“Maravilhoso! Você não viu nada ainda até ver o
sol através dos anéis de Saturno!” – astronauta Steve West
Em 1977 foi
produzido um filme tipicamente “B”, de baixo orçamento, mesclando um argumento
central de ficção científica com fortes elementos de horror, resultando em mais
uma preciosidade do gênero fantástico. Trata-se de “O Incrível Homem que Derreteu” (The Incredible
Melting Man), cujo nome é bem parecido e talvez até tenha se inspirado
no clássico de FC dos anos 1950, filmado exatamente 20 anos antes, “O Incrível
Homem que Encolheu” (The Incredible Shrinking Man, 1957).
Em comum, eles
têm o terrível drama particular vivido pelo personagem principal, que se
envolve numa situação completamente inesperada. No filme de 1957, dirigido por
Jack Arnold, baseado num livro de Richard Matheson, um homem (interpretado por
Grant Williams) começa a encolher após ficar exposto a uma nuvem radioativa,
num processo irreversível que o coloca frente a perigos mortais como seu gato
de estimação ou uma simples aranha no porão. O personagem tem que lutar por sua
sobrevivência e aceitar sua inédita condição encarando as novas realidades à
medida que encolhe e participa de novos mundos. Já o filme de 1977, dirigido e
escrito por William Sachs, traz um astronauta (Alex Rebar) que retorna de uma
missão espacial nos anéis de Saturno como o único sobrevivente da expedição e
trazendo consigo uma doença misteriosa que literalmente derrete seu corpo aos
poucos, deformando sua mente e transformando-o num assassino gosmento.
“O Incrível
Homem que Derreteu” foi lançado no mercado brasileiro de vídeo VHS pela
“Globo”, transformando-se numa enorme raridade para os fãs do gênero.
(Para quem não assistiu o filme ainda e não quer saber
de detalhes reveladores da história e do final, não leia os parágrafos
seguintes, pois contém “Spoilers”. Mas, caso já tenha visto ou tenha muita
dificuldade no acesso ao filme e quer conhecer a horripilante trajetória do
incrível homem que derreteu, continue a leitura).
O drama do
astronauta Steve West começa logo quando sua nave “Scorpio 5” retorna de Saturno. Como
único sobrevivente da missão e com o corpo todo coberto de feridas pútridas,
ele acorda no leito de um hospital do exército todo enfaixado, com o governo
mantendo em sigilo o fracasso da expedição e a morte dos outros dois
astronautas, isolando a imprensa e a população dos fatos reais.
Ver o sol
pelos anéis de Saturno deve ter sido mesmo uma experiência única e maravilhosa,
como enfatizou o astronauta na frase reproduzida no início desse artigo, mas
também trouxe-lhe como consequência uma misteriosa doença degenerativa. Ao
descobrir o estado deformado de seu rosto e mãos, ele se rebela furiosamente e
ataca uma enfermeira, matando-a de forma violenta e fugindo desorientado do
hospital, vagando sem rumo pela floresta vizinha (esses filmes são super
divertidos justamente pelas cenas absurdas do roteiro como nessa sequência que
é bem inverossímil, pois só há uma única enfermeira no local e o assassino
consegue fugir pelos corredores desertos do hospital com extrema facilidade).
Caminhando
pela floresta desnorteado por descobrir sua real condição de “homem derretido”,
o astronauta Steve encontra um pescador e arranca sua cabeça com as mãos,
jogando-a num riacho. Essa cena de horror é de forte impacto, principalmente
para a época da produção, e foi bem explorada mostrando a cabeça decepada do
pescador descendo o rio até uma pequena cachoeira e se espatifando contra uma
pedra, jorrando sangue para todos os lados.
A mente
decomposta do astronauta incitou nele um instinto selvagem para matar e a cada
nova vítima ele ganhava mais força para continuar vivo. Para perseguí-lo,
surgem então o médico Dr. Ted Nelson (Burr DeBenning, de “Cidade Sob o Mar”,
71) e o militar do exército General Perry (Myron Healy, de “O Extraordinário”,
57), amigos de Steve que tentam capturá-lo antes que ocorram mais mortes e
possam descobrir a razão de sua doença para tentar uma cura, cuidando também
para que o caso seja devidamente abafado e não venha ao conhecimento geral.
Porém, antes de encontrar o astronauta, o assassino ainda aumenta sua ficha
criminosa retalhando um casal de idosos que inadvertidamente parou seu carro
numa estrada deserta e escura para pegar limões num pomar.
Derretendo
cada vez mais a ponto de perder uma orelha ao encostar numa árvore, e deixar
fluídos de seu corpo pingando pelo caminho, o astronauta ainda mata o General
Perry e ataca um jovem casal de namorados que chegava em casa, matando o rapaz.
Nessa sua última empreitada, ele perde o braço esquerdo num golpe de faca da
jovem que foi atacada, a qual sobrevive, mas torna-se histérica após o
confronto.
Continuando a
perseguição estão o Dr. Nelson e agora o xerife da cidade Will Blake (Michael
Alldredge), que conseguem localizar o astronauta derretido nas instalações de
uma fábrica. É noite, o ambiente está escuro, mas eles encontram Steve tentando
fugir. O xerife é então violentamente morto ao ser jogado do alto de uma
plataforma e sendo eletrocutado por fios de alta tensão que incendeiam seu
corpo. Outros dois policiais aparecem e também são mortos, porém um deles consegue
disparar um tiro certeiro no Dr. Nelson matando-o na hora, no momento em que
ele tentava interceptar a ação dos policiais contra o astronauta enfurecido.
