O Homem que
Viu o Disco Voador, Rubens Teixeira Scavone. 221 páginas. São Paulo: Editora
Melhoramentos, Série “Escape”, São Paulo. Edição de 1975. Lançado originalmente
em 1958.
Por vários motivos este livro tem importância na história da ficção
científica brasileira. Marcou a estreia profissional de Rubens Teixeira Scavone
(1925-2007), que iria se tornar pelas décadas seguintes um dos mais importantes
autores brasileiros dedicados ao gênero. Representou também o início da chamada
“Geração GRD”, o primeiro momento expressivo em termos de obras e movimento
literário da ficção científica em nosso país.[1]
E, de certa forma, também simboliza o diálogo deste gênero literário com a
ufologia, tão mal afamada e incompreendida naquele tempo e ainda hoje.
Publicada originalmente pela editora Palácio do Livro, de São Paulo, a
obra chama a atenção já na capa, ao lermos o nome do autor. Um certo Senbur T.
Enovacs. Talvez por algum tempo este nome tenha prevalecido na autoria desta
obra, mas a verdade é que ele é um anagrama – nome escrito ao contrário –, de
Rubens T. Scavone.
O que levou Scavone, filho de Maria de Lurdes Teixeira e José Geraldo
Vieira, autores de prestígio junto ao mainstream nacional, a ocultar o
seu nome? Talvez o tema, muito polêmico à época, além da marginalização que a
ficção científica também desfrutava. De qualquer forma, tornou-se um detalhe
sem grande importância nos anos seguintes, pois O homem que viu o disco
voador, foi um best-selller, republicado em várias edições, e já com
o nome verdadeiro do autor.
O livro tem um objetivo claramente didático e não esconde isso em sua
estrutura narrativa e no desenvolvimento da ação e do perfil e comportamento
dos personagens, um pouco estereotipados e sem profundidade maior. E está
dividido em três partes distintas e complementares.
Na primeira, intitulada de “O mistério”, temos a exposição direta de dois
contatos com objetos voadores não identificados (Ovnis). Logo de saída, o
aviador Eduardo Germano de Rezende não entende a pane nos instrumentos de seu
avião, quando estava prestes a pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Semanas depois testemunha um avistamento concreto, próximo a uma das asas de um
avião que pilotava. Trata-se de um estranho objeto circular, que inunda o
interior da nave com uma luz intensa. Ao contrário do primeiro fenômeno, este é
testemunhado pela tripulação e todos os passageiros.
Neste segundo contato, Eduardo conhece um renomado cientista, que expõe a
ele de forma rápida o seu profundo conhecimento sobre o assunto. Aos dois, se
junta a comissária de bordo, Leila, que não esconde a afeição íntima pelo
comandante. Depois de voltar desta viagem, o aviador é perseguido por um homem
que deixa em seu apartamento um estranho aparelho. É um visor-transmissor que
faz um comunicado dos seres responsáveis pelos dois contatos e que deseja um
terceiro, para lhe revelar os segredos de sua origem e as suas intenções. Em
princípio abalado e confuso, Eduardo terá a ajuda de sua namorada e do
cientista Augusto Vaugirard para saber como proceder frente à convocação. O
encontro deve acontecer na ilha de Trindade, próximo à costa atlântica
brasileira, a cerca de 1600 km do litoral capixaba. Aos três se junta um colega
de trabalho de Eduardo e Leila, o radiotelegrafista Santos, pois ele é dono de
um barco apropriado para a viagem.[2]
A segunda parte do romance tem o nome de “Ilha” e narra o fantástico
encontro de terceiro grau do grupo com os seres misteriosos. O disco voador
aparece no horizonte da noite estrelada sobre a ilha, paira sobre eles e depois
de alguns minutos aterrissa. As cinco páginas que descrevem a aparição e a
reação das pessoas é o momento principal da obra, pois é narrada com precisão e
emoção ao mesmo tempo, com muita verossimilhança, como se Scavone tivesse
narrando uma experiência que tivesse realmente vivido.[3]
Um ser humanóide de nome Alik sai do disco e se comunica com o grupo.
Convida-os para entrar na nave e lá explica parte de suas intenções. Talvez o
mais surpreendente é que ele diz que não é extraterrestre, mas sim
intraterrestre. Ou seja, é um ser humano que habita o interior da Terra. Há
milhares de anos parte da população da superfície teria entrado em túneis e
cavernas e, a partir daí, desenvolvido uma tecnologia que os permitisse
perfurar o interior do planeta e construir o mundo de Agarta, composto por sete
cidades interligadas. Os avistamentos de discos voadores ocorreriam há milhares
de anos, com o intuito de monitorar as atividades dos humanos da superfície.[4]
Mas embora não se anunciassem publicamente, teriam ido mais longe, pois alguns
deles estariam misturados junto aos habitantes da superfície e teriam recrutado
colaboradores que serviriam aos seus planos de união a longo prazo das duas
civilizações. Eduardo e seus companheiros seriam apenas mais alguns recrutados
para esta missão. Contudo, se eles revelassem publicamente o que agora sabiam
seriam “anulados”.
Embora a parte final seja repleta de um suspense que mantém o interesse,
o romance partiu para um anticlímax, pois o momento principal da história foi
vivido no meio do livro. Para quem esperava o aprofundamento do contato, a
história retrocede quase que a um ponto inicial, a não ser pelo segredo agora
partilhado pelos sobreviventes do contato. De certa forma, isso seria um
reforço conservador para o mundo tal e qual conhecemos, deixando de lado
situações que possam fugir ao nosso controle.
