O fanzine Hiperespaço, editado por
Cesar Silva e, no início, também por José Carlos Neves e Mário Mastrotti, durou
uns vinte anos. Quando resolveu encerrá-lo, Cesar organizou uma antologia
comemorativa, que passo a comentar.
VINTE ANOS NO HIPERESPAÇO , Cesar Silva e Mário Mastrotti.
A capa do livro equivale a um conto
em forma de noticiário em torno do personagem “Tripanossoma”, pirata galático
criado por Mário Mastrotti, responsável pela parte visual da história. A
notícia da captura do pirata e seu cúmplice Dodô é bem-humorada, mas
infelizmente a colocação das colunas da notícia em posição inclinada fez com
que algumas letras se perdessem, impossibilitando a leitura integral do
trabalho.
A NOVA REVOLUÇÃO DOS BICHOS , Carlos Orsi Martinho.
Este é, a meu ver, o melhor trabalho
da antologia. Com uma originalidade muito grande Carlos Orsi desenvolve uma
fábula utópica e autópica que já começa com palavras intrigantes: “O maligno
Humanoide observa, impotente, os Gorilas Selvagens de Chachka-Qun atacarem as
paredes do Palácio de Tugstênio com brocas roubadas de diamante.”
BACTÉRIA , Edgard Guimarães.
Conto sofisticado onde um sujeito
especula sobre um hipotético micro-organismo que altera os textos impressos. É
um conto bem escrito em termos de língua portuguesa mas esbarra com o problema
de não conseguir passar a mensagem de humor que pretende na surpresa final, que
de resto é previsível.
ANDROIDES ORGÂNICOS TERÃO CABELOS NO
PEITO? , E. R. Corrêa.
História extravagante e de difícil
compreensão, a começar pelo título esquisito e excessivamente comprido. Tudo
gira em torno de um sujeito reles num botequim, no meio-dia de São Paulo,
pensando em ataques terroristas e que, por fim, começa a desconfiar ser ele
próprio um androide bomba. A linguagem “punk” prejudica muito o clima de terror
induzido e o desfecho, anticlimático, é decepcionante.
PAULA, A ESTRANHA , Fernando Moretti.
Parece que o autor se inspirou, no
título, na Carrie de Stephen King. A história porém segue a via da psicopatia,
não a do terror puro. O que salta aos olhos é a gratuidade da violência
narrada, uma história que segue a triste via do “brutalismo” que hoje infesta a
literatura e o cinema.
COLEIRA DO AMOR , Gerson-Lodi Ribeiro.
Num entrecho mais longo – aliás esse
autor costuma escrever contos bem mais longos – Gerson conta uma história que
poderíamos chamar “passional-tecnológica”, exercitando sua habitual firmeza de
estilo e habilidade em tecer tramas. No entanto, a ideia da manipulação
dos próprios sentimentos mediante a implantação de nanorrobôs e a discussão se
isso fere ou não o livre-arbítrio resulta numa discussão em jargão técnico que
soa bem artificial e pesada para os leitores, principalmente aqueles que veem a
ficção científica como lazer. Vejam este trecho: “Os chips de amor eterno não inserem
novos padrões (...) Apenas reforçam as trilhas neurais que expressam
sentimentos mútuos pré-existentes.” Em todo o caso creio que Gerson tem
razão ao sugerir a possibilidade de loucura como consequência de tais
manipulações.
V.I.R.T.U.A.L. , Gian Danton.
Uma divertida vinheta que brinca com
aquele clichê de “nada é o que parece ser”, tornado mais comum após a
descoberta do mundo virtual. Fazendo lembrar o Hal – o computador inteligente
de “2001: uma odisseia no espaço” – o pequeno conto de Gian Danton pode ser
considerado perfeito, e admite vários níveis de leitura. O que é a realidade? O
que é a auto-consciência?
O MONSTRO DO ARMÁRIO EMBUTIDO , Miguel Carqueija.
Uma espécie de conto lovecraftiano
infantil, que se reporta aos clássicos terrores das crianças. Como se sabe, o
folclore infantil fala nos monstros que
habitam os armários ou se emboscam embaixo da cama, nos amigos invisíveis e nos
brinquedos que se movem e falam na ausência dos humanos. O
protagonista-narrador, já adulto, relembra um fato traumatizante de sua
meninice.
(observação:
como sou eu o autor do conto não posso dar opinião sobre ele e limitei-me a
explicar o enredo)
ARMAGEDOM EM MADUREIRA , Octávio Aragão.
Incursão no domínio do “non sense”,
como nos velhos quadrinhos de Juarez Machado; porém com detalhes vulgares. A
história começa com uma mulher sendo lambida pelo telefone (sic). Outros
horrores vão acontecendo, culminando com uma explicação atroz a respeito de uma
invasão do inferno. Esse é, de longe, o pior conto do livro.
PRÉ-NATAL , Roberto de Sousa Causo.
Os textos de Causo com frequência
tratam de assuntos militares e políticos, e também polêmicos. No caso trata da
luta contra a tirania, uma ditadura de algum país não identificado (mas que
parece ser o Brasil), já que o autor tem a idiossincrasia de falar apenas no
“Regime” e no “Ditador”. Uma criança em gestação deve ser contrabandeada e,
para tanto, é implantada no abdômen de um homem, na suposição de que isto
iludirá a vigilância do inimigo. O conto me parece pouco convincente
do ponto de vista científico, pois não consegui entender como o bebê poderia
sobreviver no corpo de um homem.
O ÚLTIMO SUSPIRO, Cesar Silva.
Um conto muito curto para o assunto,
passado em época nebulosa, talvez num futuro distante, onde uma nova idade de
gelo isola comunidades humanas e, numa delas, um dos habitantes tem a ideia de
organizar torneios esportivos para evitar a degeneração da raça e manter a
esperança de dias melhores; todavia os torneios só servem, afinal, para
estimular o ódio entre as famílias. É um conto deprimente, com um final
sombrio. Creio que a ideia básica daria para melhor desenvolvimento e um final
menos pessimista. Em todo o caso, uma visão bastante ácida em relação à
natureza humana.
— Miguel Carqueija
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