A Editora Argonautas, de Porto Alegre, como muitas outras editoras novas, é fruto da iniciativa de fãs de literatura de ficção científica e fantasia, no caso os escritores Duda Falcão e Cesar Alcázar. Entusiastas da clássica coleção portuguesa de fc&f Argonauta, da Editora Livros do Brasil, decidiram não apenas dar o mesmo nome à editora, mas estrear com uma publicação que segue a mesma tradição, a coleção Sagas, formada por livros de bolso com antologias temáticas. Trata-se de uma pequena joia em meio à barafunda que se tornou o espaço editorial da fc&f no Brasil, coalhado por antologias temáticas montadas a toque de caixa.
A primeira edição, dedicada à fantasia, foi publicada ainda em 2010, mas as edições 2 e 3, faroeste e bruxaria, respectivamente, saíram em 2011. A edição é cuidadosa e as capas, ilustradas por Nathan Milliner e Fred Macêdo, remetem aos quadrinhos e às revistas pulps.
Sagas volume 1: Espada & magia, tem 144 páginas, prefácio do escritor Roberto de Sousa Causo, e traz textos de autoria de Georgette Silen, Rober Pinheiro e dos próprios editores, explorando enredos na linha das histórias de Conan, O Bárbaro, e de Elric de Melniboné*.
O volume é despretensioso em sua proposta e equilibrado na organização. Os contos são simples, mas correspondem bem à proposta da edição, que é homenagear a Weird Fiction. O melhor texto do conjunto é “A cidadela de Ellan”, de Georgette Silen; de fato é o melhor texto da autora que já tive a oportunidade de ler, com elementos feministas e um enredo que escapa das convenções do gênero. Conta a história de uma guerreira psicologicamente problemática, que precisa recuperar um artefato que está sob a guarda de um velho conhecido, líder de um grupo de salteadores no momento escondidos num castelo. Velhos sentimentos vão emergir em meio à missão que tem tudo para resultar em tragédia.
Sagas Volume 2: Estranho oeste tem prefácio de Thomas Albornoz e apresenta, em suas 144 páginas, cinco histórias macabras de Alícia Azevedo, Christian David, Duda Falcão, M. D. Amado e Wilson Vieira, todas ambientadas no Velho Oeste norte-americano. Trata-se de um tema muito rico, pois no mesmo período podem ser contadas histórias em variados cenários e personagens: com nativos, dramas familiares em fazendas nas planícies, militaria da Guerra Civil, a Guerra da Independência, ou nas guerras indígenas, histórias com os pioneiros, sobre freakshows, sobre a corrida do ouro na Califórnia e no Alasca, sobre as caravanas, sobre os cowboys que atravessavam o país conduzindo seus rebanhos, sobre a construção das linhas de trens, caçadas de baleias, e até dramas urbanos vitorianos nas grandes metrópoles do leste, e muito mais. Mas faltou intimidade dos autores com o gênero. Todos acabaram contando histórias de pistoleiros metidos em confusões em saloons.
O melhor conto do volume é “Aproveite o dia”, de Christian David, com um protagonista patife e espirituoso que traz um colorido diferenciado à monocromia dos demais contos. Ele é um jogador que se mete numa situação da qual não terá chance de sair vivo, a não ser com muita sagacidade e um bocado de sorte.
A edição tem seus méritos, pois o tema é dos mais espinhosos para os autores brasileiros. Tanto que há apenas dois livros brasileiros nesse gênero, e são recentes: os romances Areia nos dentes, de Antônio Xerxeneski (2008), e O peregrino, de Tibor Moricz (2011). Uma alternativa bastante razoável seria trocar o cenário do faroeste pelo cangaço, ou por bandeirantes, ou por jagunços modernos. As histórias poderiam ser exatamente as mesmas, mas ganhariam um colorido mais autêntico e imprevisível.
Finalmente, Sagas volume 3: Martelo das bruxas é o melhor da série, com 128 páginas e contos de Ana Cristina Rodrigues, Ana Lúcia Merege, Christopher Kastensmidt, Douglas MCT e Duda Falcão, com prefácio de Simone O. Marques.
“Cada história tem...”, de Christopher Kastensmidt, escritor norte-americano que vive no Brasil e aprecia trabalhar com os temas nativos, narra o duelo entre uma feiticeira e um caçador de bruxas no Brasil colonial, ambos acreditando estarem certos em seus pontos de vista. É o melhor conto publicado na série e, apesar do clima dramático, foi inevitável lembrar da épica luta entre Merlin e Madame Min no clássico desenho animado A espada era a lei (1963), de Walt Disney.
Ana Cristina Rodrigues também se apresenta com um bom trabalho. A história “O quão forte pode um gigante gritar” é ambientada na Irlanda medieval, onde o último sobrevivente de uma raça mágica envolve-se numa situação de risco para salvar uma jovem que está sendo torturada. O maior mérito do conto de Ana Cristina é a história de fundo, que demonstra riqueza suficiente para sustentar um texto bem mais longo. “Encruzilhada”, de Douglas MCT, apesar de não ser tão empolgante quanto os contos anteriores, destaca-se pelo estilo narrativo diferenciado. Conta a história de duas irmãs, meninas ainda, que precisam cumprir um ritual mágico de sacrifício mas, para isso, terão de enfrentar adversários poderosos.
A coleção é muito simpática, bem feita e dispõe de espaço para crescer no mercado. Contudo, depois do início alvissareiro, deu uma freada e só lançou mais dois volumes nos três anos seguintes: Sagas volume 4: Odisseia espacial e Sagas volume 5: Revolução, publicados em 2013 e 2014, respectivamente. O que não deixa de ser uma boa notícia em comparação a suas concorrentes diretas: a coleção Paradigmas foi descontinuada com o encerramento da editora Tarja, e Ficção de polpa, da Não Editora, tem uma periodicidade ainda mais elástica.
Sagas é o tipo de publicação que poderia se dar bem nas bancas, pena que a distribuição brasileira é um jogo de cartas marcadas no qual editoras pequenas como a Argonautas, infelizmente, não têm vez.
— Cesar Silva
*Criações respectivas de Robert E. Howard e Michael Moorcock.
Nenhum comentário:
Postar um comentário