Descobrimentos, João
Batista Melo. Apresentação de Roberto de Sousa Causo. Capa de
Cerito, sobre pintura de Andries van Eervelt e ilustrações internas
de João Pirolla. 93 páginas. São Paulo: Devir Livraria, Coleção
Asas do Vento, 2012.
Na boa e longa apresentação
do livro, Roberto Causo defende que as três histórias que formam
esta coletânea poderiam ser classificadas como ficção científica
recursiva. Seriam o que a The Encyclopedia of Science Fiction
(1993) chama de “histórias que tratam de pessoas reais, e os
mundos ficcionais que ocupam os seus sonhos, como dividindo graus
equivalentes de realidade”. Normalmente tem sido um recurso para
contar histórias de ficção científica situadas no passado, no
qual algum evento histórico ocorre de forma diferente – as assim
chamadas histórias alternativas – ou algum tipo de tecnologia é
antecedida ou desenvolvida de forma distinta – geralmente
classificadas como steampunk. O uso de personagens reais, em
ambos os casos, procuraria dar mais verossimilhança a tais criações
ficcionais.
Embora este livro tenha sido
publicado em 2012 é interessante porque marcou a volta do autor
mineiro João Batista Melo ao convívio da FC brasileira, ainda que
apenas uma de suas três histórias seja inédita. Melo publicou
livros importantes no gênero como as coletâneas O Inventor de
Estrelas (1991) e As Baleias de Saguenay (1995). É uma
literatura com prosa refinada e abordagens que fogem do lugar comum
em histórias de temas semelhantes. Sua FC transita entre uma
densidade mais literária e uma espécie de diálogo limítrofe com o
fantástico. Em Descobrimentos estas características estão
presentes e servem como uma boa porta de entrada para conhecer esta
FC de certa forma incomum dentro do panorama nacional.
A história que abre o livro é
“Caminho das Índias” e mostra mais o espírito de aventura e
mistério do desconhecido nas históricas expedições marítimas
europeias dos séculos XV e XVI. A narrativa mostra de forma
intimista as reações emocionais e existenciais de um tripulante da
missão de Cristóvão Colombo que objetiva alcançar as índias, mas
que acabará
por descobrir o Novo Mundo. Na apresentação
Causo sugere que este texto possa ser visto “como uma espécie de
história alternativa das ideias, se não dos fatos históricos”.
Isso soa subjetivo demais, mas a intenção de Melo foi mais ou menos
essa, e não contar de forma mais concreta algum ponto de divergência
que alteraria os rumos subsequentes da viagem de Colombo. Na verdade
acredito que nenhuma destas histórias agradaria a um leitor de
história alternativa tradicional, pois Melo não está preocupado
com os impactos dos eventos em si, mas em como pessoas comuns os
teriam percebido e reagido no contexto da época. Ora, imaginar como
pensariam as pessoas de determinada época é uma tarefa complexa não
só do ponto de vista histórico, mas principalmente filosófico. Mas
se falta um mergulho mais intenso sobre a identificação de um
zeitgeist da época, sobra em Melo sensibilidade e boa
construção das personagens, e a serviço de uma prosa fluente e
agradável.
Tais elementos em conjunto são
vistos em especial na novela inédita “1500”. Índios brasileiros
se aventuram no mar para enfrentar uma possível ameaça denunciada
pelos sonhos do guia espiritual de uma tribo. Ele teve visões de uma
invasão iminente vinda do mar, por homens em tudo semelhantes aos
europeus. A jornada de Krakatan e seus companheiros é emocionante, e
nos coloca diante de uma História não alternativa, mas como se
fosse ao contrário. Uma narrativa inteligente e das mais
interessantes publicadas na ficção científica brasileira nos
últimos anos. O volume valeria mesmo só por esta novela.
O conto que fecha é “A Moça
Triste de Berlim”. O dirigível Hindenburg está a caminho do Rio
de Janeiro e um jovem brasileiro organiza um atentado terrorista que
deverá desmoralizar de uma só vez Hitler e Getúlio Vargas. A
premissa é das mais instigantes, mas a realização não, porque a
opção mais subjetivista do autor talvez não seja a mais adequada
para o tipo de enredo político montado, ou sugerido. Aqui, uma
história de ficção científica mais política ou alternativa, no
sentido mais tradicional, daria mais força dramática ao que sugere
o enredo.
É estranho que João Batista
Melo seja um autor tão desconhecido junto ao fandom
brasileiro de FC. Menos pelo que ele publicou e do reconhecimento que
já adquiriu junto ao mainstream, ao vencer prêmios e
concursos literários de prestígio. Talvez a sua ausência física
explique em parte isso. Eu mesmo só o conheci pessoalmente na já
distante Fantasticon – Simpósio de Literatura Fantástica, em
setembro de 2012. Mas o problema principal deve ser mesmo o esnobismo
do leitor e fã médio brasileiro aos autores de sua própria terra.
Não sabe o que perde, mas tem uma boa oportunidade de finalmente
descobrir o talento de Melo neste livrinho pequeno em tamanho e
grande em qualidade.
— Marcello Simão
Branco
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