perigo real de um colapso ambiental e a eventual perda de controle da humanidade sobre as máquinas. No fundo, não são temas novos dentro da FC, mas que se são especialmente relevantes pois se tornaram parte da realidade contemporânea. Nesse sentido, o conto “Híbridos” é especialmente inspirado, pois assume uma curiosa e inusitada vingança dos deuses da natureza diante da predação ambiental, particularmente das praias.

    Duas histórias de horror ampliam o leque temático da obra. Em “O Chamado”, um grafiteiro após terminar um trabalho, se apronta para se divertir na noite de sábado em São Paulo. Mas ele não vai num barzinho ou numa balada. Mas no cemitério da Quarta Parada, na zona leste da cidade. Traz apenas sua caixa de som e depois de dançar ao som de algumas músicas sobre alguns túmulos, se vê imerso num cenário estranho e irreal, com a presença de vários mortos dançando com ele. Apavorado, tenta se evadir do local, mas pela manhã, um funcionário do cemitério não deixa de perceber algo estranho – embora já tenha ocorrido antes – no túmulo de um certo grafiteiro. É um conto de horror excepcional.

    “Valparaíso” fecha o livro também de forma contundente. É uma história permeada por mistério e mudanças em torno de uma vingança que atravessa gerações e vidas passadas. Tão importante quanto o sobrenatural é a ambientação numa cidadezinha do interior paulista, com uma comunidade rural isolada que cultua seus ancestrais por meio de rituais misteriosos. No fundo, uma história de amor mal sucedido que encontra um desfecho perturbador para vingar a morte de uma jovem.

    Como o leitor já deve ter percebido, Apócrifos do Futuro é uma coletânea com muitas qualidades. Se coloca em destaque no contexto da FC&F brasileira atual, numa autora que tem se tornado presente em antologias mais recentes como, por exemplo, em Outros Brasis da Ficção Científica (2021), mas que já tem algumas obras anteriores: as coletâneas Mandrágora (2017) e Contos Reversos (2018). Com sólida carreira como professora e educadora na rede pública da cidade de São Paulo, a autora se coloca como uma contista de prosa fina e madura e, mais relevante, com voz e soluções próprias, que fogem do convencional e por isso merece ser acompanhada.

Marcello Simão Branco