O Mundo Perdido (The Lost World), Arthur Conan Doyle. Capa de Antonio Jeremias.
Tradução de Luiz Horácio da Matta. 238 páginas. Rio de Janeiro: Francisco Alves
Editora, Coleção Mundos da Ficção Científica, no. 28. Original de 1912 e edição
brasileira de 1982.
Mais conhecido
e aclamado pelos contos e romances em torno do personagem Sherlock Holmes é
certamente uma injustiça que os demais textos de Arthur Conan Doyle (1859-1930)
tenham sido relegados a um segundo plano. Resultado de uma crítica elitista,
pois podemos afirmar que pelo menos um de seus romances sempre foi muito
popular e influente, O Mundo Perdido
(The Lost World).
Esta aceitação
foi imediata quando em 1912 a história foi publicada em partes na revista
britânica Strand Magazine, e logo a
seguir como livro próprio. O autor tinha plena ciência do perfil dos seus
leitores, pois afirma antes de iniciá-la: “Terei realizado meu plano simples se
der uma hora de prazer ao menino que é meio homem ou ao homem que é meio
menino.” Sem nenhum demérito foi um livro escrito para entreter, em alto nível
de aventura e especulação, a imaginação de leitores comuns, e não críticos e
literatos nem sempre tão abertos a uma narrativa que prioriza a ação e o
suspense. Mas Conan Doyle não produziu apenas bom entretenimento – o que já não
seria pouco – mas um bom romance que equilibra de forma admirável rigor
científico e a sensação do maravilhoso. Passa uma sensação de que ser cientista
é uma das atividades humanas mais excitantes, misturando pesquisa com aventuras
por terras incógnitas, onde a descoberta traz, além da satisfação pessoal e
contribuição ao conhecimento, um prestígio que poucas profissões são capazes de
oferecer.
O Mundo Perdido foi escrito no início do
século XX período no qual o tema de mundos e civilizações perdidas estava na
ordem do dia. Na verdade um pouco mais de tempo, já que, pelo menos, desde a
segunda metade do século XIX a literatura popular havia produzido algumas
histórias marcantes. Exemplos, entre outros, Viagem ao Centro da Terra (Voyage
au Centre de la Terre, 1864) de Julio Verne (1828-1905), O Povo da Névoa (The People of the Mist, 1884), de H. Rider Haggard (1856-1925), A Ilha do Dr. Moreau (The Island of
Dr. Moreau, 1896), de H.G. Wells (1866-1946), Tarzan, o Filho das Selvas
(Tarzan fo the Apes, 1912), de Edgar
Rice Burroughs (1875-1950), e os brasileiros A Amazônia Misteriosa
(1925), de Gastão Cruls (1988-1959), e República 3000 (1930), de Menotti del
Picchia (1892-1988), dois clássicos da nossa FC que nada ficam a dever às
histórias estrangeiras. Todas tratam, em linhas gerais, de povos e mundos
perdidos, esquecidos mas que, surpreendentemente, são redescobertos, com
efeitos espantosos para os personagens e, principalmente, os leitores.
A contribuição
específica de Conan Doyle para o que se tornou mesmo um subgênero da ficção
científica é o achado de um platô escondido na selva amazônica que revela que os
dinossauros não foram extintos por completo. A elevação, inspirada no Monte
Roraima, teria ficado isolada por milhões de anos, mantendo uma autonomia
ecológica responsável pela sobrevivência dos dinossauros. Além disso, neste
lugar insuspeito também convivem duas sociedades humanoides, uma mais próxima
de ancestrais evolutivos humanos e outra plenamente humana, indígena. Talvez um
leitor mais exigente possa torcer o nariz, e mesmo na época já se sabia que os
humanos nunca haviam convivido com animais do período jurássico. De qualquer
modo, na história os personagens especulam que os mamíferos humanoides vieram
de fora deste mundo perdido, indo lá habitar com os saurópodes e terópodes de
eras imemoriais.
O enredo
acompanha a expedição liderada pelo professor George Challenger. Depois de uma
primeira missão à Amazônia ele volta à Londres, mas sem ter provas concretas do
que encontrou, é ridicularizado pela comunidade científica. Desafiado num
congresso acadêmico, Challenger propõe uma nova expedição, que teria como
participante o professor Summerlee, seu grande detrator. A eles se juntam o
aventureiro Lorde John Roxton, e o jornalista Ed Malone. Assim, eles partem em
direção à selva amazônica.
O personagem
principal é o professor Challenger, mas o condutor da narrativa é Ed Malone,
pois a história é contada em primeira pessoa por ele, relatando os
acontecimentos em missivas enviadas ao Dayle
Gazette, o jornal em que trabalha. Chama a atenção de que a expedição
procura confirmar o que já foi descoberto. Ou seja, não há um suspense sobre o que poderá vir. Mas sim da extensão do que virá pela frente. Isso me soou meio
estranho e com certa expectativa desfeita sobre o potencial da aventura. Mas a
forma como Conan Doyle a narra evitou plenamente algum sentimento de decepção.
O texto é repleto de situações de perigo e desafio para os expedicionários, que
têm suas vidas colocadas em risco quase que a cada página. Muito estimulante
também é a força descritiva da selva amazônica em si, os rios enormes e
caudalosos, a floresta fechada, os animais que a todo o momento surgem. Mesmo
com algumas imprecisões geográficas perfeitamente compreensíveis, está quase na
plenitude a exposição de uma selva indomável, misteriosa e cheia de surpresas.
