O peregrino: Em busca das crianças perdidas, Tibor Moricz. 196 páginas. Capa de Ericksama. Editora Draco, São Paulo, 2011.
Um homem sem memória desperta no interior de uma caverna no deserto. Ao seu lado, um revólver Colt do século XIX. Esfarrapado e sedento, o homem mata com um tiro certeiro o primeiro cavaleiro que vê a distância, para dele roubar as roupas, as botas e, principalmente, o cavalo. E, para sua surpresa, todas as seis balas do Colt continuam no tambor.
Assim inicia a jornada deste pistoleiro impiedoso em busca de seu lugar num mundo enlouquecido que, aparentemente, tem apenas três cidades habitadas: Downtown, o vilarejo dos explorados, Middletown, a cidade das máquinas, e Uptown, a fonte de toda a opressão, um lugar proibido onde apenas o peregrino pode entrar.
Depois de uma breve refrega num posto comercial próximo a Downtown, John Doe, um jovem de 12 anos de vida tão absurda quanto seu nome, segue o desconhecido pistoleiro, num misto de admiração, medo e ódio. A cada parada, mais tiros e mortes. E a cada partida, um crescente contingente de seguidores, esperançosos das mudanças que a jornada do peregrino anuncia.
Este é o enredo de O peregrino: Em busca das crianças perdidas, do escritor Tibor Moroicz, autor de Síndrome de Cérbero (2007) e Fome (2008), uma história instalada num cenário de faroeste, com fortes toques de fantasia e ficção científica.
Imediatamente salta aos olhos a identificação com a saga de A Torre Negra, de Stephen King, que parece ter realmente inspirado o autor. Mas os objetivos de Moricz são bem mais modestos que aqueles do escritor americano. Seu pistoleiro não busca restaurar o mundo e nem pretende recrutar ajudantes. Contudo, o formato de jornada também está presente, uma espécie de road novel, típico do gênero.
Mas então, por que caminha o peregrino? Ele pensa estar em busca de riquezas. E seus seguidores pensam que ele trará de volta seus filhos, que, em algum momento no passado, foram levados para Uptown.
Sonhos estranhos povoam a mente do peregrino, reconstruindo de forma invertida parte das memórias perdidas, nos quais ele se vê ora como prisioneiro dos índios, ora como um rico investidor de uma ferrovia.
Coisas estranhas como as balas do Colt que nunca acabam, homens e animais ciborgues e uma montanha consciente que caminha pelo deserto, tornam aceitável a falta de fome do protagonista, que apesar da sede, só bebe bourbon e não faz uma única refeição o livro todo. Contudo, ele faz o que quase nenhum cowboy do século XIX gostava: toma banhos.
Na primeira parte da história, centrada na vila de Downtown, o estilo da narrativa é de faroeste clássico. Em Middletown, contudo, o cenário assume aspectos de steampunk, com muitas máquinas estranhas.
Apesar do predominante ambiente de faroeste, com saloons, índios, xerifes e tiroteios, Tibor não faz uma história previsível. Seu desfecho surpreende, com a narrativa deslocando-se do naturalismo típico dos westerns para um plano onírico em que as leis naturais deixam de se aplicar e tudo pode acontecer. É quando a figura de um mestre de cerimônias, quase um alter ego do autor, se manifesta e revela o destino fatalista e predestinado, um quase deus ex machina que faz a história encerrar-se abruptamente sem que o pistoleiro alcance a sua redenção. É um efeito claramente estruturado, talvez até demais, revelando o controle rígido de Moricz sobre a sua história.
Ainda que não seja intencional, O peregrino dialoga de várias formas com outro romance de faroeste da FC&F brasileira recente: Areia nos dentes, de Antônio Xerxenesky, publicado em 2008 pela Não Editora, e republicado em 2010 pela Editora Rocco. Porém, enquanto os zumbis de Xerxenesky se voltam para os leitores de horror, os ciborgues de Moricz escolhem especificamente os fãs de ficção científica.
De minha parte, fiquei curioso sobre os motivos desses autores terem escolhido o faroeste para contar suas histórias, que seriam igualmente possíveis em cenários mais à mão dos brasileiros, como os pampas e seus gaúchos ou a caatinga e os cangaceiros. Eu deveria ser o último a reclamar disso, pois sou leitor de faroestes, mas não percebi muita autenticidade em nenhum dos dois romances, que soam a maior parte do tempo como faroeste espaguete.
Mas, uma vez que as histórias estão escritas e são o que são, cabe aproveitar o que elas têm a oferecer. No caso de O peregrino, o maior mérito é o entretenimento com uma leve fisgada existencial exótica, que lembra vagamente o longametragem O estranho sem nome (High plains drifter, 1973), dirigido por Clint Eastwood, o faroeste mais “david-lynchiano” da filmografia americana, deixando abertas ao leitor várias interpretações possíveis. E isso é mais do que a maioria da ficção fantástica brasileira tem conseguido.
