Isaac Asimov (1920-1992) foi um dos mais populares escritores de ficção científica do século XX. Escreveu com consistência a maior parte de sua carreira, com uma larga produção de contos e romances (ele chegou a ser reconhecido como um dos autores mais prolíficos do mundo) concentrada em três ou quatro séries que ele buscou fundir, a partir de 1982.
As Cavernas de Aço (The Caves of Steel; 1953) e O Sol Desvelado (The Naked Sun; 1957) formam uma unidade dentro da sua série sobre robôs – que inclui as histórias do famoso Eu, robô (1950) –, por terem o mesmo protagonista, o detetive Elijah "Lije" Bailey.
No texto introdutório à nova edição de As Cavernas de Aço, Asimov comenta que o famoso editor John W. Campbell, Jr. não acreditava que seria possível uma mistura eficiente de ficção científica e mistério (aquele tipo de ficção de crime que gira em torno da descoberta do autor de um assassinato, também conhecida como "who-done-it"). "Campbell tinha dito muitas vezes que um mistério de ficção científica era um contrassenso", Asimov escreveu, "que os avanços da tecnologia poderiam ser usados para tirar os detetives de apuros de um modo injusto e que, portanto, os leitores seriam ludibriados".
Mas Horace Gold, editor da concorrente de Campbell, a revista Galaxy, pediu a Asimov um romance que apareceria em partes na sua publicação, e lançou a ideia: "Você gosta de mistérios. Coloque um assassino nesse mundo e faça com que um detetive o resolva com um parceiro robô." Asimov topou o duplo desafio - escrever o romance para Gold, e provar que Campbell estava errado. (Nessa altura de sua carreira, era importante para o escritor estar livre de uma associação estrita com Campbell, que havia se envolvido com ideias que Asimov achava serem mais pseudocientíficas do que científicas.)
No futuro de As Cavernas de Aço, a humanidade encontra-se dividida entre os habitantes da Terra e os dos mundos coloniais (os Siderais). Trata-se de um ponto decisivo na expansão da espécie humana pela galáxia rumo à formação do Império Galáctico que os leitores já tinham visto nas histórias da fabulosa space opera de Asimov, a série Fundação (também disponível no Brasil pela Editora Aleph).
A Terra desse futuro tem nove bilhões de habitantes, concentrados em grandes cidades subterrâneas que racionalizam os transportes, a produção e o consumo de recursos. A história se passa em Nova York, e a caracterização da vida nessa metrópole futura deixa claro que não existe muita latitude nem mobilidade entre as classes sociais. É uma vida apertada, controlada por um burocrático sistema de classificação profissional (com cada nicho dando acesso a mais recursos e privilégios), e há uma grande má vontade quanto aos Siderais e também quanto aos robôs que, as pessoas sentem, podem expulsar os profissionais dos seus nichos.
Casado com uma nutróloga chamada Jessie (de "Jezebel"), Elijah Bailey é um detetive de polícia encarregado de investigar um assassinato na segregada instalação de uma representação de Siderais, em Nova York. É a primeira vez que um fato como esse ocorre, e a resolução do crime é importante para a continuidade das relações entre a Terra e os Siderais, algo que o Comissário de Polícia da cidade, Julius Enderby, faz questão de deixar claro ao herói. O fato que causa maior tensão junto ao detetive, porém, é a imposição pelos Siderais de um parceiro que deverá acompanhá-lo – o robô R. Daneel Olivaw.
Grande parte das peripécias do romance gira em torno da necessidade de manter Olivaw incógnito perante essa população hostil aos robôs – e ao contrário de todos os robôs na Terra, tem a perfeita aparência de um ser humano. Descobre-se, inclusive, que há um grupo secreto de oposição aos robôs seguindo cada passo da dupla. E como o romance faz parte da série Robôs de Asimov, o comportamento de Olivaw em face das famosas Três Leis da Robótica é muito importante. O leitor também fica sabendo que Olivaw foi construído pela vítima do assassinato, o cientista Roj Nemennuh Sarton, que lhe deu a sua aparência. Sarton tinha grandes planos para o futuro do relacionamento dos terranos com os Siderais, envolvendo aquilo que o povo da Terra mais teme, uma aproximação maior com os robôs. Isso dá um potencial fundo político ao crime.
