Tijucamérica, José
Trajano. Capa de Alceu Chiesorin Nunes. São Paulo: Paralela, 2015.
230 páginas.
Todo torcedor de futebol é um
apaixonado imerso em suas ilusões, alegrias e, sobretudo,
sofrimentos. Mesmo o dos grandes times já teve seus momentos de
decepção. Mas em contraponto a elas todos os torcedores, seja de
que time for, vive como momento único, glorioso, a vitória sobre o
rival, uma goleada inesperada ou o título de seu time querido.
Não é segredo para quem
acompanha futebol que José Trajano torce para o América, do Rio de
Janeiro. Jornalista experiente e dos mais competentes, ele não
engana o torcedor – como outros fazem – ao dizer que gosta de um
time de menor expressão para não revelar sua verdadeira paixão por
um time grande. Então, imagine o que deve ser a angústia de ser
americano. Acho que é ainda pior do que torcer por um time pequeno,
que nunca ganhou nada importante, pois se o América nunca foi grande
como o Flamengo ou o Vasco, teve bons times e venceu alguns
campeonatos em meados do século passado. Eu mesmo vi uma raspa de
tacho desta fase, entre o final dos anos 1970 e anos 1980, quando o
América engrossava para seus rivais e chegou a ser terceiro colocado
no Campeonato Brasileiro de 1986.
Talvez pensando nisso e no
desespero de concluir que seu time não voltará mais aos bons tempos
– já há alguns anos disputa a segunda divisão do Campeonato
Carioca e quase não tem mais torcedores –, é que Trajano resolveu
escrever o romance Tijucamérica. Nele é revivida a emoção
superlativa e insuperável de ver seu time campeão de novo. Mas não
se trata de uma ficção que imagine o reerguimento do América.
Trajano foi mais sensato e optou
pelo caminho da nostalgia: reviver os gloriosos
times e jogadores da melhor época do time. Mas não se trata de um
livro de memórias. Não, Trajano resolveu trazer para os dias de
hoje os ídolos do passado. Para isso, reuniu uma seleção dos mais
poderosos pais-de-santo, espíritas e paranormais que se tem notícia
no Brasil. Como nos sonhos mais loucos, pediu para que eles juntassem
suas forças e ressuscitassem 25 dos melhores jogadores da história
do América.
Depois de muita confabulação
surgiram os zumbis do time americano para disputar um Campeonato
Carioca extraordinário, fora do calendário oficial. Pois aos
mortos-vivos do América seria preciso reviver também os dos outros
times! Mesmo após algumas resistências, em especial da cartolagem
de times rivais, o Carioca metropolitano, dos velhos tempos voltou em
pleno século XXI. Além dos jogadores retornaram
também os técnicos e dirigentes mais importantes. Trajano foi
eleito presidente e resolveu que o América deveria voltar às suas
origens, o bairro da Tijuca, onde viveu seus momentos de conquista.
O leitor familiarizado ou não
com futebol já percebeu que estamos diante de uma história
fantástica. E que explora como poucas na literatura brasileira de
FC&F as possibilidades mágicas do panteão africano. Como
ressalta o subtítulo “uma chanchada fantasmagórica”, o livro
não resvala para um campo sobrenatural mais tradicional ou sombrio.
Ao contrário, é solar, colorido e muito divertido. Pois além do
futebol em si traça um retrato revivido inspirado da cena cultural
carioca de meados do século passado, com as presenças de vários
artistas, como Francisco Alves, Heitor Villa-Lobos, Lamartine Babo,
Luz del Fuego, Noel Rosa, Orlando Silva, Tom Jobim, Vicente
Celestino, Virgina Lane e muitos outros.
Desta forma Trajano vai
narrando a formação do novo América e seu desempenho no campeonato
jogo a jogo e é uma delícia ver as escalações dos times, e
relembrar muitos craques do passado, inclusive dos outros times. E ao
lado disso ele entremeia o texto com comentários e divagações
sobre a cena cultural carioca, com muitos causos, boemia, canções e
gastronomia de dar água na boca.
Outro aspecto interessante da
obra é a da ligação primária dos times com os bairros, que
permitiu a formação de muitos deles no Rio e em outras cidades do
país, como São Paulo. Assim, a ligação do América com o bairro
da Tijuca conferiu identidade a um e a outro, como se fossem uma
continuidade. Não é coincidência que a saída do América da
Tijuca, no início dos anos 1960, para o bairro do Andaraí,
enfraqueceu a ambos, especialmente o clube que nunca mais foi o
mesmo: times cada vez mais fracos e perda de torcedores. Unindo
Tijuca com América o autor quis ressaltar esta relação umbilical
que existe ainda hoje entre times e bairros. Em São Paulo, por
exemplo, seria impensável ver o Palmeiras fora da
Pompeia, o Corinthians fora do Parque São Jorge, ou a
desvinculação do Juventus com a Moóca.
Tenho certeza que Trajano pôde
ser feliz de novo com o seu querido
América. E o melhor é que ele transmite esta alegria a quem lê e
compartilha de sua “chanchada fantasmagórica”. Prova disso é
que em seguida ele escreveu um outro romance Os Beneditinos
(2018), em que revisita novamente o Rio antigo e se reúne a velhos
amigos para voltar a praticar um esporte semelhante ao futebol, o
walking futebol,
também criado pelos ingleses, em que se joga sem tirar os pés do
chão.
Ao ler Tijucamérica
fiquei pensando em quem eu gostaria de ver num Palmeiras imaginário.
Time grande que é, o Verdão viveu inúmeras glórias, mas eu mesmo
passei por uma fase parecida como a do América do Trajano, quando
fiquei 17 anos sem ver meu time ser campeão, entre 1976 e 1993.
Então, vamos lá, se pudesse gostaria de ver uma formação como
esta: 1 – Oberdan, 2 – Djalma Santos; 3 – Luís Pereira, 4 –
Waldemar Fiume e 6 – Roberto Carlos; 5 – Dudu; 8 – Jair da Rosa
Pinto e 10 – Ademir da Guia; 7 – Julinho Botelho, 9 – Liminha e
11 – Rodrigues. Teria muitos e muitos outros que não vi, mas esta
formação seria fantástica, incluíndo Luís Pereira e Roberto
Carlos, que eu vi, mas gostaria de saber como seria interagindo com
os outros.
Tijucamérica é uma
declaração
de amor ao futebol e vem a se somar aos pouquíssimos livros que
abordam o esporte bretão da perspectiva da ficção científica e do
fantástico no Brasil. Eu mesmo organizei a antologia pioneira Outras
Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998), seguida pelo romance Fáfia:
A Copa do Mundo de 2022, de Clinton Davisson (Nexus, 2004), e
mais recentemente pelo ótimo romance sobrenatural O Drible,
de Sérgio Rodrigues
(Cia. Das Letras, 2013) – Peralvo, o craque do romance aparece em
Tijucamérica! – e a
antologia Futebol: Histórias Fantásticas de Glória, Paixão e
Vitórias, organizada por Marco Rigobelli (Draco, 2014). Neste
contexto a ficção de José Trajano, em especial, mostra como o
potencial do fantástico pode ser bem aproveitado num tema pouco explorado pelo gênero. Um golaço!
– Marcello Simão
Branco
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