Nelson de Oliveira fala sobre o livro Fractais Tropicais e a ficção científica
brasileira
por Marcello Simão Branco
Já pelo final de 2018 foi lançada a
antologia de contos Fractais Tropicais: O
Melhor da Ficção Científica Brasileira, pela Sesi-SP Editora, com
organização de Nelson de Oliveira. Não é um volume de contos qualquer, pois
reúne 30 contos dos mais representativos da história da ficção científica
brasileira. Além disso, pela primeira vez, um livro publica autores das três
ondas históricas do gênero no país, tornando-se, desde já, uma referência
indispensável para quem quer conhecer e pesquisar sobre a ficção científica
brasileira.
O responsável pelo projeto é Nelson de
Oliveira (e seu pseudônimo Luiz Bras), um autor com carreira prévia consolidada
no mainstream, que tem sido um dos
mais atuantes e provocadores nomes do gênero no país neste século XXI, na condição
de crítico, blogueiro, editor, antologista e escritor. Escolhido “Personalidade
do Ano de 2010” pelo Anuário Brasileiro
de Literatura Fantástica, já inclui, ao menos um livro seminal em nossa FC,
a coletânea Paraíso Líquido (Editora
Terracota, 2010). Na entrevista a seguir ele fala sobre os detalhes da edição da
antologia, da condição favorável da ficção científica brasileira atual e suas
perspectivas, de seu fascínio pelo gênero, e de uma nova antologia já em
gestação que abordará, na mesma perspectiva de Fractais Tropicais, o fantástico brasileiro.
“Fractais
Tropicais” é a mais abrangente antologia de ficção científica brasileira já
organizada, pois reúne contos das três ondas do gênero. Nos fale da ideia do
projeto e o que espera com ele.
A antologia nasceu de minha paixão pela
ficção científica brasileira e do desejo de contaminar outros leitores com o
vírus dessa paixão. O volume ficou mais abrangente porque tive a sorte de
encontrar na equipe da Sesi-SP Editora a parceira ideal. Quando apresentei a
ideia, eram apenas quinze autores. Quem propôs fazermos uma antologia mais
ampla foi o pessoal da editora. A ficção científica brasileira está voltando a
viver um ótimo momento. Eu realmente gostaria que o leitor brasileiro começasse
a prestigiar mais os autores brasucas de FC. Espero que essa antologia desperte
o interesse principalmente dos jovens leitores que até pouco tempo atrás nem
sabiam que nós também escrevemos e publicamos ótima ficção científica. Gostaria
que Fractais Tropicais se tornasse um
best-seller e abrisse caminho pra
outras antologias, provando que nossa FC também pode ser um empreendimento
comercialmente viável.
A
divisão dos contos por ondas em “Fractais Tropicais” é um tanto quanto
desigual. Por que alguns autores importantes da segunda onda (como Henrique
Flory, Roberto Schima, Simone Saueressig, José dos Santos Fernandes) e,
sobretudo, da primeira onda (Levy Menezes, Nilson Martelo, Domingos Carvalho da
Silva) ficaram de fora?
A historiografia da ficção científica
brasileira é longa. Já passou quase um século e meio desde que O Doutor Benignus, de Augusto Emílio
Zaluar, foi publicado, em 1875. Não daria pra fazer justiça a essa historiografia
apenas com uma antologia de trinta autores. Seriam precisos mais um ou dois
volumes. Minha proposta aos leitores é que Fractais
Tropicais seja considerada junto com “Os melhores contos brasileiros de
ficção científica”, Os Melhores Contos
Brasileiros de Ficção Científica: Fronteiras e As Melhores Novelas Brasileiras de Ficção Científica, antologias
organizadas por Roberto de Sousa Causo para a editora Devir, e Páginas do Futuro, antologia organizada
por Braulio Tavares para a editora Casa da Palavra. Tanto a pesquisa
historiográfica quanto a produção literária desses dois autores-organizadores
me inspiraram bastante, durante a elaboração da Fractais Tropicais. Gosto de pensar que todas as antologias
disponíveis somam forças, em vez de competirem entre si. Todas convergem em
nome de uma causa comum.
O
livro tem recebido uma boa divulgação, com resenhas nos dois principais jornais
de São Paulo, algo raro em se tratando de FC brasileira, se é que já ocorreu.
Você atribui isso ao fato da antologia ter sido organizada por você – um autor
e antologista de prestígio – ou também porque, aos poucos, podemos dizer que a
FCB está saindo de sua invisibilidade, com mais reconhecimento junto ao mainstream literário e o jornalismo
cultural?
Podemos afirmar, com segurança, que a
ficção científica brasileira está saindo de sua proverbial invisibilidade. A
boa recepção da antologia, pela grande imprensa, talvez seja o coroamento de
uma equação virtuosa envolvendo muitas variáveis. Quando a Netflix estreou a
primeira temporada da série 3% (2015)
eu percebi que a ficção científica brasileira estava começando a viver outro
ótimo momento. Mas eu sinto que a FC brasuca precisa
chegar às camadas mais altas do mercado editorial e conquistar as grandes
instâncias legitimadoras: os prêmios e as feiras importantes, as grandes
editoras, o prestígio acadêmico. Ainda estamos longe do cenário que eu
considero o cenário ideal para os livros de FCB. Ainda não vi, por exemplo, a
reedição de dois dos melhores romances do último quartel do século 20: Piscina Livre e Amorquia, de André Carneiro. Ainda não vi obras de FCB vencendo os
principais prêmios literários: Jabuti, Oceanos, São Paulo, Biblioteca Nacional.
