Megalópolis,
Júlio Emílio Braz. 100 páginas. Rio de Janeiro: Editora Rocco – Coleção “Jovens
Leitores”, 2006.
Júlio Emílio
Braz é um caso raro na ficção científica brasileira. Para começar é negro, uma raridade no meio, integrado mais por
descendentes de europeus. Além disso, é um escritor bem-sucedido no gênero, ao
menos em comparação com outros autores. É que Braz investe em duas searas pouco
exploradas pela maioria dos demais autores: o infanto-juvenil e os quadrinhos.
Pois é nestes nichos que o autor tem se notabilizado, ora como roteirista de
HQs, ora como escritor de ficção científica e policial para o público
adolescente.
E tem uma
carreira extremamente prolixa com seus cerca de 80 livros publicados. É tudo
isso mesmo, não se espante. Também já recebeu prêmios importantes no Brasil,
como o Jabuti e alguns internacionais, ambos na área do infanto-juvenil. Pois
estamos então diante de um autor tarimbado, que sabe se comunicar com o seu
público preferencial. E que não é ocaso, curiosamente, do leitor de ficção
científica ‘adulta’, que praticamente não acompanha o que se escreve e edita no
infanto-juvenil.
Uma oportunidade
de vencer esta barreira é o novo livro de Braz, Megalópolis, lançado
pela prestigiosa editora Rocco em sua coleção “Jovens Leitores”. O autor nos
apresenta um mundo futuro em tempo indeterminado, mas percebe-se que não muito
distante, ainda durante o século XXI. O título se refere a uma grande
metrópole, com uma população de dezenas de milhões de pessoas, com uma
arquitetura sofisticada, uma avançada tecnologia – com direito a hologramas,
robôs e androides no cotidiano das pessoas – e com fronteiras não definidas e
recortadas por diferentes regiões que não necessariamente estão interligadas,
principalmente em termos sociais.
A história é
narrada em primeira pessoa por um investigador particular chamado Lino Sigma.
Ele é contratado por uma mulher da parte rica da cidade para resgatar sua
filha, que se encontra presa em um dos bairros periféricos da cidade por um
grupo criminoso que controla o tráfico dos biostimuladores neurais. Isto é, a
droga desta época.
Embora Braz
apresente um painel instigante no início, a novela não passa de um episódio da
megalópolis. Um entre tantos outros milhões que ocorrem todos os dias em uma urbe
extremamente segregada em termos sociais, a ponto de criar sub-culturas
fechadas em si mesmas, nas quais nem a ação do Estado existe. Ora, mas isso não
lhe é familiar?
Sim, há
passagens inteiras que poderiam perfeitamente caber às nossas metrópoles de
hoje, São Paulo e Rio de Janeiro, apenas retirando a ‘roupagem’futurista.
Desigualdade social, pobreza, exclusão, falta de oportunidades, preconceitos
mútuos e bandos criminosos. Alimentados, é claro, por uma fonte de poder
econômica ilícita, o tráfico de drogas. Tudo isto existe hoje e continua
presente nesta megalópolis do amanhã.
Contudo, se o
autor apresenta o contexto social, não discute as razões que o levaram a chegar
a este ponto sem retorno possível de uma convivência civilizada. Seu foco está
na ação do detetive Sigma e o que ele tem de fazer para retirar a garota dos
infernos da periferia abandonada e entregue ao caos. É curioso que embora possa
ser vista como uma história cyperpunk – por meio do contexto social
degradado e dos hologramas, andróides e robôs que interagem com os humanos –, a
narrativa é em si policial, por meio da ação do detetive. Mas ele não tem de
desvendar mistério algum. Só precisa entrar no hotel do inferno – onde está presa
a garota – e trazê-la de volta ao mundo burguês.
Desta forma,
embora a trama seja narrada na primeira pessoa de Sigma, o texto tem um ritmo
‘adrenalínico’, com muita ação em um estilo quase pictórico, semelhante ao que
seria um roteiro de HQ ou mesmo um filme para o cinema, com muita ênfase em
cenas com cuidado visual, principalmente de lutas, perseguições e tiroteios.
Além disso, há uma profusão exagerada de nomes para lugares e os vários grupos
sociais que o habitam, o que torna a leitura um pouco confusa. Ainda dentro
deste contexto ilustrativo, o destaque vai para a bela ilustração de capa de
Glenda Rubinstein. Que é complementada pela concepção claramente visual do
livro inteiro, quase que tratado como se não fosse (ou não devesse ser encarado
como) um objeto literário.
Se as
peculiaridades narrativas e editoriais com forte ênfase na imagem estão no
primeiro plano da obra, sobra pouca oportunidade para uma caracterização melhor
dos personagens, todos superficiais e próximos do estereótipo. É como se Braz
quisesse apenas se divertir dentro de uma sociedade perturbadoramente
pervertida em suas normas e valores. Como se nem valesse a pena discutir um
pouco mais os rumos sombrios de uma convivência social deste tipo, porque o
futuro estaria mesmo perdido. Nesse sentido é estranho que o autor se ausente
de discutir um pouco mais este mundo, pois ele mesmo afirma no posfácio,
‘Referências de inspiração’, que esta obra é “Uma contribuição. Uma proposta em
aberto. Meu jeito de ver o futuro que não verei.”
Mesmo assim é
possível dizer que o texto de Braz tem fluência, alguns bons diálogos e uma
pitada de humor na voz do detetive Lino Sigma, embora tudo seja um pouco
diluído pelo já citado excesso de perseguições e pela falta de dramatização ou
de uma especulação um pouco mais caprichada do mundo que o autor imaginou.
Megalópolis
é uma novela para jovens que mostra um mundo sem esperança, entregue ao materialismo
e ao individualismo mas que, talvez em nome da proposta mais infanto juvenil,
perca uma oportunidade interessante de dramatizar e discutir assuntos de
extrema relevância social e humana, inclusive para os jovens. Ou talvez
principalmente para eles, os futuros adultos da megalópole que virá.
-- Marcello
Simão Branco
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