Após a
tentativa fracassada em
capturar Steve , ele consegue fugir de seus perseguidores, mas
não por muito tempo. O processo de derretimento atinge o seu clímax máximo e
ele encosta-se próximo a uma lata de lixo agonizando lentamente, derretendo
numa massa gosmenta de carne, ossos e sangue.
No dia
seguinte pela manhã, um faxineiro aparece para o trabalho na fábrica e vê a
enorme sujeira ao lado da lata de lixo, aquilo que um dia foi um homem, e
calmamente pega uma vassoura e pá e inicia a faxina. Enquanto isso, uma segunda
missão espacial tripulada com destino à Saturno levanta vôo, ignorando as
trágicas consequências da expedição anterior as quais estavam sendo secretamente
escondidas pelo governo.
Um final “não
feliz” no melhor estilo, pois todos morreram, principalmente o astronauta num
sofrimento incrível sentindo em seu corpo um processo de derretimento contínuo,
e tudo ocultado secretamente numa verdadeira conspiração governamental (daria
uma boa ideia de argumento para um episódio de “Arquivo X”). E o que sobrou do
“homem derretido” sendo literalmente varrido para o lixo. Um final excepcional
para um filme super interessante.
Como
curiosidades, temos uma sequência onde o assassino derretido encontra uma
menina na floresta e ela sai correndo procurando por sua mãe gritando que havia
visto o “Frankenstein”. Essa é uma confusão frequente envolvendo esse famoso
personagem do cinema de horror. Na verdade, Frankenstein é o nome do cientista
que criou o monstro, e este passou a ser chamado de a “Criatura de
Frankenstein”.
Um pouco antes
dessa sequência podemos ver um grupo de três jovens crianças tentando fumar um
cigarro, numa cena politicamente incorreta, principalmente naquela época dos
anos 1970.
O filme foi
filmado a cores e as cenas envolvendo o maníaco ganharam uma intensidade muito
forte, evidenciando uma massa disforme de sangue, carne e todos os tipos de
fluídos gosmentos e repugnantes, algo significativo para a época. Isso é o
resultado da excelente maquiagem e efeitos especiais de Rick Baker, que mais
tarde se notabilizaria por seus magníficos trabalhos em “Um Lobisomem Americano
em Londres” (1981), “Lobo” (1994) e “Planeta dos Macacos” (2001), citando apenas
alguns poucos exemplos.
Aliás, na capa
da fita VHS da “Globo Vídeo” existe um dos mais grotescos erros que tive a
oportunidade de ver em fitas de vídeo ou DVD´s lançados no Brasil. Simplesmente
os efeitos especiais foram creditados para um tal de “Dick Baker”, citando que
teve trabalhos em “O Exorcista” e no clip musical “Thriller”, do cantor Michael
Jackson. Na verdade, eles criaram um ser híbrido, mistura de Dick Smith (que
foi o homem da maquiagem de “O Exorcista”) com Rick Baker (que fez o videoclip
“Thriller”, sobre lobisomens). Parece piada, mas isso realmente aconteceu e a
prova está na capa da fita VHS. Acredite se quiser...
Outra
curiosidade interessante é a presença como ator (apesar de discreta numa
pequena participação), do cineasta Jonathan Demme, que mais tarde ficaria
famoso por “O Silêncio dos Inocentes” (The Silence of the Lambs, 91), com
Anthony Hopkins, e “Sob o Domínio do Mal” (The Manchurian Candidate, 2004), com
Denzel Washington.
Para um filme
cuja intenção não é apresentar um simples “serial killer” de adolescentes em
férias como no posterior “Sexta-Feira 13” (1980), o astronauta Steve West, “O
Incrível Homem que Derreteu”, não fica muito atrás, pois num curto período de
tempo (uma única noite), ele matou violentamente nove pessoas.
Em todas as
cenas envolvendo o astronauta caminhando em seu martírio solitário e derretendo
de forma asquerosa, podemos ouvir sua respiração ofegante traduzindo seus
gemidos de dor e desorientação do mais puro e absoluto sofrimento.
Enfim, “O
Incrível Homem que Derreteu” é mais uma pérola do cinema fantástico bagaceiro,
e apesar da produção de baixo orçamento, atores desconhecidos e alguns furos no
roteiro com situações inverossímeis, possui qualidades que o coloca em destaque
na filmografia de Ficção Científica e Horror dos anos 1970, e que deve ser
sempre enaltecido e reverenciado.
(Juvenatrix - Junho 2002)
(Juvenatrix - Junho 2002)
O Incrível Homem Que Derreteu (The Incredible Melting Man, Estados
Unidos, 1977). American International. Duração: 84 minutos. Direção e roteiro
de William Sachs. Produção de Samuel W. Gelfman, Peter Cornberg e Robert L.
Fenton. Produção Executiva de Max Rosenberg. Música de Arlon Ober. Fotografia
de Willy Curtis. Edição de James Beshears. Desenho de Produção de Michel
Levesque. Efeitos especiais e maquiagem de Rick Baker, Greg Cannom, Tina Lewis
e Dulcie Smith. Elenco: Alex Rebar (Steve West), Burr DeBenning (Dr. Ted
Nelson), Myron Healey (General Perry), Michael Alldredge (Xerife Will Blake),
Ann Sweeny (Judy Nelson), Lisle Wilson (Dr. Loring), Cheryl Smith (Modelo),
Julie Drazen (Carol), Stuart Edmond Rodgers, Chris Witney, Edwin Max, Dorothy
Love, Janus Blythe, Jonathan Demme.
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