segunda-feira, 20 de abril de 2015

O Homem que Viu o Disco Voador, Rubens Teixeira Scavone

O Homem que Viu o Disco Voador, Rubens Teixeira Scavone. 221 páginas. São Paulo: Editora Melhoramentos, Série “Escape”, São Paulo. Edição de 1975. Lançado originalmente em 1958.

Por vários motivos este livro tem importância na história da ficção científica brasileira. Marcou a estreia profissional de Rubens Teixeira Scavone (1925-2007), que iria se tornar pelas décadas seguintes um dos mais importantes autores brasileiros dedicados ao gênero. Representou também o início da chamada “Geração GRD”, o primeiro momento expressivo em termos de obras e movimento literário da ficção científica em nosso país.[1] E, de certa forma, também simboliza o diálogo deste gênero literário com a ufologia, tão mal afamada e incompreendida naquele tempo e ainda hoje.
Publicada originalmente pela editora Palácio do Livro, de São Paulo, a obra chama a atenção já na capa, ao lermos o nome do autor. Um certo Senbur T. Enovacs. Talvez por algum tempo este nome tenha prevalecido na autoria desta obra, mas a verdade é que ele é um anagrama – nome escrito ao contrário –, de Rubens T. Scavone.
O que levou Scavone, filho de Maria de Lurdes Teixeira e José Geraldo Vieira, autores de prestígio junto ao mainstream nacional, a ocultar o seu nome? Talvez o tema, muito polêmico à época, além da marginalização que a ficção científica também desfrutava. De qualquer forma, tornou-se um detalhe sem grande importância nos anos seguintes, pois O homem que viu o disco voador, foi um best-selller, republicado em várias edições, e já com o nome verdadeiro do autor.
O livro tem um objetivo claramente didático e não esconde isso em sua estrutura narrativa e no desenvolvimento da ação e do perfil e comportamento dos personagens, um pouco estereotipados e sem profundidade maior. E está dividido em três partes distintas e complementares.
Na primeira, intitulada de “O mistério”, temos a exposição direta de dois contatos com objetos voadores não identificados (Ovnis). Logo de saída, o aviador Eduardo Germano de Rezende não entende a pane nos instrumentos de seu avião, quando estava prestes a pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Semanas depois testemunha um avistamento concreto, próximo a uma das asas de um avião que pilotava. Trata-se de um estranho objeto circular, que inunda o interior da nave com uma luz intensa. Ao contrário do primeiro fenômeno, este é testemunhado pela tripulação e todos os passageiros.
Neste segundo contato, Eduardo conhece um renomado cientista, que expõe a ele de forma rápida o seu profundo conhecimento sobre o assunto. Aos dois, se junta a comissária de bordo, Leila, que não esconde a afeição íntima pelo comandante. Depois de voltar desta viagem, o aviador é perseguido por um homem que deixa em seu apartamento um estranho aparelho. É um visor-transmissor que faz um comunicado dos seres responsáveis pelos dois contatos e que deseja um terceiro, para lhe revelar os segredos de sua origem e as suas intenções. Em princípio abalado e confuso, Eduardo terá a ajuda de sua namorada e do cientista Augusto Vaugirard para saber como proceder frente à convocação. O encontro deve acontecer na ilha de Trindade, próximo à costa atlântica brasileira, a cerca de 1600 km do litoral capixaba. Aos três se junta um colega de trabalho de Eduardo e Leila, o radiotelegrafista Santos, pois ele é dono de um barco apropriado para a viagem.[2]
A segunda parte do romance tem o nome de “Ilha” e narra o fantástico encontro de terceiro grau do grupo com os seres misteriosos. O disco voador aparece no horizonte da noite estrelada sobre a ilha, paira sobre eles e depois de alguns minutos aterrissa. As cinco páginas que descrevem a aparição e a reação das pessoas é o momento principal da obra, pois é narrada com precisão e emoção ao mesmo tempo, com muita verossimilhança, como se Scavone tivesse narrando uma experiência que tivesse realmente vivido.[3]
Um ser humanóide de nome Alik sai do disco e se comunica com o grupo. Convida-os para entrar na nave e lá explica parte de suas intenções. Talvez o mais surpreendente é que ele diz que não é extraterrestre, mas sim intraterrestre. Ou seja, é um ser humano que habita o interior da Terra. Há milhares de anos parte da população da superfície teria entrado em túneis e cavernas e, a partir daí, desenvolvido uma tecnologia que os permitisse perfurar o interior do planeta e construir o mundo de Agarta, composto por sete cidades interligadas. Os avistamentos de discos voadores ocorreriam há milhares de anos, com o intuito de monitorar as atividades dos humanos da superfície.[4] Mas embora não se anunciassem publicamente, teriam ido mais longe, pois alguns deles estariam misturados junto aos habitantes da superfície e teriam recrutado colaboradores que serviriam aos seus planos de união a longo prazo das duas civilizações. Eduardo e seus companheiros seriam apenas mais alguns recrutados para esta missão. Contudo, se eles revelassem publicamente o que agora sabiam seriam “anulados”.


