por Marcello Simão Branco
Na terra
consagrada a autores clássicos como Rousseau, Dumas, Proust e Sartre, entre
outros igualmente ilustres, houve espaço também para a ficção científica. Sim,
o nome facilmente lembrado é o de Julio Verne, um mestre da antecipação. Mas
quero me referir a um autor pouco celebrado, talvez mesmo entre os franceses.
Estou falando de um sujeito que nasceu com o nome de Pierre Pairault, mas que
se popularizou entre os fãs europeus de ficção científica como Stefan Wul.
A minha
primeira experiência literária com Wul foi uma das mais curiosas e marcantes.
Para começar, nunca tinha ouvido falar ou lido qualquer coisa a respeito dele.
Era janeiro de 1989, estava em férias em Joinville com minha família. De forma
surpreendente descobri um sebo na cidade e lá tinha dezenas de livros da
Coleção Argonauta, de Portugal. Comprei alguns e na viagem de volta a São
Paulo, de forma aleatória, escolhi um livrinho despretensioso com o nome de O
Templo do Passado.
Era um livro
de Wul e o li de uma só sentada, durante as sete horas de viagem. Um enredo que
abordava o destino de dois viajantes espaciais, que em visita a um planeta eram
engolidos por um gigantesco monstro marinho, que era cultuado como um Deus por
uma raça de lagartos inteligentes. Narrado em um ritmo ágil, com muita ação e
suspense, além de imagens vívidas e coloridas, traz uma revelação em seu final,
daquelas de “cair o queixo”, como se costuma dizer.
Nascido em 27
de março de 1922 em Paris Stefan Wul morreu em 26 de novembro de 2003, aos 81
anos. Sua carreira literária foi curta e intensa: publicou 11 de seus 12 livros
entre 1956 e 1959. Cirurgião dentista por profissão, Wul tinha uma imaginação
poderosa, era um competente contador de histórias, no qual a aventura, as
situações pulp e sense of wonders eram a tônica, rivalizando com
o que de melhor fizeram os americanos nos anos 1930 e 1940 neste tipo de
história.
Assim como o
norte-americano Robert Silverberg, Wul também é um escritor que teve uma produção
impressionantemente concentrada em alguns anos e depois parou de produzir por
vários anos. Em dois momentos posteriores o autor retornou ao campo. Primeiro
em 1977, ao publicar o romance Noo. E, justificando sua inserção
bissexta, reaparece no cenário vinte anos depois, em 1997, com a republicação
inteira de sua obra, provavelmente para recuperá-lo entre leitores de uma nova
geração e como uma espécie de reconhecimento de sua obra, no contexto da ficção
de gênero francesa (e mesmo européia) contemporânea. Para se ter uma idéia de
como Wul está circunscrito no continente europeu, apenas um livro seu foi
publicado em inglês, justamente o que eu li, Le Temple du Pase (como The
Temple of the Past, em 1973).
Wul é um
resultado direto de uma renovação editorial surgida na França no início dos
anos 1950. A coleção Antecipation, da editora Fleuve Noir, que foi responsável
por uma das coleções mais longevas e importantes da ficção científica europeia.
Com 2001 títulos de 1951 a 1997, publicou principalmente autores franceses,
descobrindo vários novos talentos, como, entre outros, Pierre Barbet, Maurice
Limat, Gerard Klein, Jimmy Guieu, F. Richard-Bessière, e um dos mais populares,
Stefan Wul.
Duas de suas obras foram adaptadas para
desenho animado na França. Oms en Serie (O Mundo dos Draags, em
português da Argonauta), como Fantastic Planet, de 1973, e L'Orphellin
de Perdide (O Vagabundo das Estrelas em português), como Les
Maîtres du Temps, em 1982, com desenhos de Moebius.
Nós que lemos
língua portuguesa, contudo e de forma surpreendente, somos privilegiados, pois
nove dos seus 12 livros foram publicados em nossa língua, por meio da Coleção
Argonauta – ou seja, uma coleção portuguesa, dentro da Europa. E, de certa
forma faz sentido porque a Argonauta cumpriu em Portugal um papel semelhante à
Antecipation, a não ser pelo fato de que jamais publicou um autor português,
mas só estrangeiros.
