“Before you die, you see... The Ring”
Ultimamente o
cinema de horror tem sido muito bem representado por filmes que tem priorizado
explorar os sentimentos sugeridos de medo do ser humano, em vez de apenas
apresentar de forma explícita monstros sobrenaturais, assassinos psicopatas
tradicionais e banhos de sangue exagerados. Ótimos exemplos dessa bem sucedida
linha de ação são os filmes “Os Outros” (The Others / Los Otros), no melhor
estilo “casa mal assombrada”, com direção e roteiro do cineasta chileno
Alejandro Amenábar, “O Pacto dos Lobos” (Le Pacte des Loups), produção francesa
dirigida por Christophe Gans sobre uma criatura sobrenatural que aterroriza uma
aldeia, “A Última Profecia” (The Mothman Prophecies), com Richard Gere
enfrentando trágicas profecias, e “A Mão do Diabo” (Frailty), com direção
estreante do ótimo ator Bill Paxton (que também atuou), tratando sobre
insanidade e o mal interior do Homem. Todos esses filmes foram exibidos em 2002
nos cinemas brasileiros.
Em 31/01/03
estreou oficialmente no Brasil outro filme seguindo esse interessante estilo do
cinema de horror, “O Chamado” (The
Ring), um thriller sobrenatural da “DreamWorks” produzido por Walter F. Parkes
e Laurie MacDonald (de “Gladiador” e “Homens de Preto II”), dirigido por Gore
Verbinski (da comédia “A Mexicana”) e com roteiro de Ehren Kruger e Scott
Frank, baseado em livro homônimo de Koji Suzuki. Kruger escreveu também “Pânico
3” e a ficção científica “Impostor”, com história inspirada em obra de Philip
K. Dick, além de “A Chave Mestra” (2005).
O filme é na
verdade uma refilmagem de um original japonês chamado “Ringu”, dirigido por
Hideo Nakata em 1998 e escrito por Hiroshi Takahashi,
e que transformou-se numa trilogia com a produção de outros dois filmes
seguintes, “Ringu 2” e “Ringu 0”, sendo este último uma pré-seqüência, os quais
receberam nos Estados Unidos os títulos “The Ring 2” e “Ring 0: The Birthday”.
Outro fato interessante a se notar tem sido também uma tendência atual do
cinema americano em refilmar histórias que renderam bons filmes em outros
países como já foi o caso do suspense com elementos de ficção científica
“Vanilla Sky”, estrelado por Tom Cruise, que é uma refilmagem do
espanhol “Abre los Ojos” (“Preso na Escuridão”, 1997), dirigido por Alejandro
Amenábar.
“O Chamado” procura explorar uma “lenda urbana” mortal, a
exibição de um estranho vídeo VHS amador amaldiçoado que provoca a morte de
quem o assistiu após exatos 7 dias. Uma repórter, Rachel Keller (Naomi
Watts, de “Cidade dos Sonhos”), teve sua sobrinha de dezesseis anos Katy Nurick
(Amber Tamblyn) misteriosamente morta, e ao investigar o caso a pedido de sua
irmã e mãe da menina, Ruth (Lindsay Frost), percebeu a existência de uma
possível relação entre a morte dela e de mais três outros adolescentes (o
namorado da garota e mais um casal de amigos), com a suposta maldição de uma
fita de vídeo. Ela decidiu então realizar uma investigação pessoal que levou-a
a uma pousada nas montanhas conhecida como “Shelter Mountain”, local onde encontrou
o tal vídeo obscuro. Com imagens produzidas de forma amadora e mostrando cenas
aparentemente desconexas com num confuso pesadelo, a fita mostra basicamente a
tragédia da família de uma criadora de cavalos, Anna Morgan (Shannon Cochran),
que mora numa ilha chamada “Moesko”, e a relação conturbada entre ela, seu
marido Richard (Brian Cox, de “A Identidade Bourne”) e a misteriosa filha
adotiva Samara (Daveigh Chase), incluindo ainda fatos estranhos como suicídios
de cavalos desesperados que se atiravam ao mar.
