O que é, afinal, Fantasia?
Trata-se, basicamente, de uma homenagem que Walt Disney prestou à música dos
mestres, ele que era um autêntico melômano. E procurou mostrar que o cinema
podia se aliar à música e que o desenho animado podia representar plasticamente
os temas musicais. Para isso Disney convocou o superastro da música erudita,
Leopold Stokowski, junto com a Orquestra Filarmônica de Filadélfia. A atuação
de Stokowski, mesmo na penumbra, é majestosa; e ficou famosa a cena em que ele
é cumprimentado pelo Mickey (cuja voz era do próprio Walt).
O primeiro número apresentado é a
“Tocata e fuga em ré menor” de Bach, chamado o “Pai da Música”. Trata-se aí de
um exercício de cinema puro, linhas e cores acompanhando o ritmo musical.
“Suíte quebra-nozes” de Tchaikovski nos traz uma fábula com
elementais, bichos e plantas. É delicada a cena dos cogumelos que viram
dançarinos de aspecto chinês, ou então os peixinhos de longas caudas
transparentes, numa linda superposição de imagens.
Todavia é deliciosa a história do “Aprendiz de feiticeiro” de
Paul Dukas: Mickey Mouse faz o aprendiz do título, que se mete numa grande
encrenca ao liberar forças que, depois, não saberá controlar. E tudo apenas
para se livrar do trabalho de transportar baldes de água! Não falta uma paródia
à megalomania, quando Mickey se vê, em sonho, controlando as próprias forças
cósmicas.
Vale lembrar que aquela voz de falsete do Mickey era do Walt
Disney, só após sua morte deve ter sido substituído.
A sequência seguinte me parece a mais elaborada: a “Sagração
da Primavera” de Igor Stravinski. Trata-se da história do universo de da
própria Terra, conforme o que a Cosmologia, Astronomia, Física, Paleontologia e
a teoria da evolução dizem. Chega até a época dos dinossauros e sua misteriosa
extinção.
A cena máxima, claro, é a luta entre o estegossauro e o
tiranossauro Rex, que costuma ser tido como a maior fera da Pré-História.
Vem a seguir a “Sinfonia Pastoral” de Beethoven, e aí Disney
aproveitou para contar uma vinheta mitológica e bucólica com Baco, Zeus, faunos, centauros, cupidos e outros
personagens.
A “Dança das Horas” de Ponchielli é muito engraçada e mostra
avestruzes, jacarés, elefantes e hipopótamos dançando. Dá vontade de dizer: —
Que ideia!
O sétimo e o oitavo números são a “Noite no Monte Calvo” de
Mussorgski e a “Ave Maria” de Schubert. O oitavo completa o sétimo. Passamos da
vertiginosa e caótica manifestação do Mal em estado puro (o próprio demônio) à
pureza e serenidade de uma procissão cristã. O toque do sino da igreja
interrompe a “noite de Walpurgis” e paralisa o mal. A mensagem é evidente.
Há muita gente que não gosta de Fantasia por fugir aos
aspectos mais comuns dos filmes mas há que reconhecê-la uma obra-prima do
cinema e comprovativa do gênio de Walt Disney, que congregou em torno de si a
fina flor dos animadores norte-americanos. Como diretores das sequências
aparecem Wilfred Jackson, James Algar, David Hand, Hamilton Luske, Ben
Sharpsteen, Norman Ferguson e Samuel Armstrong. A produção é de Walt Disney, o
catalisador da obra monumental, e a equipe é gigantesca, incluindo os
animadores que constituíam de fato o melhor grupo de animação do cinema na
época.
— Miguel Carqueija
Rio de Janeiro, 2 de fevereiro a 16 de março de 2018.
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