Cirilo Lemos é um jovem autor carioca, natural de Nova Iguaçu, que vem consistentemente demonstrando qualidade acima da média nos textos que publica. Seus contos têm surpreendido os leitores e este seu primeiro romance, O alienado, não é exceção.
A história relata a vida de um homem chamado Cosmo Kant, também conhecido como paciente AM013, que está preso numa espécie de manicômio onde sofre todo tipo de violência física da parte dos seus carcereiros. Kant teve uma vida trágica, perdendo o pai e o seu melhor amigo num acidente absurdo quando ainda era adolescente. Anos depois, morando na futurista Cidade-Centro, tratou-se com um psicólogo eletrônico, para quem contava a história de um romance que estava escrevendo. Quando os personagens de seu livro começaram a se manifestar no mundo real, num torvelinho de eventos absurdos, isso acaba por levá-lo à internação. Mas esse não é, nem de longe, o fim da história.
Narrado de forma fragmentada, como um quebra-cabeças desmontado, os primeiros capítulos são tão diferentes entre si que sugerem ser uma coletânea de contos pós-modernos. Mas, a partir da página 50, quando o leitor começa a perceber a história de fundo, o romance desabrocha e revela toda a sua profundidade.
Há de tudo um pouco em O alienado: ficção científica, realismo, metalinguagem, absurdismo, mistério, perseguições cinematográficas, ação, brutalismo, romance, erotismo e até um toque de lesbianismo. Em alguns momentos, a história remete aos sofisticados romances de Philip K. Dick, com altas doses de paranoia e correria. Noutros, dialoga com a literatura de Murilo Rubião – especialmente com o conto “A fila”–, quando o desesperado Kant se vê obrigado a passar dias seguidos na fila de uma repartição pública a procura de informações sobre sua irmã gêmea supostamente falecida. Como um todo, a história remete ao clássico universal O processo, de Franz Kafka, a quem o incomum nome do protagonista associa-se de imediato.
Além de tudo, partes da história são narradas em forma de história em quadrinhos, com um estilo despojado que propositalmente lembra o desenho de um adolescente, pois parte desse relato teria sido desenhada por Virgílio, o falecido e problemático amigo de infância de Cosmo.
A leitura de O alienado não é fácil. O autor parece ter feito questão de escolher a forma mais complicada e confusa possível para narrar a história, mas o esforço do leitor em montar esse mosaico desconjuntado é plenamente satisfeito, com surpresas a cada capítulo e um final contundente que, nas mãos de um autor menos capacitado, provavelmente estragaria o romance. Lemos não permite que as revelações finais desqualifiquem a história, ao contrário, elas reforçam o alinhavado frouxo construído a partir das poucas informações fornecidas pela trama, estabelecendo uma relação de cumplicidade entre o autor e o leitor, cada um cumprindo o seu papel na elaboração da obra.
O único senão de todo o livro talvez seja uma derradeira revelação final, ao estilo do seriado de televisão Além da imaginação, que acrescenta mais uma potência no já rebuscado enredo e soa um tanto forçado; mas não compromete tanto assim e, para muitos, pode até mesmo significar a cereja de um bolo bem confeitado.
O alienado é ficção científica de alta octanagem, que exige profunda interação do leitor e pode agradar até aqueles que não gostam do gênero. Na minha opinião pessoal, um dos melhores romances brasileiros de fc já publicados.
— Cesar Silva
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