Campo Total e Outros
Contos de Ficção Científica, Carlos Orsi. Ilustração de capa: Eriksama, 154
páginas. São Paulo: Editora Draco, 2013.
Carlos Orsi anuncia na
apresentação que este é um livro especial. Primeiro, porque marca os 20 anos de
sua estreia profissional, quando publicou a noveleta “Aprendizado”, na revista Isaac Asimov Magazine, n. 24, em
novembro de 1992. Segundo porque representa um ponto de ruptura em sua
carreira, já que ele pretende que seja o último livro de ficção científica que
deverá publicar.
Campo Total é também o retorno de Orsi à forma narrativa do conto,
depois de publicar os romances Guerra
Justa (2010) e Nômade (2010),
além de republicar a novela As Dez Torres
de Sangue (2012; a primeira saiu na Coleção Fantástica, em 1999).
Desde Tempos de Fúria (2005), ele não publicava um volume só de contos, e
este retorno gerou uma boa expectativa para este resenhador. Isso porque sempre
gostei muito dos trabalhos mais curtos de Orsi, ao contrário de seus textos
mais longos que, como o próprio autor admite em seu blog, são mais sequências de narrativas encadeadas do que
propriamente um romance. Não que isso seja necessariamente ruim, mas o caso é
que o resultado no caso deste autor é inferior ao que ele produz em narrativas
mais curtas. Talvez por isso mesmo os romances fix-ups não tiveram o mesmo impacto que os textos curtos, pois Orsi
sabe como poucos na ficção científica brasileira abordar um tema específico e
tirar muito dele em poucas páginas. Tem uma forma narrativa objetiva, compacta,
que vai direto ao ponto, justificando o argumento de críticos que afirmam que a
forma curta (conto e noveleta) é melhor para um gênero como a FC, que se
caracteriza pelo desenvolvimento de uma ideia.
Mas é fato também que Orsi nunca
foi um escritor de FC per se. Outra
característica que o distingue no panorama brasileiro é a sua habilidade em
transitar muito bem entre os gêneros da FC e do horror. De tal maneira que seus
melhores textos são de difícil classificação entre um e outro, destacando-se o
cenário híbrido dos enredos.
Nesta nova coletânea, nomeada
como de ficção científica, o horror reaparece pouco. Por exemplo, em contos
como “Um Bom Emprego” – surpreendente reedição em sua carreira de um conto
neolovecraftiano –, e “Disse a Profetiza”. Mas são pálidas incursões se
comparadas a textos anteriores como, por exemplo, “O Mal de um Homem”, “Planeta
dos Mortos” ou “A Fábrica”. Temos em mãos, então, um volume de histórias curtas
pouco híbridas e mais identificadas com a FC.
Basicamente estas histórias
situam-se em dois polos. Primeiro, textos mais especulativos, que procura
desenvolver alguma ideia científica nova ou um conceito mais abstrato. Textos
como, por exemplo, “A Equação” e “Campo Total”. Ambos interessantes, mas que
mais parece querer mostrar a inteligência do autor do que o desenvolvimento
narrativo a partir de uma ideia. Nesse sentido, então, são falhas por não
produzir situações mais dramáticas que envolvam o leitor na história. Também
vão por este caminho, “Cardeais em Órbita” e “Clitoridectomia”, ou seja,
apresentam ideias potencialmente interessantes, mas que vão pouco além de uma
crítica um tanto desajeitada de teor mais moral ou comportamental.
Mesmo que nem todos os contos
tenham sido escritos recentemente, o autor mesmo admite que alguns deles ecoam
assuntos com os quais ele vem se ocupando nos últimos anos na condição de
jornalista de divulgação científica, seja como colunista da revista Galileu, seja como autor de livros como,
por exemplo, o recente Pura Picaretagem
(2013) – em parceria com o físico Daniel Bezerra. Isso porque Orsi reconhece
uma virada de interesse em sua carreira de jornalista e escritor: de um
escritor de ficção que atuava como jornalista, para um jornalista que também
escreve ficção.
Dentro deste contexto, o livro se
ressente, talvez, de mais empenho do autor em se dedicar por inteiro às
histórias mesmo que, e isso é louvável, ele não tenha medo de arriscar temas
novos, alguns deles de difícil execução, como mostrado neste livro.
Mas há pelo menos duas histórias
que nos remete ao bom contador de histórias com o qual o autor se notabilizou
na FC&F brasileira a partir dos anos 1990: “Nativos” e “Terror no Planeta
dos Canibais”. Em ambas vê-se a pujança de seu texto quando voltado a temáticas
de aventura e ação, onde não faltam soluções dramáticas e criativas. Histórias
de aventura e contato em planetas distantes de primeira categoria. Em
“Nativos”, um diplomata busca travar contato com uma estranhíssima forma de
vida inteligente baseada, aparentemente, na radioatividade – como as plantas
terrestres se baseiam na fotossíntese para retirar energia da luz do Sol. Há
toda uma construção social de um cenário de colonização de fronteira, meio ao
estilo de um faroeste que dá um sabor especial à trama. A melhor história do
livro. Outra muito boa nesta linha é “Terror no Planeta dos Canibais”, em que
uma equipe de astronautas que viaja a velocidades próximas à da luz, a
Planetária, vai a um planeta obscuro para resgatar uma nave terrestre e
descobre que, abandonados e sem poder se alimentar no planeta recorrem ao
canibalismo. A ideia desta equipe da Planetária de resgatar naves e terrestres
em perigo universo à fora, poderia render mais, ou um romance ou uma série de
histórias com muitas aventuras.
Como o próprio autor declara na
apresentação do livro, ele tem uma “busca quase obsessiva pela narrativa de
ação e aventura”. Ora, este livro torna isso claríssimo! Parece mesmo que há
dois autores diferentes, o das histórias frias e especulativas e as outras com
ação e aventura.
Carlos Orsi pode até escrever
histórias mais reflexivas, mas mostra neste livro que o seu forte está em ser
um bom contador de histórias: tem bom ritmo narrativo, ideias criativas e
aventura e drama na medida certa. É com esse tipo de texto que ele foi
reconhecido dentro da FC&F brasileira, especialmente na temática do horror,
e é uma pena que afirme ser este seu último livro escrito de forma espontânea,
sem que seja convidado para escrever um conto para uma antologia.
Como o autor ainda é novo
esperemos que ele mude de opinião mais adiante e volte a escrever histórias
como “Nativos” e “Terror no Planeta dos Canibais”. Sua melhor ficção segue
nesta linha e ele ainda tem muito a contribuir para boas aventuras de ficção
científica e horror no cenário nacional.
– Marcello Simão Branco
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