quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

As cidades indizíveis


As cidades indizíveis, Fábio Fernandes & Nelson de Oliveira, orgs. 180 páginas. Capa de M. D. Amado. Editora Vermelho Marinho, selo Llyr, Rio de Janeiro, 2011.

Uma das mais esperadas publicações da fc brasileira em 2011 certamente foi a antologia As cidades indizíveis, organizada pelos escritores Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira para a novíssima Llyr Editorial, com um grupo de autores de destaque no ambiente literário da ficção especulativa. Isso porque o volume inclui, além dos próprios organizadores e da editora Ana Cristina Rodrigues, os escritores Guilherme Kujawisk, Fausto Fawcett, Luiz Henrique Pellanda, Roberto de Sousa Causo, Octávio Aragão e Ronaldo Bressane.
Era de se esperar um grande livro, daqueles que entram para a história e tornam-se referência para as obras posteriores. Contudo, tal como acontece com grandes lançamentos do cinema, a expectativa inflacionada talvez tenha sido prejudicial a uma melhor avaliação do trabalho, que tem textos muito bons, mas apresenta-se irregular e imprecisa em seus objetivos.
O título do volume permite imaginar que se trata de uma antologia que privilegia a Weird Fiction, estilo pós-moderno de literatura especulativa surgida na Inglaterra, que tem defensores ilustres no Brasil, entre eles o organizador Fábio Fernandes. De fato, alguns trabalhos realmente seguiram essa linha, mas as propostas dos autores não estiveram muito bem afinadas, de forma que o resultado final é o aspecto de uma figura montada com peças de dois quebra-cabeças diferentes.
"Galimatar", de Fábio Fernandes, abre a antologia com um estilo que fica a meio caminho do tradicional e do experimental, justamente por isso é um dos melhores do conjunto. O tema da "cidade" não é central na história, mas é interessante, legível e repleta de ótimas ideias, sobre os últimos momentos de um homem que vai embarcar para as estrelas.
No lado conservador, instalam-se os textos de Ana Cristina Rodrigues e Roberto de Sousa Causo, que guardam um estilo narrativo convencional, focado no enredo. Ambas exploram o tema, mas de forma diferente. "O longo caminho de volta", de Ana Cristina, conta sobre uma degredada que volta a cidade onde nasceu e da qual foi expulsa, para solicitar o novo julgamento que a lei lhe franqueia. O grande interesse do texto é a própria cidade, uma enorme biblioteca que guarda livros escrito ao longo de milênios. O ambiente é inspirador e merece ser mais explorado.
"Harmonia", de Roberto de Sousa Causo, constrói uma narrativa urbana policial, com traficantes e prostitutas na São Paulo moderna, onde também se localiza um portal mágico para uma antiga cidade subterrânea. A violência intrínseca da situação é secundarizada pelo componente mágico, e acabam anulando-se mutuamente. Mas é um texto agradavelmente legível, com personagens bem elaborados e críveis.
Fazendo a transição para o metade experimental da antologia, "O dia em que Vesúvia descobriu o amor" de Octávio Aragão, é um texto descritivo sobre uma cidade que decide mudar de lugar para se aproximar de uma outra, pela qual está apaixonada. O movimento da metrópole causa grande destruição e dificuldades para seus habitantes. A idéia em si é fenomenal, mas o conto é distante e não emociona o leitor.
Nelson de Oliveira, ou melhor, Luiz Bras, sai-se melhor nesse mesmo estilo com "Primeiro de Abril: Corpus Christi", narrativa que resume em si os objetivos da obra, aproximando-se tanto do pós modernismo New Weird com elementos do Cyberpunk e do Pós-humanismo. Conta a história de um grupo de ciborgues que tenta evitar a destruição de uma megalópole futurista por um artefato nuclear. O estilo é experimental e barroco, contudo ainda perfeitamente legível e emocionante. É, sem dúvida, o melhor texto do livro.
Os demais contos investem no experimentalismo formal, deixando o enredo para segundo e até terceiro planos. "Mnemomáquina", de Ronaldo Bressane, até que se sai bem, com um estilo maduro e supreendente para contar a história de um jovem perdido numa versão inundada de São Paulo.
Também subsiste algum enredo em "Cidade vampira" de Fausto Fawcett, que narra a caçada humana a um psicopata assassino de cães por uma supercidade mundial, mas a leitura é difícil, com um texto cheio de repetições exaustivas no qual o discurso do personagem psicopata confunde-se à narração do autor, concluindo com um final surpresa pouco inspirado.
"O céu do nunca", de Guilherme Kujawsky e "O coletivo", de Luíz Henrique Pellanda, são os casos mais extremos de experimentalismo da antologia. O problema com as experiências é que as vezes elas não funcionam nem mesmo no laboratório. Não há enredo em nenhum dos dois textos e a narração de ambos é tão bizarra que suas leituras são extremamente desconfortáveis ao leitor.
Talvez os textos que me desagradaram sejam interessantes para quem busca por experimentações narrativas, mas esses leitores certamente acharão insuportáveis os contos dos quais gostei. A antologia tem, assim, um aspecto esquizofênico, porque não se decidiu claramente por um público e, no fim das contas, não satisfaz plenamente nenhum deles. Mas serve para mostrar que algo está acontecendo à FC brasileira e, no futuro, haverá de acontecer uma ruptura entre as ficções "de enredo" e de "estilo", com um restrito grupo de autores que, talvez, conseguirá navegar em ambas. Dessa forma, podemos dizer que As cidades indizíveis é um sinal dos tempos. Tempos que já estão entre nós.
Cesar Silva

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