2010 foi um ano especial no que se refere a edição de livros de FC&F no Brasil. Há muito tempo que não se via tantos e tão bons volumes publicados, sem contar no enorme volume de estreias que chegaram às livrarias, por uma quantidade recorde de editoras, algumas fundadas nesse mesmo ano.
Entre as editoras mais ativas esteve a Novo Século, que há alguns anos sustenta a publicação de livros de FC&F de autores novos na Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira, mas, além dela, tem editado títulos de autores estrangeiros importantes, entre eles o norteamericano Richard Matheson. Em 2010, traduziu O incrível homem que encolheu (The shrinking man), coletânea na qual se destaca a novela título. Na minha opinião, este foi o melhor livro de FC publicado no ano no Brasil.
O incrível homem que encolheu entrou na minha seletíssima lista de histórias que só é possível ler uma vez, ao lado de Planeta 8: Operação salvamento, de Doris Lessing e 1984, de George Orwell. Especialmente por conta da dita novela, que toma dois terços do volume e conta a história de Scott, um homem que, depois de ser atingido por uma estranha névoa durante um passeio de barco, começa a diminuir lentamente, ao ritmo de alguns milímetros por dia.
Matheson constrói uma personalidade redonda para Scott que, mesmo antes do fenômeno, era inseguro e não encontrara seu lugar no mundo. Orgulhoso, não aceita a sua condição bizarra, não se deixa ajudar e foge das poucas alternativas que lhe restaram. Humilhado, ele se empenha em sustentar o orgulho apenas para ser humilhado ainda mais.
A narrativa salta entre os últimos dias de Scott, com um centímetro de altura e diminuindo, com fome, sede, doente, ferido, aprisionado num porão infecto e assediado por uma aranha viúva negra, e os inúmeros incidentes que enfrentou enquanto ia encolhendo, que vem a ser as partes mais pungentes da história. Sua relação cada vez mais deteriorada com a esposa e com um mundo do qual ele não pode mais se defender.
A novela foi levada ao cinema em 1957, dirigido por Jack Arnold. Apesar de ser um dos grandes clássicos da FC cinematográfica, a adaptação audiovisual não guarda o mesmo impacto de sua versão literária.
Além da poderosa novela título, contos como "Encurralado" e "Xô, mosca!" também são textos para se ler só uma vez. O cenário de inadequação e inutilidade dos personagens contamina a gente, em experiências que não queremos repetir. "Encurralado" foi adaptado para o cinema em 1971, sendo o longa de estreia de Steven Spielberg na telona. O filme consegue ser ainda mais angustiante que o texto original.
"Xô, mosca!" é uma história exasperante na qual um homem perde o controle emocional pressionado por seus problemas pessoais e por uma mosca que o perturba no escritório.
"O homem dos feriados" também é um conto incômodo e um dos raríssimos exemplos em que um final surpresa se justifica.
O conto mais bizarro da antologia é "O distribuidor", em que um o novo morador de uma rua de classe média, através de mentiras e intrigas remove, camada após camada, o verniz de civilização de seus moradores, levando desespero, crime e morte à toda a comunidade.
Contudo, o melhor conto do livro é "O teste". Poucos autores têm coragem de tratar do preconceito contra os idosos e este, nas mãos de Matheson, é uma obra prima emotiva e corajosa, na qual um ancião reveste-se de toda a sua dignidade para enfrentar um exame que se vai avaliar sua capacidade produtiva. Não passar é uma sentença de morte, literalmente.
"Pesadelo a 20.000 pés", "Montagem", "Apenas com hora marcada" e "A caixa" são os contos mais convencionais do livro. Lembram episódios do seriado Além da imaginação. Aliás, "Pesadelo..." é, de fato, uma das quatro histórias que compõem o longa No limite da realidade (Twilight zone), de 1983, dirigida por George Miller. Os demais segmentos do filme foram dirigidos por Joe Dante, John Landis e Steven Spielberg.
A quem só gosta de histórias de entretenimento, recomendo que passe longe desta antologia de Matheson, porque ela certamente não é destinada a esse fim. Mas quem aprecia uma experiência literária forte, como se alguém estivesse apertando o seu coração e remexendo suas tripas, é o livro ideal.
— Cesar Silva
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