Scavone contou em uma entrevista que O Homem que Viu o Disco Voador
foi escrito por volta de 1955 e 1956 para o seu filho, que gostava das
aventuras de Julio Verne.[5]
Além disso, nessa época, ele também tinha interesse pelo assunto. Então, talvez
possamos afirmar que o romance didático e algo esquemático nasce de sua própria
motivação de entender um pouco mais sobre o fenômeno dos Ovnis, já nos anos 50
bastante popular nos céus de todo o mundo. Isso talvez explique também porque a
história não avance muito, só insinue – e até de forma surpreendente, como na
revelação da origem do disco –, mas não tenha muito interesse em extrapolar
para uma história de grandes especulações, como chegou a sugerir que faria na
metade da obra.
Contudo, mesmo com estas limitações de método, tema e desenvolvimento de
personagens, a obra tem brilho próprio, pois nota-se o talento em formação de
Scavone, que iria se tornar um dos mais estilosos e certamente o mais erudito
dos escritores brasileiros de ficção científica. Para se notar como o tema era
caro ao autor, retornaria a ele em mais duas histórias curtas, “O número
transcendental”, na coletânea Diálogo dos mundos (1961) e “O grande
eclipse”, publicada nas antologias Sete faces da ficção espacial (1992)
e Estranhos contatos (1998). E, por fim, ainda produziria em sua
maturidade, a obra-prima O 31o peregrino (1993), numa
história de abdução por extraterrestres em plena Inglaterra do século 14.
Por tudo isso e mais vale a pena voltar nossa atenção crítica ao primeiro
livro de Scavone, para ilustrar como a tradição deste segmento temático dentro
da ficção científica brasileira ainda está viva e em contínua renovação, como
atesta o lançamento em 2008 do romance De Roswell a Varginha, de Renato
A. Azevedo, pela Tarja Editorial. Pois queiram os puristas ou não, o fato é que
Scavone inaugurou uma tradição que se manteve ao longo dos anos com outras
obras[6]
e que tem enriquecido com um dos olhares mais particulares, a maneira como o
brasileiro escreve e interpreta os temas associados direta ou indiretamente à
ficção científica.
[1]
Ao lado da antologia Maravilhas da ficção científica, organizada por
Mário da Silva Brito, para a editora Cultrix, de São Paulo, no mesmo ano. A
Geração GRD, também nomeada de Primeira Onda da Ficção Científica Brasileira,
teria perdurado até 1972, com o fim da publicação da revista Magazine de
Ficção Científica, da editora Globo, de Porto Alegre.
[2]
Pouco antes do livro ser publicado aconteceu um fenômeno de observação
ufológica nesta ilha, em 16 de janeiro de 1958, onde um fotógrafo a bordo de um
navio da marinha brasileira tirou seis fotografias de um OVNI. Como observa
Roberto Causo em Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (pág. 103, nota 29): “Como o romance de Scavone foi publicado no
segundo semestre de 1958, haveria tempo do escritor incorporar a repercussão do
avistamento.”
[3]
Inclusive, na contracapa da edição de 1975 utilizada para esta resenha, há uma
ótima ilustração desta cena, de autoria de Myriam R. da Costa Araújo. Deveria
mesmo ter sido a da capa.
[4]
Ora, esta é a tese de algumas teorias paracientíficas ou místicas sobre como
seria de fato o interior do planeta e a origem dos discos voadores. Uma obra
relevante sobre o tema é a de Raymond Bernard, A Terra oca: A descoberta de
um mundo oculto (The hollow Earth, 1969), publicado pela editora
Record no início dos anos 1980. Talvez Scavone tenha bebido desta fonte a partir
da suposta experiência do Contra-almirante Richard Byrd, dos Estados Unidos,
que afirma ter entrado com mais alguns tripulantes com um avião, 3.700 Km no
interior do planeta, a partir do Polo Sul, em janeiro de 1956. O livro de
Bernard conta esta suposta aventura com detalhes.
[5]
Concedida a David Lincoln Dunbar, Unique motifs in brazilian science ficion.
É o primeiro trabalho acadêmico sobre a ficção científica brasileira, defendida
na Arizona State University, em 1976. Esta citação foi retirada do livro ainda
inédito, Depois do Sputnik: O debate cultural sobre ficção científica no
Brasil, organizado por Roberto de Sousa Causo.
[6]
Vários livros no sub-gênero “ficção científica ufológica” tem sido publicados
nas últimas décadas, a maioria deles, é verdade, desvinculados de uma
indentificação com o gênero, de cunho mais supostamente testemunhal ou mesmo
espiritualista. Na tradição do gênero, os melhores exemplos – para além dos de
Scavone – são a coletânea de Marien Calixte, Alguma coisa no céu (1985)
e a antologia de autores nacionais e estrangeiros, Estranhos contatos,
organizada por Roberto de Sousa Causo, em 1998.
Caro Marcello Branco,
ResponderExcluirExcelente artigo.
Será que conhece, tem ou pode dizer como obter o artigo de Rubens Teixeira Scavone, publicado em 1969 no “Suplemento Literário” de “O Estado de São Paulo, no qual ele escreve: “Na escala do cósmico só o fantástico tem possibilidade de ser verdadeiro”. Quem viver verá.”
Obrigado.
Álvaro de Sousa Holstein