Depois da morte de Jesus Cristo, muitos textos foram escritos a respeitos dos dias em que o Filho de Deus andou entre os homens. Na maioria dessas histórias, Judas, o traidor que vendeu Jesus aos soldados romanos, tem um destino trágico. Mas e se ele não tivesse morrido e deixasse um texto seu com um depoimento que poderia abalar a cristandade?
Esse é o ponto de partida do interessante romance de horror 616: Tudo é inferno, dos escritores espanhóis Angel Gutierrez e David Zurdo, que também assinaram o livro O último segredo de Da Vinci: O enigma do Santo Sudário (2005, Novo Século). Pesquisadores de formação científica, Gutierrez e Zurdo usam seus conhecimentos para dar verossimilhança à uma narrativa que mistura fato e ficção.
A história é centrada no padre jesuíta Albert Cloister, membro de um grupo especial do Vaticano chamado Lobos de Deus, especializado em fenômenos paranormais. Ele pesquisa casos de quase morte, colhendo relatos assustadores de quem teve a oportunidade de ver o que existe do “lado de lá”. Ao acompanhar a exumação do corpo de um padre em vias de ser beatificado, descobre todos os ossos do cadáver quebrados e, no tampo do caixão, gravada à unha, a frase “Tudo é inferno”. Isso o lança numa busca dramática pela verdade absoluta a respeito do plano de Deus para o mundo dos homens. Na pesquisa pelo esclarecimento desse mistério, o padre tem contato com um texto secreto, um códice mantido no Vaticano, que abala suas convicções a respeito das forças que comandam o mundo.
Paralelamente, o bombeiro Joseph Nolan salva o velho deficiente Daniel de morrer num incêndio e acaba por se envolver com a psicóloga Aldrey Barret, que trata dele no hospital. Aldrey teve uma experiência dramática em sua juventude, da qual nunca se recuperou, e também está sofrendo com o desaparecimento do seu filho há alguns anos. Numa das sessões de tratamento, Daniel manifesta uma personalidade maligna e mostra conhecer os segredos obscuros do passado de Aldrey. Cética, ela tenta encontrar orientação com outros profissionais sobre o fenômeno, mas as seções ficam cada vez mais sinistras e a convencem de que o velho está realmente possuído por um demônio.
Na segunda parte do romance, enquanto o Padre Cloister encontra uma localidade em que uma voz sobrenatural lhe revela mistérios através de gravações num aparelho eletrônico, Daniel é submetido a uma tumultuada sessão de exorcismo, quando a entidade no corpo de Daniel revela informações a respeito do paradeiro do filho de Aldrey. Ela então toma uma decisão radical, lançando-se numa trilha de vingança que vai levá-la a uma pequena cidade onde um bem sucedido autor de livros para crianças mantém um segredo terrível no porão. Nolan e Cloister juntam-se a ela para tentar entender por que parece que Deus se esqueceu da humanidade enquanto o mal domina o mundo.
616: Tudo é inferno lembra muito o estilo profissional de Stephen King, com uma ótima construção de personagens. As descrições vivas e precisas de diversos locais do mundo remetem aos romances de Dan Brown.
Apesar da boa distribuição e um interessante trabalho de promoção – a editora distribuiu amostras grátis impressas com um trecho do romance – o livro passou despercebido no Brasil, talvez por ter ficado à sombra desses autores pesos-pesados, e também por serem escritores pouco identificados com a literatura fantástica. Entretanto, trata-se de um livro envolvente que agrada tanto ao leitor não iniciado quanto aquele já experiente no gênero. O final algo redentor diminui o impacto das discussões que o romance evoca, tirando-lhe ainda boa parte da aura de horror escatológico que poderia sustentar, caso tivesse um desfecho mais tenebroso.
É bom perceber, de qualquer forma, que as editoras como a Planeta do Brasil têm publicado autores e títulos inéditos de procedências variadas (no caso, da Espanha), ampliando o espectro de propostas para o leitor brasileiro. Mesmo não sendo um expoente do horror, 616: Tudo é inferno é uma ótima opção de leitura.
— Cesar Silva
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