sábado, 9 de maio de 2015

Megalópolis, Júlio Emílio Braz

Megalópolis, Júlio Emílio Braz. 100 páginas. Rio de Janeiro: Editora Rocco – Coleção “Jovens Leitores”, 2006.

   Júlio Emílio Braz é um caso raro na ficção científica brasileira. Para começar é negro, uma raridade no meio, integrado mais por descendentes de europeus. Além disso, é um escritor bem-sucedido no gênero, ao menos em comparação com outros autores. É que Braz investe em duas searas pouco exploradas pela maioria dos demais autores: o infanto-juvenil e os quadrinhos. Pois é nestes nichos que o autor tem se notabilizado, ora como roteirista de HQs, ora como escritor de ficção científica e policial para o público adolescente.
   E tem uma carreira extremamente prolixa com seus cerca de 80 livros publicados. É tudo isso mesmo, não se espante. Também já recebeu prêmios importantes no Brasil, como o Jabuti e alguns internacionais, ambos na área do infanto-juvenil. Pois estamos então diante de um autor tarimbado, que sabe se comunicar com o seu público preferencial. E que não é ocaso, curiosamente, do leitor de ficção científica ‘adulta’, que praticamente não acompanha o que se escreve e edita no infanto-juvenil.
   Uma oportunidade de vencer esta barreira é o novo livro de Braz, Megalópolis, lançado pela prestigiosa editora Rocco em sua coleção “Jovens Leitores”. O autor nos apresenta um mundo futuro em tempo indeterminado, mas percebe-se que não muito distante, ainda durante o século XXI. O título se refere a uma grande metrópole, com uma população de dezenas de milhões de pessoas, com uma arquitetura sofisticada, uma avançada tecnologia – com direito a hologramas, robôs e androides no cotidiano das pessoas – e com fronteiras não definidas e recortadas por diferentes regiões que não necessariamente estão interligadas, principalmente em termos sociais.
A    história é narrada em primeira pessoa por um investigador particular chamado Lino Sigma. Ele é contratado por uma mulher da parte rica da cidade para resgatar sua filha, que se encontra presa em um dos bairros periféricos da cidade por um grupo criminoso que controla o tráfico dos biostimuladores neurais. Isto é, a droga desta época.
   Embora Braz apresente um painel instigante no início, a novela não passa de um episódio da megalópolis. Um entre tantos outros milhões que ocorrem todos os dias em uma urbe extremamente segregada em termos sociais, a ponto de criar sub-culturas fechadas em si mesmas, nas quais nem a ação do Estado existe. Ora, mas isso não lhe é familiar?
Sim, há passagens inteiras que poderiam perfeitamente caber às nossas metrópoles de hoje, São Paulo e Rio de Janeiro, apenas retirando a ‘roupagem’futurista. Desigualdade social, pobreza, exclusão, falta de oportunidades, preconceitos mútuos e bandos criminosos. Alimentados, é claro, por uma fonte de poder econômica ilícita, o tráfico de drogas. Tudo isto existe hoje e continua presente nesta megalópolis do amanhã.
   Contudo, se o autor apresenta o contexto social, não discute as razões que o levaram a chegar a este ponto sem retorno possível de uma convivência civilizada. Seu foco está na ação do detetive Sigma e o que ele tem de fazer para retirar a garota dos infernos da periferia abandonada e entregue ao caos. É curioso que embora possa ser vista como uma história cyperpunk – por meio do contexto social degradado e dos hologramas, andróides e robôs que interagem com os humanos –, a narrativa é em si policial, por meio da ação do detetive. Mas ele não tem de desvendar mistério algum. Só precisa entrar no hotel do inferno – onde está presa a garota – e trazê-la de volta ao mundo burguês.
   Desta forma, embora a trama seja narrada na primeira pessoa de Sigma, o texto tem um ritmo ‘adrenalínico’, com muita ação em um estilo quase pictórico, semelhante ao que seria um roteiro de HQ ou mesmo um filme para o cinema, com muita ênfase em cenas com cuidado visual, principalmente de lutas, perseguições e tiroteios. Além disso, há uma profusão exagerada de nomes para lugares e os vários grupos sociais que o habitam, o que torna a leitura um pouco confusa. Ainda dentro deste contexto ilustrativo, o destaque vai para a bela ilustração de capa de Glenda Rubinstein. Que é complementada pela concepção claramente visual do livro inteiro, quase que tratado como se não fosse (ou não devesse ser encarado como) um objeto literário.
   Se as peculiaridades narrativas e editoriais com forte ênfase na imagem estão no primeiro plano da obra, sobra pouca oportunidade para uma caracterização melhor dos personagens, todos superficiais e próximos do estereótipo. É como se Braz quisesse apenas se divertir dentro de uma sociedade perturbadoramente pervertida em suas normas e valores. Como se nem valesse a pena discutir um pouco mais os rumos sombrios de uma convivência social deste tipo, porque o futuro estaria mesmo perdido. Nesse sentido é estranho que o autor se ausente de discutir um pouco mais este mundo, pois ele mesmo afirma no posfácio, ‘Referências de inspiração’, que esta obra é “Uma contribuição. Uma proposta em aberto. Meu jeito de ver o futuro que não verei.”
   Mesmo assim é possível dizer que o texto de Braz tem fluência, alguns bons diálogos e uma pitada de humor na voz do detetive Lino Sigma, embora tudo seja um pouco diluído pelo já citado excesso de perseguições e pela falta de dramatização ou de uma especulação um pouco mais caprichada do mundo que o autor imaginou.
  Megalópolis é uma novela para jovens que mostra um mundo sem esperança, entregue ao materialismo e ao individualismo mas que, talvez em nome da proposta mais infanto juvenil, perca uma oportunidade interessante de dramatizar e discutir assuntos de extrema relevância social e humana, inclusive para os jovens. Ou talvez principalmente para eles, os futuros adultos da megalópole que virá.


-- Marcello Simão Branco

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