Um homem sem memória desperta no interior de uma caverna no deserto. Ao seu lado, um revólver Colt do século XIX. Esfarrapado e sedento, o homem mata com um tiro certeiro o primeiro cavaleiro que vê a distância, para dele roubar as roupas, as botas e, principalmente, o cavalo. E, para sua surpresa, todas as seis balas do Colt continuam no tambor.
Assim inicia a jornada deste pistoleiro impiedoso em busca de seu lugar num mundo enlouquecido que, aparentemente, tem apenas três cidades habitadas: Downtown, o vilarejo dos explorados, Middletown, a cidade das máquinas, e Uptown, a fonte de toda a opressão, um lugar proibido onde apenas o peregrino pode entrar.
Depois de uma breve refrega num posto comercial próximo a Downtown, John Doe, um jovem de 12 anos de vida tão absurda quanto seu nome, segue o desconhecido pistoleiro, num misto de admiração, medo e ódio. A cada parada, mais tiros e mortes. E a cada partida, um crescente contingente de seguidores, esperançosos das mudanças que a jornada do peregrino anuncia.
Este é o enredo de O peregrino: Em busca das crianças perdidas, do escritor Tibor Moroicz, autor de Síndrome de Cérbero (2007) e Fome (2008), uma história instalada num cenário de faroeste, com fortes toques de fantasia e ficção científica.
Imediatamente salta aos olhos a identificação com a saga de A Torre Negra, de Stephen King, que parece ter realmente inspirado o autor. Mas os objetivos de Moricz são bem mais modestos que aqueles do escritor americano. Seu pistoleiro não busca restaurar o mundo e nem pretende recrutar ajudantes. Contudo, o formato de jornada também está presente, uma espécie de road novel, típico do gênero.
Mas então, por que caminha o peregrino? Ele pensa estar em busca de riquezas. E seus seguidores pensam que ele trará de volta seus filhos, que, em algum momento no passado, foram levados para Uptown.
Sonhos estranhos povoam a mente do peregrino, reconstruindo de forma invertida parte das memórias perdidas, nos quais ele se vê ora como prisioneiro dos índios, ora como um rico investidor de uma ferrovia.
Coisas estranhas como as balas do Colt que nunca acabam, homens e animais ciborgues e uma montanha consciente que caminha pelo deserto, tornam aceitável a falta de fome do protagonista, que apesar da sede, só bebe bourbon e não faz uma única refeição o livro todo. Contudo, ele faz o que quase nenhum cowboy do século XIX gostava: toma banhos.
Na primeira parte da história, centrada na vila de Downtown, o estilo da narrativa é de faroeste clássico. Em Middletown, contudo, o cenário assume aspectos de steampunk, com muitas máquinas estranhas.
Apesar do predominante ambiente de faroeste, com saloons, índios, xerifes e tiroteios, Tibor não faz uma história previsível. Seu desfecho surpreende, com a narrativa deslocando-se do naturalismo típico dos westerns para um plano onírico em que as leis naturais deixam de se aplicar e tudo pode acontecer. É quando a figura de um mestre de cerimônias, quase um alter ego do autor, se manifesta e revela o destino fatalista e predestinado, um quase deus ex machina que faz a história encerrar-se abruptamente sem que o pistoleiro alcance a sua redenção. É um efeito claramente estruturado, talvez até demais, revelando o controle rígido de Moricz sobre a sua história.
Ainda que não seja intencional, O peregrino dialoga de várias formas com outro romance de faroeste da FC&F brasileira recente: Areia nos dentes, de Antônio Xerxenesky, publicado em 2008 pela Não Editora, e republicado em 2010 pela Editora Rocco. Porém, enquanto os zumbis de Xerxenesky se voltam para os leitores de horror, os ciborgues de Moricz escolhem especificamente os fãs de ficção científica.
De minha parte, fiquei curioso sobre os motivos desses autores terem escolhido o faroeste para contar suas histórias, que seriam igualmente possíveis em cenários mais à mão dos brasileiros, como os pampas e seus gaúchos ou a caatinga e os cangaceiros. Eu deveria ser o último a reclamar disso, pois sou leitor de faroestes, mas não percebi muita autenticidade em nenhum dos dois romances, que soam a maior parte do tempo como faroeste espaguete.
Mas, uma vez que as histórias estão escritas e são o que são, cabe aproveitar o que elas têm a oferecer. No caso de O peregrino, o maior mérito é o entretenimento com uma leve fisgada existencial exótica, que lembra vagamente o longametragem O estranho sem nome (High plains drifter, 1973), dirigido por Clint Eastwood, o faroeste mais “david-lynchiano” da filmografia americana, deixando abertas ao leitor várias interpretações possíveis. E isso é mais do que a maioria da ficção fantástica brasileira tem conseguido.
— Cesar Silva
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