Um tema bastante explorado pela ficção de mistério são as sociedades secretas. Elas têm um carisma irresistível tanto entre autores quanto entre leitores, que fantasiam sobre o que acontece por trás das portas fechadas e das cortinas cerradas. Sinais secretos, roupas exóticas, divindades bizarras, rituais macabros, poderes insuspeitos e por aí vai. Uma aventura de James Bond não seria a mesma sem uma sociedade secreta.
Em O caminho do Louco, primeiro volume da série Guerras do Tarot, publicado em 2016 pela Avec Editora, o jornalista e tradutor carioca Alexandre Mandarino apresenta o conflito entre duas dessas sociedades, cada qual dotada de poderes sobrenaturais através dos quais pretendem controlar o mundo.
A história gira em torno de um documento misterioso, cuja simples leitura atrai a atenção de uma horda de assassinos sem alma que perseguem sem descanso o desavisado leitor, até matá-lo. Esses assassinos tenebrosos são tão ferozes quanto invisíveis, pois têm uma aparência de tal forma comum que passam despercebidos da atenção pública. Logo nas primeiras páginas, testemunhamos a ação de um deles quando encontra a sua presa, um padre que leu o que não devia. Mas o documento não estava mais com ele pois, minutos antes de ser atacado numa estação de trem na França, o encaminhara por correio a um importante bispo seu conhecido que, sem saber, vai se tornar o próximo alvo da horda assassina.
Enquanto um casal de ladrões com equipamentos de alta tecnologia invade uma empresa em Munique em busca de um certo documento, e um grupo de homens dotados de poderes sobre humanos rouba uma fortuna em ouro do banco do Vaticano, André Moire, jornalista brasileiro em crise existencial, abandona sua vida regrada e segura para embarcar num mochilão sem destino. Ele não sabe, mas está dando os primeiros passos no Caminho do Louco, que se insinua a ele em sonhos e visões enquanto caminha pelos sertões América. O mistério começa a se revelar quando André é finalmente confrontado, na cidade do México, por um agente do Tarot, sociedade secreta de objetivos incertos que afirma ser ele o novo Louco, o representante vivo desse arcano no baralho adivinhatório. Contudo, para ganhar seus poderes e assumir seu lugar na grande malha que sustenta a realidade, ele terá de cumprir uma peregrinação mística, visitando os avatares de cada um dos demais vinte e um arcanos maiores do Tarot espalhados pelo mundo. Ao longo de uma jornada sem muita convicção, instruído pelos arcanos O Mago, A Sacerdotisa, A Imperatriz e O Imperador, o Louco toma contato com os primeiros segredos dessa sociedade e tentar entender por que ele é tão importante nos planos dela.
Não faltam à história muitas cenas de ação com enfrentamentos violentos, incluindo lutas mortais com mestres em kung fu, parkour nos telhados de Paris e até perseguições de carros a quinhentos quilômetros por hora, tudo temperado com pitadas de super heróis e conspirações religiosas.
Mandarino, que atua como autor de contos desde os anos 1990, ficou mais conhecido no fandom a partir de suas contribuições à franquia Intempol, sendo que seu texto “O rabo da serpente” obteve boa classificação no Prêmio Argos de 2003. Mais recentemente, publicou nas antologias Sherlock Holmes: Aventuras secretas (2012, Draco) e Caminhos do fantástico (2012, Terracota), conto com o qual foi finalista no Argos 2013. Mandarino também foi editor da sofisticada revista eletrônica literária Hyperpulp, publicada entre 2011 e 2012. A redação de O caminho do Louco consumiu muitos anos de trabalho, pois Mandarino revelou que os primeiros esboços da história foram redigidos em 2001.
O autor demonstra grande domínio sobre as cenas de ação, com descrições vívidas e impactantes, próprias de quem vê a narrativa como um filme de cinema, com muitas explosões, correrias e lutas sangrentas, e os capítulos curtos dão bom ritmo à leitura. Há um grande número de personagens em diversas narrativas paralelas, que colabora para uma ampla percepção do mundo criado pelo autor. Contudo, o final do livro é inconclusivo pois, desde o princípio, fica clara a intenção do autor em escrever uma série. Para o bem ou para o mal, fica a garantia ao leitor ser impossível dar spoilers nesta resenha.
— Cesar Silva
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