terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Almanaque Entrevista



Nelson de Oliveira fala sobre o livro Fractais Tropicais e a ficção científica brasileira

por Marcello Simão Branco


Já pelo final de 2018 foi lançada a antologia de contos Fractais Tropicais: O Melhor da Ficção Científica Brasileira, pela Sesi-SP Editora, com organização de Nelson de Oliveira. Não é um volume de contos qualquer, pois reúne 30 contos dos mais representativos da história da ficção científica brasileira. Além disso, pela primeira vez, um livro publica autores das três ondas históricas do gênero no país, tornando-se, desde já, uma referência indispensável para quem quer conhecer e pesquisar sobre a ficção científica brasileira.
O responsável pelo projeto é Nelson de Oliveira (e seu pseudônimo Luiz Bras), um autor com carreira prévia consolidada no mainstream, que tem sido um dos mais atuantes e provocadores nomes do gênero no país neste século XXI, na condição de crítico, blogueiro, editor, antologista e escritor. Escolhido “Personalidade do Ano de 2010” pelo Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, já inclui, ao menos um livro seminal em nossa FC, a coletânea Paraíso Líquido (Editora Terracota, 2010). Na entrevista a seguir ele fala sobre os detalhes da edição da antologia, da condição favorável da ficção científica brasileira atual e suas perspectivas, de seu fascínio pelo gênero, e de uma nova antologia já em gestação que abordará, na mesma perspectiva de Fractais Tropicais, o fantástico brasileiro.

“Fractais Tropicais” é a mais abrangente antologia de ficção científica brasileira já organizada, pois reúne contos das três ondas do gênero. Nos fale da ideia do projeto e o que espera com ele.



A antologia nasceu de minha paixão pela ficção científica brasileira e do desejo de contaminar outros leitores com o vírus dessa paixão. O volume ficou mais abrangente porque tive a sorte de encontrar na equipe da Sesi-SP Editora a parceira ideal. Quando apresentei a ideia, eram apenas quinze autores. Quem propôs fazermos uma antologia mais ampla foi o pessoal da editora. A ficção científica brasileira está voltando a viver um ótimo momento. Eu realmente gostaria que o leitor brasileiro começasse a prestigiar mais os autores brasucas de FC. Espero que essa antologia desperte o interesse principalmente dos jovens leitores que até pouco tempo atrás nem sabiam que nós também escrevemos e publicamos ótima ficção científica. Gostaria que Fractais Tropicais se tornasse um best-seller e abrisse caminho pra outras antologias, provando que nossa FC também pode ser um empreendimento comercialmente viável.

A divisão dos contos por ondas em “Fractais Tropicais” é um tanto quanto desigual. Por que alguns autores importantes da segunda onda (como Henrique Flory, Roberto Schima, Simone Saueressig, José dos Santos Fernandes) e, sobretudo, da primeira onda (Levy Menezes, Nilson Martelo, Domingos Carvalho da Silva) ficaram de fora?

A historiografia da ficção científica brasileira é longa. Já passou quase um século e meio desde que O Doutor Benignus, de Augusto Emílio Zaluar, foi publicado, em 1875. Não daria pra fazer justiça a essa historiografia apenas com uma antologia de trinta autores. Seriam precisos mais um ou dois volumes. Minha proposta aos leitores é que Fractais Tropicais seja considerada junto com “Os melhores contos brasileiros de ficção científica”, Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica: Fronteiras e As Melhores Novelas Brasileiras de Ficção Científica, antologias organizadas por Roberto de Sousa Causo para a editora Devir, e Páginas do Futuro, antologia organizada por Braulio Tavares para a editora Casa da Palavra. Tanto a pesquisa historiográfica quanto a produção literária desses dois autores-organizadores me inspiraram bastante, durante a elaboração da Fractais Tropicais. Gosto de pensar que todas as antologias disponíveis somam forças, em vez de competirem entre si. Todas convergem em nome de uma causa comum.

O livro tem recebido uma boa divulgação, com resenhas nos dois principais jornais de São Paulo, algo raro em se tratando de FC brasileira, se é que já ocorreu. Você atribui isso ao fato da antologia ter sido organizada por você – um autor e antologista de prestígio – ou também porque, aos poucos, podemos dizer que a FCB está saindo de sua invisibilidade, com mais reconhecimento junto ao mainstream literário e o jornalismo cultural?

Podemos afirmar, com segurança, que a ficção científica brasileira está saindo de sua proverbial invisibilidade. A boa recepção da antologia, pela grande imprensa, talvez seja o coroamento de uma equação virtuosa envolvendo muitas variáveis. Quando a Netflix estreou a primeira temporada da série 3% (2015) eu percebi que a ficção científica brasileira estava começando a viver outro ótimo momento. Mas eu sinto que a FC brasuca precisa chegar às camadas mais altas do mercado editorial e conquistar as grandes instâncias legitimadoras: os prêmios e as feiras importantes, as grandes editoras, o prestígio acadêmico. Ainda estamos longe do cenário que eu considero o cenário ideal para os livros de FCB. Ainda não vi, por exemplo, a reedição de dois dos melhores romances do último quartel do século 20: Piscina Livre e Amorquia, de André Carneiro. Ainda não vi obras de FCB vencendo os principais prêmios literários: Jabuti, Oceanos, São Paulo, Biblioteca Nacional. Ainda não vi os autores de FCB participando dos principais eventos cult: Flip, Jornada Nacional de Passo Fundo, Flima, Flipoços, Flop. Ainda não vi os autores de FCB participando do Conversa com Bial ou protagonizando uma matéria do Fantástico.