Rachel acabou
descobrindo realmente a existência da terrível maldição, quando após assistir a
fita recebeu um telefonema anônimo informando de sua morte em sete dias. Ela
procurou ajuda com seu ex-marido Noah (Martin Henderson, de “Códigos de Guerra”),
que também assistiu a fita e é um especialista em fotografia e tecnologia de
vídeo. O filho pequeno do casal, Aidan (David Dorfman), que demonstra possuir
uma capacidade extrasensorial de comunicação com os mortos, lembrando os
personagens sensitivos dos garotos Haley Joel Osment em “O Sexto Sentido”
(1999) ou Danny Lloyd em “O Iluminado” (1980), acidentalmente também viu o
filme, obrigando seus pais a correrem contra o tempo para descobrir a verdade
sobre o macabro vídeo e uma forma de anular o feitiço e salvarem suas vidas.
O roteiro de “O Chamado” está repleto de
reviravoltas, surpresas e informações soltas que propositadamente tem a
intenção de criar dúvidas e divergências de interpretações no público, ganhando
um interesse especial e obrigando-nos a refletir e imaginar os eventos que
envolvem a sinistra história de um vídeo amador amaldiçoado. Detalhes que
deverão ficar mais esclarecidos nas continuações que serão filmadas
inevitavelmente, já que houve um grande sucesso comercial do filme.
Os maiores destaques certamente são uma seqüência
tensa envolvendo uma balsa e um cavalo em desespero, e a cena em que um
“fantasma eletrônico” sai literalmente através da imagem de uma televisão para
cumprir sua missão de vingança, lembrando situações similares do clássico
moderno “Poltergeist – O Fenômeno” (1982), de Tobe Hooper.
Como curiosidade existem várias homenagens ao mestre
do suspense Alfred Hitchcock, em seqüências com referências aos seus filmes
clássicos como “Psicose” (1960), na passagem onde há água escorrendo para o
ralo do banheiro quando Rachel está tomando um banho (numa referência à famosa
cena do assassinato do chuveiro), ou “Janela Indiscreta” (1954), através do
vizinho de prédio de Rachel, que está assistindo televisão sentado numa poltrona
e com uma das pernas quebrada (lembrando o personagem similar de James Stewart,
que gostava de observar seus vizinhos com uma luneta).
Outros fatos curiosos foram o aparecimento rápido de
imagens de círculos sutis de tamanhos variados, ao longo do filme, numa
referência clara ao símbolo do vídeo amaldiçoado, e a ausência do ator Chris
Cooper, que havia filmado algumas cenas como um assassino de crianças e foi
cortado na edição final.
A exemplo do que já havia acontecido com o fenômeno “A
Bruxa de Blair” (1999), foi também criado um interessante marketing pelos
produtores utilizando a internet como meio de divulgação, para chamar a atenção
do público quanto ao filme e a mitologia que envolve sua terrível “lenda
urbana”. Foram construídos vários sites com produção amadora interligados entre
si mostrando depoimentos de pessoas que supostamente tiveram contato com a fita
macabra e sofreram as conseqüências da maldição, ou mesmo pessoas que tinham
alguma informação sobre esse mistério, ou ainda mais detalhes da tragédia que
se abateu sobre a família Morgan, que serviu de base para o conteúdo da fita de
vídeo amaldiçoada.
É interessante notar como a história básica da refilmagem
de “O Chamado” tem certa similaridade com outro filme de horror produzido na
mesma época, “Medopontocombr” (FeardotCom), com direção de William Malone, onde
seu roteiro é sobre um misterioso site da web que uma vez visitado causa a
morte do internauta em 48 horas. Está cada vez mais perigoso navegar pela
internet e assistir vídeos amadores obscuros e bizarros...
