Flávio César de Medeiros Júnior, médico oftalmologista natural de Belo Horizonte, não era conhecido no fandom até pouco antes de lançar seu livro de estreia, o romance de ficção científica Quintessência, pela Publigraph Editorial, através do selo Monções.
Quintessência é mais propriamente uma ficção policial, embora a fc se apresente de forma importante. O personagem principal é o investigador de polícia Tomas Rizzatti, designado para investigar um crime tão bárbaro quanto misterioso: um atirador não identificado abriu fogo no corredor de um shopping center, assassinando várias pessoas e suicidando-se em seguida com uma bomba incendiária. Rizzatti já havia investigado um crime semelhante alguns anos antes, o que somente contribui para acirrar o mistério: dois crimes muito similares cujos autores morreram sem serem identificados. Porém, Rizzatti é experiente e consegue localizar algumas pistas, como o carro do terrorista, abandonado numa rua próxima ao shopping, um modelo em especial que é moda entre os policiais. Surge então Fernando Grogorovicz, agente da Interpol enviado para acompanhar o caso. Há um clima de competitividade entre os policiais e o seguimento das investigações parece apontar o próprio Rizzatti como mandante do atentado. Aos poucos, Rizzatti se vê cada vez mais enrolado e tem de desaparecer para prosseguir com sua própria investigação, que vai levá-lo a revelações pessoais dramáticas e a um torvelinho de situações violentas na trilha de um super-terrorista internacional.
Medeiros, que se tornou um autor elogiado no fandom, já demonstra aqui um bom domínio da narrativa de ação. Não faltam perseguições de automóveis, correrias no metrô, tiroteios em hotéis de luxo e tudo o que estamos habituados a esperar de um policial movimentado.
Mas e a fc, onde entra nisso?
Para começar, a história passa-se em algum momento na segunda metade do século 21, portanto, a tecnologia está mais sofisticada e o ambiente sócio-político é ligeiramente diverso do atual: o degelo polar causou a inundação das grandes cidades litorâneas de todo o mundo e Belo Horizonte, onde se passa a história, foi uma das grandes cidades brasileiras que conseguiu manter-se a salvo das misérias futuristas. Mas este cenário é apenas circunstancial e a mesma história poderia ser perfeitamente instalada no presente, num tecnotriller sem necessidades extrapolativas. O que legitima o romance como fc é a especulação sobre a genética, uma área de pesquisa científica de ponta no Brasil, que nunca interessou muito aos autores brasileiros de fc, exceção feita ao romance O sorriso do lagarto, de João Ubaldo Ribeiro. Entretanto, os parentescos mais próximos de Quintessência são mesmo os filmes de cinema de ação e espionagem e as histórias em quadrinhos de aventura.
O que livra Quintessência do pastiche é a habilidade do autor em construir um cenário brasileiro futurista plausível. Medeiros usou e abusou de referências geográficas reais, incluindo ruas e logradouros de sua cidade, que podem ser identificados pelos leitores que a conhecem. É possível que essa qualidade especial do autor advenha justamente do fato dele não ter sido catequizado pela filosofia de uma fc&f "sem referências bairristas" abraçada por boa parte dos autores do fandom.
Quintessência é recomendável para quem gosta de histórias com muita ação e será apreciado também pelos fãs de fc, que irão identificar no modelo alguma similaridade com a narrativa de vários autores da Golden Age, que apreciavam fazer fc a partir de tramas policiais. E a ficção policial tem, no Brasil, rejeição muito menor do mainstream. É um bom caminho para ser seguido.
— Cesar Silva
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