Gostaria que você explicasse um pouco qual foi o critério de escolha dos contos selecionados. Foi sua preferência como organizador, ou foi levando em conta também o interesse do autor selecionado? Isso porque, em minha opinião, contos muito bons de alguns autores ficaram de fora. Procurou-se levar em conta também a diversidade temática ou textos mais recentes, talvez no intuito de divulgar o que certos autores vêm escrevendo?

O critério de escolha obedeceu a uma diretriz histórica (a divisão em três ondas) e uma diretriz puramente afetiva (meu autores e ficções prediletos). É por isso que a Primeira Onda tem menos textos do que a Segunda e a Terceira. Confesso que eu respeito, mas não sou muito fã da obra dos pioneiros de nossa ficção científica. Aprecio bastante os livros do André Carneiro, e um ou outro conto da Dinah Silveira de Queiroz, do Fausto Cunha, do Jeronymo Monteiro e do Rubens Teixeira Scavone. Mas gosto muito mais dos livros dos ficcionistas contemporâneos. Outro detalhe importante: tendo em vista a convergência de antologias, eu preferi não repetir contos já incluídos nas antologias do Causo e do Braulio. A exceção foi o conto do Ademir Assunção, porque esse autor do mainstream até hoje só escreveu um conto de ficção científica. O conto “Quinze Minutos”, do Ademir, também aparece na antologia Páginas do Futuro.

Fractais Tropicais é importante também pela grande representatividade de temas que apresenta, mostrando que a FCB já abordou quase todos os temas importantes do gênero. Contudo, chamou a atenção a ausência de dois temas: histórias de fim do mundo e de histórias alternativas, sendo que há ótimos contos sobre ambos os assuntos. Alguma razão para isso?

Podemos classificar essas ausências na categoria “contingência inevitável”. Foram contemplados catorze subgêneros da ficção científica. Mas a antologia teria resultado mais didática se realmente todos os ramos da FC tivessem sido contemplados com um conto. O problema é que existem muito mais de trinta ramos e eu não consegui evitar repetições. Por exemplo, um dos ramos mais importantes do momento, ausente da Fractais Tropicais, é o afrofuturismo. Também faltaram: império galáctico e mundo perdido. Prometo incluir esses subgêneros numa próxima antologia.

Ao final do livro, no texto “Sobre o Organizador” é informado que Luiz Bras deverá organizar uma antologia equivalente sobre o fantástico no Brasil. Como está o projeto? Terá o mesmo recorte histórico e temático mostrado em Fractais Tropicais?

A ideia é essa mesmo: reunir trinta dos melhores contos de nossa ficção fantástica, de autores modernos e contemporâneos. De um lado: André Carneiro, Aníbal Machado, Edla van Steen, Jamil Snege, José J. Veiga, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Murilo Rubião, Rosário Fusco, Victor Giudice… Do outro: Alex Xavier, Carlos Emílio Corrêa Lima, Fábio Fernandes, Flávio Moreira da Costa, Ignácio de Loyola Brandão, Ivan Carlos Regina, João Paulo Parisio, Lygia Bojunga, Maria Helena Bandeira, Modesto Carone, Paulo Sandrini, Romy Schinzare, Santiago Santos, Veronica Stigger… Ainda estou lendo e selecionando os contos. É importante lembrar que, no excêntrico mundo de Luiz Bras & Nelson de Oliveira, a ficção fantástica − às vezes chamada, na América Latina, de “realismo mágico” − é diferente da ficção sobrenatural, geralmente sobre feiticeiros, vampiros, lobisomens, fantasmas, zumbis etc. Pra maiores explicações sobre minha definição particular de ficção científica, ficção fantástica e ficção sobrenatural, eu recomendo a leitura do manifesto “Convite à Convergência”, publicado recentemente no jornal Rascunho. Num de seus parágrafos o autor escreve:

§

O que mais me agrada na ficção fantástica e na ficção científica é a subversão das leis da natureza.
Num conto ou num romance, adoro quando a causalidade, a força da gravidade, a biologia, a geologia, a atmosfera, enfim, o tempo, o movimento planetário, os minerais, as plantas e os animais, as pessoas e as estações do ano passam a funcionar de maneira diferente da nossa familiar realidade.
Isso acontece também na ficção sobrenatural.
Na ficção sobrenatural, as pessoas se metamorfoseiam, ficam invisíveis, interagem com os mortos, trocam de corpo, viajam no tempo ou enfrentam criaturas impossíveis por meio de feitiços, maldições e encantamentos, ou seja, graças à magia.
Na ficção científica, as pessoas fazem as mesmas coisas por meio da engenharia genética, da mecânica quântica, da inteligência artificial etc., ou seja, graças à ciência e à tecnologia.
Na ficção fantástica, ao contrário, as pessoas fazem as mesmas coisas extraordinárias graças a nada e ninguém. Não há feitiços ou máquinas, feiticeiros ou cientistas, por trás dos fenômenos insólitos. Apenas as leis da natureza são diferentes.


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