Ainda não vi os autores de FCB participando dos principais eventos cult: Flip, Jornada
Nacional de Passo Fundo, Flima, Flipoços, Flop. Ainda não vi os autores de FCB
participando do Conversa com Bial ou protagonizando uma matéria do Fantástico.
Gostaria
que você explicasse um pouco qual foi o critério de escolha dos contos selecionados.
Foi sua preferência como organizador, ou foi levando em conta também o
interesse do autor selecionado? Isso porque, em minha opinião, contos muito
bons de alguns autores ficaram de fora. Procurou-se levar em conta também a
diversidade temática ou textos mais recentes, talvez no intuito de divulgar o
que certos autores vêm escrevendo?
O critério de escolha obedeceu a uma
diretriz histórica (a divisão em três ondas) e uma diretriz puramente afetiva
(meu autores e ficções prediletos). É por isso que a Primeira Onda tem menos
textos do que a Segunda e a Terceira. Confesso que eu respeito, mas não sou
muito fã da obra dos pioneiros de nossa ficção científica. Aprecio bastante os
livros do André Carneiro, e um ou outro conto da Dinah Silveira de Queiroz, do
Fausto Cunha, do Jeronymo Monteiro e do Rubens Teixeira Scavone. Mas gosto
muito mais dos livros dos ficcionistas contemporâneos. Outro detalhe
importante: tendo em vista a convergência de antologias, eu preferi não repetir
contos já incluídos nas antologias do Causo e do Braulio. A exceção foi o conto
do Ademir Assunção, porque esse autor do mainstream até hoje só escreveu um
conto de ficção científica. O conto “Quinze Minutos”, do Ademir, também aparece
na antologia Páginas do Futuro.
Fractais Tropicais é
importante também pela grande representatividade de temas que apresenta,
mostrando que a FCB já abordou quase todos os temas importantes do gênero.
Contudo, chamou a atenção a ausência de dois temas: histórias de fim do mundo e
de histórias alternativas, sendo que há ótimos contos sobre ambos os assuntos.
Alguma razão para isso?
Podemos classificar essas ausências na
categoria “contingência inevitável”. Foram contemplados catorze subgêneros da
ficção científica. Mas a antologia teria resultado mais didática se realmente
todos os ramos da FC tivessem sido contemplados com um conto. O problema é que
existem muito mais de trinta ramos e eu não consegui evitar repetições. Por
exemplo, um dos ramos mais importantes do momento, ausente da Fractais Tropicais, é o afrofuturismo.
Também faltaram: império galáctico e mundo perdido. Prometo incluir esses subgêneros
numa próxima antologia.
Ao
final do livro, no texto “Sobre o Organizador” é informado que Luiz Bras deverá
organizar uma antologia equivalente sobre o fantástico no Brasil. Como está o
projeto? Terá o mesmo recorte histórico e temático mostrado em Fractais Tropicais?
A ideia é essa mesmo: reunir trinta dos
melhores contos de nossa ficção fantástica, de autores modernos e
contemporâneos. De um lado: André Carneiro, Aníbal Machado, Edla van Steen,
Jamil Snege, José J. Veiga, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Murilo
Rubião, Rosário Fusco, Victor Giudice… Do outro: Alex Xavier, Carlos Emílio
Corrêa Lima, Fábio Fernandes, Flávio Moreira da Costa, Ignácio de Loyola
Brandão, Ivan Carlos Regina, João Paulo Parisio, Lygia Bojunga, Maria Helena Bandeira,
Modesto Carone, Paulo Sandrini, Romy Schinzare, Santiago Santos, Veronica
Stigger… Ainda estou lendo e selecionando os contos. É importante lembrar que,
no excêntrico mundo de Luiz Bras & Nelson de Oliveira, a ficção fantástica
− às vezes chamada, na América Latina, de “realismo mágico” − é diferente da
ficção sobrenatural, geralmente sobre feiticeiros, vampiros, lobisomens,
fantasmas, zumbis etc. Pra maiores explicações sobre minha definição particular
de ficção científica, ficção fantástica e ficção sobrenatural, eu recomendo a
leitura do manifesto “Convite à Convergência”, publicado recentemente no jornal
Rascunho. Num de seus parágrafos o
autor escreve:
§
O que mais me agrada na ficção
fantástica e na ficção científica é a subversão das leis da natureza.
Num conto ou num romance, adoro quando a
causalidade, a força da gravidade, a biologia, a geologia, a atmosfera, enfim,
o tempo, o movimento planetário, os minerais, as plantas e os animais, as
pessoas e as estações do ano passam a funcionar de maneira diferente da nossa
familiar realidade.
Isso acontece também na ficção
sobrenatural.
Na ficção sobrenatural, as pessoas se
metamorfoseiam, ficam invisíveis, interagem com os mortos, trocam de corpo,
viajam no tempo ou enfrentam criaturas impossíveis por meio de feitiços,
maldições e encantamentos, ou seja, graças à magia.
Na ficção científica, as pessoas fazem
as mesmas coisas por meio da engenharia genética, da mecânica quântica, da
inteligência artificial etc., ou seja, graças à ciência e à tecnologia.
Na ficção fantástica, ao contrário, as
pessoas fazem as mesmas coisas extraordinárias graças a nada e ninguém. Não há
feitiços ou máquinas, feiticeiros ou cientistas, por trás dos fenômenos
insólitos. Apenas as leis da natureza são diferentes.
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