A terceira parte, chamada de “A ameaça”, versa fundamentalmente sobre os desdobramentos deste contato. A vida dos quatro muda inteiramente e eles têm de se manter unidos em seu segredo, pois temem o que pode vir a ser esta “anulação”. Contudo, Santos distoa do restante, ao questionar a origem dos intraterrenos, seus objetivos e ameaças. Então conta o que sabe aos jornais de São Paulo e a vida dele e dos outros três passa a correr risco. É muito curioso como os jornais aceitam e publicam a história de uma pessoa, sem maiores questionamentos. É verdade que eles ocorrem depois que a história é publicada, mas é muito irrealista o comportamento da imprensa neste episódio. Santos relata que a experiência foi vivida apenas por ele e Vaugirard, deixando de fora o casal. O raditelegrafista é devidamente “anulado”, com o sumiço de seu avião em pleno vôo. Já a polêmica que se segue acaba com a reputação do cientista e leva Eduardo e Leila, numa próxima viagem a uma decisão radical de cortar o contato com os seres do disco voador. Com isso acaba não acontecendo a próxima etapa do recrutamento do grupo e nem o avanço dos objetivos dos seres de Agarta, tudo terminando com a manutenção mistério, da dúvida e do segredo do que seria de fato os tais discos voadores.
Embora a parte final seja repleta de um suspense que mantém o interesse, o romance partiu para um anticlímax, pois o momento principal da história foi vivido no meio do livro. Para quem esperava o aprofundamento do contato, a história retrocede quase que a um ponto inicial, a não ser pelo segredo agora partilhado pelos sobreviventes do contato. De certa forma, isso seria um reforço conservador para o mundo tal e qual conhecemos, deixando de lado situações que possam fugir ao nosso controle.
Scavone contou em uma entrevista que O Homem que Viu o Disco Voador foi escrito por volta de 1955 e 1956 para o seu filho, que gostava das aventuras de Julio Verne.[5] Além disso, nessa época, ele também tinha interesse pelo assunto. Então, talvez possamos afirmar que o romance didático e algo esquemático nasce de sua própria motivação de entender um pouco mais sobre o fenômeno dos Ovnis, já nos anos 50 bastante popular nos céus de todo o mundo. Isso talvez explique também porque a história não avance muito, só insinue – e até de forma surpreendente, como na revelação da origem do disco –, mas não tenha muito interesse em extrapolar para uma história de grandes especulações, como chegou a sugerir que faria na metade da obra.
Contudo, mesmo com estas limitações de método, tema e desenvolvimento de personagens, a obra tem brilho próprio, pois nota-se o talento em formação de Scavone, que iria se tornar um dos mais estilosos e certamente o mais erudito dos escritores brasileiros de ficção científica. Para se notar como o tema era caro ao autor, retornaria a ele em mais duas histórias curtas, “O número transcendental”, na coletânea Diálogo dos mundos (1961) e “O grande eclipse”, publicada nas antologias Sete faces da ficção espacial (1992) e Estranhos contatos (1998). E, por fim, ainda produziria em sua maturidade, a obra-prima O 31o peregrino (1993), numa história de abdução por extraterrestres em plena Inglaterra do século 14.
Por tudo isso e mais vale a pena voltar nossa atenção crítica ao primeiro livro de Scavone, para ilustrar como a tradição deste segmento temático dentro da ficção científica brasileira ainda está viva e em contínua renovação, como atesta o lançamento em 2008 do romance De Roswell a Varginha, de Renato A. Azevedo, pela Tarja Editorial. Pois queiram os puristas ou não, o fato é que Scavone inaugurou uma tradição que se manteve ao longo dos anos com outras obras[6] e que tem enriquecido com um dos olhares mais particulares, a maneira como o brasileiro escreve e interpreta os temas associados direta ou indiretamente à ficção científica.
Marcello Simão Branco