Dessa vez, os responsáveis pela escolha do título nacional
para o filme foram bem sucedidos, já que “O Chamado” tem uma relação
interessante com a história, uma vez que o espectador do vídeo misterioso é
“chamado” para morrer uma semana após assistir as enigmáticas imagens, sendo
uma alternativa muito boa para o consagrado título original “The Ring” (“O
Anel”), que também tem uma forte ligação com a trama numa revelação
interessante. Poderíamos até inventar uma frase similar a que foi utilizada
para a propaganda original do filme, algo como “Antes de morrer, você ouve... O Chamado”.
Na equipe
técnica da refilmagem americana destaca-se a presença do prestigiado maquiador
Rick Baker, um dos melhores profissionais dessa área no mundo cinematográfico
atual. Ele foi o responsável por premiados trabalhos em filmes como “Grito de
Horror” (1980), “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), “Homens de Preto”
(1997), “O Grinch” (2000), “Planeta dos Macacos” (2001), e “Homens de Preto II”
(2002), especializando-se em filmes fantásticos e contribuindo de forma
decisiva para transformar em realidade vários monstros do cinema. Ele foi o
responsável pela famosa e já clássica seqüência do bar repleto de alienígenas
estranhos no primeiro filme produzido da franquia “Star Wars” (1977), além de
criar o lobisomem do videoclip “Thriller” do cantor Michael Jackson.
Os produtores de “O Chamado” ficaram tão satisfeitos com o
desempenho nas bilheterias que decidiram realizar uma seqüência. Foi grande o
sucesso comercial do lançamento do filme, que teve um orçamento de US$ 45
milhões e faturou em pouco tempo o triplo desse valor.
“O Chamado 2” (The Ring Two) foi lançado nos cinemas
brasileiros em Março de 2005 e distribuído em DVD em Setembro (com vários
materiais extras interessantes), trazendo novamente Naomi Watts e o garoto
David Dorfman (que também esteve na refilmagem de “O Massacre da Serra
Elétrica”, 2003). A continuação teve um resultado final inferior em relação ao
original, dando um destaque maior para a assustadora garota de longos cabelos
negros Samara.
Já o DVD de “O Chamado” tem como destaque entre o material
extra, um vídeo inédito de quinze minutos feito pelo diretor Gore Verbinski
revelando detalhes e segredos importantes para um melhor entendimento do
mistério que envolve a fita amaldiçoada.
“O Chamado” é um filme de horror intrigante que merece a
atenção dos fãs do gênero, e independente da veracidade da abordagem sobre uma
lenda urbana de um vídeo amaldiçoado, sempre é bom lembrar as palavras do
garoto sensitivo Aidan, quando preocupado falou para sua mãe sobre o fantasma
vingativo de Samara: “Você não entende
Rachel? Ela nunca dorme...”
Observação: O
filme foi exibido pela primeira vez na televisão aberta em 17/04/06, pela TV Globo,
na sessão “Tela Quente”.
O Chamado (The
Ring, Estados Unidos / Japão, 2002). Duração: 115 minutos. Direção de Gore
Verbinski. Roteiro de Ehren Kruger e Scott Frank, baseado em livro homônimo de
Koji Suzuki. Produção de Walter F. Parkes e Laurie MacDonald. Fotografia de
Bojan Bazelli. Música de Hans Zimmer. Maquiagem de Rick Baker. Montagem de
Craig Wood. Direção de Arte de Patrick M. Sullivan Jr. Elenco: Naomi Watts (Rachel Keller), Martin
Henderson (Noah), David Dorfman (Aidan), Amber Tamblyn (Katy Nurick), Lindsay
Frost (Ruth Nurick), Brian Cox (Richard Morgan), Shannon Cochran (Anna Morgan),
Daveigh Chase (Samara Morgan).
(Juvenatrix - 2003)
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