Asimov lida perfeitamente tanto com a dinâmica particular da série quanto com os elementos do romance de mistério – as pistas, as motivações e as condições do crime. Entre tais condições, está o fato de todas as entradas para as instalações Siderais serem controladas, excetuando as que dão para a superfície. Mas os humanos desse futuro, tendo nascido e crescido nos subterrâneos, não são mais capazes de sair ao ar livre – conceito que mais tarde Robert Silverberg desenvolveria em sua ótima mas pouco lembrada distopia Mundos Fechados (The World Inside), de 1971, um romance sobre sexualidade e superpopulação.
Além da conhecida habilidade de Asimov para lidar com questões de lógica e o seu talento insuperável para a exposição do assunto, em As Cavernas de Aço ele demonstra muita sensibilidade na caracterização de Elijah Bailey. O personagem é descrito como um policial experiente, mas no início ele mete os pés pelas mãos e sofre um embaraço atrás do outro. Num outro nível, Asimov precisa demonstrar que Bailey é um profissional competente e um marido sensível, sereno diante das ansiedades de Jessie, também elas importantes para a trama. Nessa dinâmica doméstica, bastante simples e verdadeira, metida no cenário futurista e distópico, há igualmente uma sutileza que impressiona. É possível ainda ver algo dessa domesticidade corriqueira inserida num futuro sombrio – e do clima de paranoia – no relacionamento de Rick Deckard e sua mulher em O Caçador de Androides (Do Androids Dream of Electric Sheep?; 1968), de Philip K. Dick (1928-1982), recentemente republicado pela Aleph como Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?
As peripécias do romance de Asimov incluem uma investigação do próprio Daneel Olivaw – personagem que se tornaria importante na fusão da série dos Robôs com a da Fundação –, com Bailey trazendo a Nova York o robopsicólogo Hans Falstolfe, para testá-lo (situação que lembra um pouco o exame "Voigt-Kampff" aplicado por Deckard nos androides do romance de Dick). O leitor fica sempre em dúvida se o detetive está no caminho certo desta vez, ou se vai aprontar mais uma trapalhada. Seus tropeços não apenas ajudam a caracterizá-lo, mas retardam o desenvolvimento do enredo para que Asimov possa caracterizar o seu mundo futuro das cidades enclausuradas – talvez demonstrando aí um dos problemas da fusão da ficção científica futurista com a ficção de crime: a necessidade de maior espaço para caracterizar as condições sociais e físicas em que o crime e a investigação ocorrem.
Com um final irônico que lembra aquele do posterior No Calor da Noite (In the Heat of the Night; 1965) – ficção de detetive de John Ball, levado ao cinema em 1967 com Sidney Poitier e Rod Steiger no elenco (e direção de Norman Jewison) –, As Cavernas de Aço foi um dos livros mais vendidos de Asimov, e dizem que teria inspirado a série Almost Human (2014), a nova e malfadada aventura de J. J. Abrams na televisão. O romance de Asimov já tinha sido adaptado diretamente em 1964 e 1989 pela BBC, TV e rádio – outra certificação de que a história funciona plenamente como um mistério, esse gênero tão britânico.
Lije Bailey é um homem integrado às rígidas circunstâncias sociais em que está inserido, o que talvez seria conformista demais para um herói de ficção de detetive. As ansiedades familiares e a lembrança da carreira fracassada de seu pai no Departamento de Polícia ajudam o leitor a compreender as razões da sua adesão. O mais importante porém é que a própria visão de mundo de Bailey se transforma ao longo da narrativa – e a de J. Daneel Olivaw também. Sem fanfarra, Asimov deixa claro que, assinalados por essas mudanças, os dias dos humanos da Terra restritos às suas tocas estão contados. A qualidade de mestre de Asimov se expressa nesse imbricamento pleno mas sutil entre a transformação individual e a mudança das condições históricas.
Não é à toa que Isaac Asimov é um autor privilegiado dentro do programa de publicação de clássicos da ficção científica, mantido pela Editora Aleph.
— Roberto de Sousa Causo
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