Há um lugar, em meio a floresta brasileira do inexplorado Planalto Central, em que os homens bons e tementes a Deus podem viver em paz e segurança, sem dor ou doenças, e em abundância de alimentos da melhor qualidade. Esse paraíso terrestre, não o Édem mas muito parecido, é o Chã dos Esquecidos. Para lá, o beato Boaventura pretendia conduzir uma peregrinação, que anunciou ao povo mais pobre da Capitania da Paraíba do Norte, que se encontrava assolada pela seca, pela fome e pela violência nos idos de 1791. Os sermões bem feitos mais convenceram que converteram a plebe inculta que ansiava por uma alternativa à vida miserável que levava. Mas a pregação também despertou a ira do governador do lugar, o fidalgo português Jerônimo José de Melo e Castro, que logo solicitou ao governador geral da Capitania de Pernambuco, José Cesar de Menezes, a qual era subordinado, providências para controlar a população à beira de uma convulsão, bem como prender o beato Boaventura, para que parasse de fomentar ideias perigosas e subversivas entre ela. Mas, devido às rusgas pessoais entre os dois políticos, as providências não são tomadas e, depois que a violência explode nas ruas, tem início a peregrinação floresta adentro.
Esta é a história que nos conta o escritor Carmelo Ribeiro em seu romance A procura de Chã dos Esquecidos, publicado em 2013 pela Editora Schoba, cuja publicação anunciei aqui há alguns meses.
O autor dispõe de bons recursos técnicos para convencer o leitor da plausibilidade de sua história, com um estilo rebuscado que remete ao período histórico focalizado e uma estrutura formal criativa dividida em três partes distintas, cada qual com um estilo diferente. Na primeira parte, chamada "Os bem aventurados", a história é contada através da correspondência oficial entre os dois governadores, em que se percebe a profunda animosidade que existe entre eles. A segunda parte, chamada "Os sermões", é formada pelos sete últimos discursos exortativos de Boaventura, que antecederam a violência final e a partida dos peregrinos. A terceira parte, chamada "O caminho", é um diário de viagem escrito por um dos principais seguidores do beato, o comerciante Afonso de Vila Nova Portugal, conhecido como Afonso-sem-razão.
A narrativa não chega a ser fantástica, uma vez que não há um elemento sobrenatural efetivo em ação, mas o clima geral, composto pela tensão entre a fé e a desesperança, faz a história caminhar numa zona mítica crepuscular, tal como em João Guimarães Rosa, que leva a aceitar sua classificação pelo menos no ambiente do realismo mágico, uma vez que não se trata de uma história real.
Este é o terceiro livro de Carmelo Ribeiro que, em 2011, publicou a coletânea poética A fúria e a mágoa (Ed. Livronovo) e o romance Paxolino dos adoradores de Cristo nas terras da cafraria, também pela Editora Schoba. Antes disso, Ribeiro, que é professor de História e Geografia, publicou contos nas antologias Moedas para um barqueiro (2010, Andross), Bandeira negra (2010, Multifoco) e Espectra (2011, Literata).
A procura de Chã dos Esquecidos tem 176 páginas e a produção gráfica, incluindo da capa, é creditada a Camila Gonçalves.
— Cesar Silva
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