Tal como é a maior floresta da Terra e tudo aquilo que ela sempre suscitou na
curiosidade científica ou na especulação artística ou crença sobrenatural.
Após chegaram
ao platô nossos heróis são sabotados por um dos membros da equipe de apoio que
corta a ponte que ligava o penhasco ao platô. Uma vingança contra Lorde Roxton
que teria matado seu irmão numa expedição anterior. Agora eles estavam sem ter
como descer, com poucas provisões e à mercê de descobertas ao mesmo tempo
incríveis e arriscadas. O único apoio que passaram a ter foi a presença de
Zambo, um dos empregados que ficou na superfície.
Mas é quando
ficam efetivamente isolados que eles descobrem o tal mundo perdido: plantas
exóticas, pequenos animais nunca vistos e o mais espantoso: espécies de répteis
que deveriam estar extintos há dezenas de milhões de anos. Estegossauros,
pterodáptilos, plessiossaurus e os terópodes carnívoros. Curiosamente, o
Tiranossaurus Rex não é nomeado, mas supõe-se que se refira a ele, tal o seu
tamanho e agressividade.
O romance se
situa também no espírito do seu tempo com relação à posição do homem branco
ocidental com os outros da selva amazônica, os negros e os mestiços. Sem
surpresa os ingleses são mostrados como mais civilizados e inteligentes,
superiores aos povos que os servem, retratados em mais de uma ocasião como
inferiores e devotados à servir os súditos da rainha. Mas não há um racismo
explícito, apenas a constatação de como o povo europeu, inglês em especial, se
sentia e relacionava com culturas e comunidades ao redor de um mundo que, em
boa parte, havia sido invadido por ele.
Podemos
afirmar que a era da ficção científica
espacial teve início a partir dos anos 1930, se desenvolvendo plenamente a
partir da Golden Age dos anos 1940, estabelecendo mesmo um futuro de consenso, de que a nova e última fronteira estava no
espaço sideral. Como apontado acima, a época em que O Mundo Perdido foi escrito o limite do desconhecido a ser
desbravado ainda estava situado em nosso próprio planeta. Havia mesmo uma
crença popular, embora não levada muito a sério pela comunidade científica, de
que em regiões ainda inexploradas do planeta pudesse haver espécimes que
sobreviveram às transformações geológicas e biológicas. Além disso, indo um
pouco mais longe na imaginação, com a chance de haver alguma civilização
perdida, apartada da história convencional. Tais histórias se filiam numa
corrente da FC conhecida como romance
planetário, embora possamos encontrar histórias deste tipo também situadas
em outros planetas. Neste contexto, como já dito, O Mundo Perdido foi publicado, mas embora não tenha sido uma obra
pioneira, mantém-se como uma das mais influentes para o gênero e a cultura
popular ainda hoje.
Prova disso é
que já em 1925 foi produzida a primeira versão para o cinema, ainda mudo. Irwin
Allen (1916-1991) produziria o filme mais conhecido em 1960, estrelado por
Claude Rains (1889-1967), Michael Rennie (1909-1971) e David Hedison, mais
conhecido como o Capitão Lee Crane da série Viagem
ao Fundo do Mar (Voyage to the Bottom
of the Sea, 1964-1968). No Reino
Unido ocorreram duas dramatizações radiofônicas, em 1938 e 1944 e, mais
recentemente, entre 1999 e 2002 foi ao ar pela TNT uma série de TV, com três
temporadas. Antes disso Land of the Lost
foi produzida pela NBC, entre 1974 e 1976. Chamada no Brasil de Elo Perdido foi livremente inspirada na
obra de Conan Doyle e muito exibida no país, durante os anos 1980 e 1990. Aqui
as aventuras na Amazônia de outra era são vividas por um pai, seus filhos e um
cachorro.
Em termos
editoriais O Mundo Perdido tem
recebido diversas edições em língua portuguesa. A primeira brasileira saiu pela
Cia. Editora Nacional, em 1958 e a mais recente em 2018, num volume caprichado da
Editora Todavia. Afora estas duas, mais a edição da Francisco Alves Editora em
que me baseei para escrever esta resenha – aliás, com a mais bela capa de todas as que pude ver
em pesquisa na internet –, mais quatro saíram no Brasil. Sete no total,
portanto. Por sinal o mesmo número de edições vistas em Portugal, a mais
recente pela Publicações Europa-América, em 2003. São, simplesmente, 14 edições
diferentes da mesma obra!
Já conhecia O Mundo Perdido através do filme de
Irwin Allen, que vi diversas vezes numa época em que a “Sessão da Tarde” da
Rede Globo exibia várias produções de FC. Talvez por isso, resisti em ler o
livro, pois achava que como já conhecia a história não haveria grandes
atrativos. Como quase sempre acontece com bons livros, felizmente me
equivoquei, pois o romance de Arthur Conan Doyle é muito mais interessante, por
apresentar personagens críveis e carismáticos, uma descrição competente da
floresta e do mundo perdido, além do equilíbrio virtuoso entre o conhecimento
da época e uma especulação destemida, como a que deve ser realizada pela melhor
ficção científica.
– Marcello
Simão Branco
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