A Segunda Onda de Ficção Científica Brasileira teve um caráter muito mais amador do que profissional. E isso não é juízo de valor, mas apenas uma constatação acadêmica. A maior parte da produção dessa geração de autores estava restrita a publicações amadoras, periódicos editados e lidos apenas por fanáticos pelo gênero – os chamados fanzines – que prosperaram naqueles tempos pré-internet. Mesmo porque o processo de publicação de um livro era uma ciência hermética, domínio exclusivo das editoras estabelecidas; a maior parte dos autores sequer sabia por onde começar. Havia quem tentasse, mas eram casos raros e, quase sempre, não passavam das primeiras tentativas devido a dificuldades em recuperar o capital investido.
O jovem e proativo escritor Henrique Vilibor Flory não queria esperar por uma chance que talvez nunca viesse, tampouco estava satisfeito em ver seus escritos apenas nas páginas mal impressas dos fanzines. Sua estratégia foi brilhante.
Em primeiro lugar, procurou pelo mais respeitado e acessível editor de ficção científica do país, Gumercindo Rocha Dorea, proprietário da Edições GRD que, na época, havia se aproximado do fandom paulista e ensaiava a volta de sua histórica coleção. A ele Flory propôs uma parceria irrecusável, financiando a produção de seu livro e tomando a tiragem para vender ele mesmo em palestras que passou a ministrar nos cursinhos pré-vestibulares e faculdades. E foi desse modo que, contrariando todos os paradigmas, Flory esgotou a tiragem de seu primeiro livro, a boa coletânea Só sei que não vou por aí (1989) pois, além de tudo, escrevia muito bem. O sucesso foi tanto que, em 1991, a mesma GRD republicaria o livro, agora com o título de A pedra que canta e outras histórias. Entre os dois, Flory ainda publicaria em 1990, por sua própria empresa, a HVF Representações, o romance de ficção científica Projeto Evolução.
Antecipando o interesse pela passagem dos quinhentos anos do descobrimento da América, Flory redigiu Cristoferus, uma alegoria à vida e obra do navegador genovês Cristóvão Colombo, que também veio a público pela Edições GRD, em 1992.
Trata-se de uma novela de ficção científica bastante adequada, pois a aventura espacial guarda grandes similaridades com as navegações do século XVI. O conceito não era inédito, muitos autores estrangeiros já o haviam utilizado de forma similar e é provável que Flory, como bom conhecedor do gênero, tenha se inspirado em alguns deles.
Em Cristoferus, Colombo é Cristóvão Colón, nascido na estação orbital Genoa. Romântico e determinado, quer ser navegador e acaba embarcando numa espaçonave na qual passa muitos anos em velocidades relativísticas. Seu irmão Bartolomeu vai para Lisgan, no planeta Lusitan, onde se estabelece como um bem sucedido cartógrafo. Os navegantes lusos estavam tentando chegar até as Índias, sem sucesso, por um longo caminho que passava pelo insuperável Cabo das Tormentas, uma vez que a rota original estava barrada pelo domínio mouro nas regiões intermediárias do espaço. Bartolomeu acredita que talvez fosse mais fácil ir diretamente pelo centro da galáxia, mas havia um poderoso buraco negro no caminho e esse era um problema que o cartógrafo não sabia como resolver. O fato é que quem descobrisse uma rota segura para as Índias certamente ficaria rico.
Os irmãos veem-se novamente juntos quando a nave de Cristóvão é abatida por um ataque mouro próximo a Lusitan. Cristóvão recupera-se de seus ferimentos graças a uma valiosíssima clonagem que Bartolomeu adquire para ele, e ambos passam a trabalhar em uma teoria ousada para superar o perigoso do buraco negro. Motivado pela dívida que sente para com o irmão, Cristóvão empreende uma verdadeira peregrinação em busca de financiamento para uma expedição que comprove sua técnica temerária. Tudo parece que vai se resolver quando chega a notícia que o navegante Bartolomeu Dias conseguira, enfim superar as dificuldades no temido Cabo das Tormentas e chegara à Índia, o que reduziu a praticamente nada as chances de Cristóvão realizar seu sonho e devolver ao seu irmão a imortalidade perdida. O final desta história não é preciso que eu conte, pois estamos aqui para testemunhá-la.
Cristoferus tem todos os elementos para um romance sofisticado e empolgante, mas foi resolvido de uma forma demasiado ligeira. O drama e o desespero de Cristóvão Colón não chegam a atingir o leitor com toda a força, pois a narrativa não o envolve. Há um grande distanciamento causado pela combinação mal cozida de referências históricas explícitas com a ambientação de ficção científica, gênero que exige uma certa cumplicidade do leitor para superar a descrença. Mesmo assim, o livro foi reconhecido pelos leitores brasileiros que o agraciaram com o Prêmio Nova de Melhor Livro Nacional de FC de 1992, com o que Flory praticamente encerrou sua carreira como autor do gênero.
Parafraseando as palavras finais do próprio romance: para o bem ou para o mal, Cristoferus conquistou a imortalidade. E é por isso que ele está aqui.
— Cesar Silva
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