Os livros
publicados na Argonauta foram: Regresso a Zero (no.54), Pré-História
do Futuro (56), O Vagabundo das Estrelas (60), O Mundo dos Draags
(64), Missão em Sidar (72), Degelo em 2157 (76), O Templo do
Passado (85), Armadilha em Zarkass (90) e O Império do Mutantes
(107), que serviu de inspiração para o nome do grupo de rock brasileiro Os
Mutantes, com Rita Lee, ao final dos anos 1960. Aliás, aqui no Brasil este
livro também foi publicado, como A Cadeia
das 7 – coleção Tecnoprint –, e outro foi Cativeiro Humano (O Mundo dos
Draags, pela Argonauta) – coleção Tridente.
O crítico
francês Lorris Murail, em Los Maîtres de la Science-Fiction (1993),
tentou explicar as razões que fizeram-no interromper sua carreira quando já se
tornara um escritor de entretenimento conhecido em sua pátria. Stefan Wul era
um autor que escrevia motivado por uma espécie de “impulso irresistível” e não
no sentido de construir intencionalmente uma carreira ou pertencer a um gênero
ou a uma corrente determinada. Assim, quando as idéias cessaram após a dezena
de pequenos romances que escreveu em fins dos anos 1950, ele se voltou para uma
profissão “séria” e “segura”.
Wul foi o
típico autor popular esnobado por uma certa inteligentsia
literária, que por ter qualidade, surpreende aos que o leem e acaba sendo
adotado por esta mesma elite como um autor cultuado. Mas antes disso – e
fundamentalmente –, ele é um autor pulp, com as virtudes e limites
inerentes a esta autêntica forma de expressão literária: uma literatura de
entretenimento, recheada de boas ideias.
Desta forma, se em suas rondas por sebos, você
por acaso encontrar livrinhos com capas coloridas, títulos chamativos e de
autoria de um certo Stefan Wul, deixe suas prevenções de lado e experimente. Primeiro
porque, afinal de contas, o livro deverá ser baratinho. E depois e, mais
importante, aposto que você irá gostar, ou no mínimo se surpreender com um tipo
de narrativa muito imaginativa, mesmo dentro dos padrões da ficção científica.
Livros de Stefan Wul
Número
|
Título
original (ano)
|
Em
português (ano)
|
Editora/Coleção
– País
|
1
|
Retour
à “0” (1956)
|
Regresso a
Zero (1959)/Regresso a “0” (1977)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 54/Clube do Livro/Nova Era – Portugal
|
2
|
Niourk (1957)
|
Pré-História
do Futuro (1960)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 56 – Portugal
|
3
|
Le Temple du
Passé (1957)
|
O Templo do
Passado (1964)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 85 – Portugal
|
4
|
Oms em Série
(1957)
|
O Mundo dos
Draags (1961)/Cativeiro Humano (1970)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 64 – Portugal/Tridente Edições e Artes Gráficas/Ficção
Científica 5 – Brasil
|
5
|
Rayons Pour
Sidar (1957)
|
Missão em
Sidar (1963)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 72 – Portugal
|
6
|
La Peur
Géante (1957)
|
Degelo em
2157 (1963)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 76 – Portugal
|
7
|
L’Orphellin
de Perdide (1958)
|
O Vagabundo
das Estrelas (1960)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 60 – Portugal
|
8
|
La Mort
Vivant (1958)
|
O Império dos
Mutantes (1966)/A Cadeia das 7 (?)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 107 – Portugal/Editora Tecnoprint/Futurâmica 4 – Brasil
|
9
|
Piège sur
Zarkass (1958)
|
Armadilha em
Zarkass (1964)
|
Livros do
Brasil/Argonauta 90 – Portugal
|
10
|
Terminus (1959)
|
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|
11
|
Odyssée sous Contrôle (1959)
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12
|
Noô (1977)
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Legal lembrarem de Stefan Wul, também gosto bastante dos livros dele.
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