[1] Ao lado da antologia Maravilhas da ficção científica, organizada por Mário da Silva Brito, para a editora Cultrix, de São Paulo, no mesmo ano. A Geração GRD, também nomeada de Primeira Onda da Ficção Científica Brasileira, teria perdurado até 1972, com o fim da publicação da revista Magazine de Ficção Científica, da editora Globo, de Porto Alegre.
[2] Pouco antes do livro ser publicado aconteceu um fenômeno de observação ufológica nesta ilha, em 16 de janeiro de 1958, onde um fotógrafo a bordo de um navio da marinha brasileira tirou seis fotografias de um OVNI. Como observa Roberto Causo em Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (pág. 103, nota 29): “Como o romance de Scavone foi publicado no segundo semestre de 1958, haveria tempo do escritor incorporar a repercussão do avistamento.”
[3] Inclusive, na contracapa da edição de 1975 utilizada para esta resenha, há uma ótima ilustração desta cena, de autoria de Myriam R. da Costa Araújo. Deveria mesmo ter sido a da capa.
[4] Ora, esta é a tese de algumas teorias paracientíficas ou místicas sobre como seria de fato o interior do planeta e a origem dos discos voadores. Uma obra relevante sobre o tema é a de Raymond Bernard, A Terra oca: A descoberta de um mundo oculto (The hollow Earth, 1969), publicado pela editora Record no início dos anos 1980. Talvez Scavone tenha bebido desta fonte a partir da suposta experiência do Contra-almirante Richard Byrd, dos Estados Unidos, que afirma ter entrado com mais alguns tripulantes com um avião, 3.700 Km no interior do planeta, a partir do Polo Sul, em janeiro de 1956. O livro de Bernard conta esta suposta aventura com detalhes.
[5] Concedida a David Lincoln Dunbar, Unique motifs in brazilian science ficion. É o primeiro trabalho acadêmico sobre a ficção científica brasileira, defendida na Arizona State University, em 1976. Esta citação foi retirada do livro ainda inédito, Depois do Sputnik: O debate cultural sobre ficção científica no Brasil, organizado por Roberto de Sousa Causo.
[6] Vários livros no sub-gênero “ficção científica ufológica” tem sido publicados nas últimas décadas, a maioria deles, é verdade, desvinculados de uma indentificação com o gênero, de cunho mais supostamente testemunhal ou mesmo espiritualista. Na tradição do gênero, os melhores exemplos – para além dos de Scavone – são a coletânea de Marien Calixte, Alguma coisa no céu (1985) e a antologia de autores nacionais e estrangeiros, Estranhos contatos, organizada por Roberto de Sousa Causo, em 1998.

Um comentário:

  1. Caro Marcello Branco,
    Excelente artigo.
    Será que conhece, tem ou pode dizer como obter o artigo de Rubens Teixeira Scavone, publicado em 1969 no “Suplemento Literário” de “O Estado de São Paulo, no qual ele escreve: “Na escala do cósmico só o fantástico tem possibilidade de ser verdadeiro”. Quem viver verá.”
    Obrigado.
    Álvaro de Sousa Holstein

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