Entre os anos 1985 e 2000, quando se organizou e consolidou o fandom brasileiro de ficção científica, o nome do escritor paulistano Roberto Schima era tido pelos fãs como sinônimo de excelência criativa, tanto como autor de contos quanto de ilustrações. Com um estilo que todos identificavam como similar ao do escritor norte-americano Ray Bradbury, os trabalhos de Schima espalharam-se por todos os periódicos do gênero, fossem amadores ou profissionais. Seu nome era seguidamente lembrado nas votações do então disputadíssimo Prêmio Nova, do qual ele foi o maior colecionador de troféus. Sua obra era eclética, de um estilo sensível que navegava bem nos três vértices da ficção especulativa: a ficção científica, a fantasia e o horror. Também era um bom ensaísta, tendo contribuído com os fanzines com diversos artigos de grande qualidade.
Em 1992, seu trabalho foi definitivamente entronado no cânone da fc brasileira com a novela “Como as neves de maio”, vencedora do primeiro certame profissional de contos de ficção científica promovido no País, o Concurso Jerônymo Monteiro, realizado pela versão brasileira da revista Isaac Asimov Magazine (editora Record). Em 1993, ao lado de Roberto de Sousa Causo e Cid Fernandes, Schima apareceu na antologia Tríplice universo (Edições GRD), que reunia textos inéditos dos primeiros classificados do Concurso Jerônymo Monteiro.
Em 1987, publicou, com recursos próprios, a coletânea Pequenas portas do eu, com dez textos do início de sua produção. Nem todos os contos deste volume são de ficção fantástica; há de tudo um pouco, que revela que o autor estava experimentando os gêneros. Mas o estilo melancólico e pessimista que o caracterizou já estava lá, evocando as angústias e decepções que provavelmente moveram sua criatividade.
“Canção noturna” relata um episódio da tragédia do Titanic, através de um grupo de antipáticos sobreviventes.
“O menino e o cometa” traz a história de um homem idoso que tem um momento de nostalgia ao retornar ao bairro de sua infância. O conto faz referência à última passagem do cometa Halley, em 1986, que frustrou todas as expectativas e não mostrou sua cara para ninguém que não tivesse um bom telescópio.
“O planeta hostil” é um conto de ficção científica assumido e o melhor texto do volume. Conta o destino trágico de uma equipe de pesquisadores em missão num planeta paradisíaco, de vida e beleza exuberantes, mas que esconde um perigo inimaginável. Trata-se de um conto que faz bom uso do famigerado final surpresa, tão danoso em mãos inábeis, mas que funciona muito bem aqui.
“Quando Papai Noel morreu” tem um clima levemente fantástico, mais ou menos como um episódio do clássico seriado de televisão Além da Imaginação. Conta a história de um menino que passa pela sua primeira noite de Natal após a morte do pai.
A fantasia dá o ar de sua graça no texto mais longo do livro, a noveleta “A árvore que queria voar”, fábula espiritualista sobre uma gaivota que reencarnou como uma árvore mas, por capricho da natureza, continua com as memórias de sua vida alada.
“Perpetuador de ideias, criador de mundos” é uma metalinguagem no qual o autor romanceia, com sobrecarregados tons de dramaticidade, a construção do próprio livro.
Laivos de horror surgem aqui e ali no conto “O eterno sorriso”, no qual um rapaz tem uma crise de autopiedade ao ver um rosto desfigurado de uma jovem.
Outro conto em que a carga dramática excede o texto em si é “O menino e a arraia”, no qual um garoto trava um diálogo poético com sua pipa, brinquedo que em alguns lugares é conhecido por arraia ou papagaio. O contraste entre a alegria e a tragédia é intensificado pela brevidade do texto.
“O pequeno ser prateado” é a segunda fc do livro, conto ufológico de contexto interessante e final anticlimático, que parece homenagear o clássico A guerra dos mundos, de H. G. Wells. Ao voltar para casa depois de um dia de trabalho, um jovem testemunha a queda de um ovni numa área de mata. Curioso, ele se encaminha para o local, acompanhado de outros populares que também viram o fenômeno. Mas, ao chegar lá, o grupo age violentamente contra o ser estranho que emerge dos destroços, matando-o enquanto a nave se desintegra, sem deixar provas do acontecido além de uma cratera comum.
O livro ainda conta com diversas ilustrações do autor que, como já foi dito, desenvolveu também uma bem avaliada carreira como desenhista de ficção científica, ilustrando uma grande quantidade de capas dos fanzines brasileiros.
Não há dúvida que o estilo de Schima evoluiu muito depois da publicação desta coletânea. Ainda que o pessimismo e a fatalidade continuassem a fazer parte importante de suas obras posteriores, o autor passou a controlar melhor as doses, de forma a não parecer tão niilista aos leitores. A preferência do autor pela ficção científica também deve ter sido percebida a partir dos resultados desta seleta, que realmente têm nesse gênero os seus melhores momentos.
Roberto Schima é um autor que precisa ser redescoberto. Sua importância histórica e estética é fundamental para o entendimento do que foi a Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira que, embora não esteja tão distante no tempo, parece estar a anos-luz da memória dos leitores e, principalmente, dos autores de hoje.
— Cesar Silva
06.03.15
ResponderExcluirOlá, César.
Grato pela lembrança e pelo texto. Afastei-me por algumas decepções e também por sentir que a criatividade havia morrido, afora questões do cotidiano. Recentemente, lancei alguns trabalhos, casos seus leitores tenham curiosidade:
http://www.clubedeautores.com.br/book/152240--LIMBOGRAPHIA
https://www.clubedeautores.com.br/book/173910--O_OLHAR_DE_HIROSAKI#.VCihG_ldUWM
Para quem quiser fazer download de minhas histórias e desenhos:
http://minhateca.com.br/Roberto.Schima
Tenho ensaiado um retorno, todavia, o cotidiano corrido tem atrapalhado.
Abraços,
Roberto Schima
P.S.: Ainda conservo uns volumes sobre dioramas que adquiri em um sebo na Av. São João por sugestão sua.