Vésper é uma agente secreta aposentada. Depois de uma missão especialmente traumática, na qual seu marido morreu, ela decidiu que era hora de parar. Muitos anos depois, com os filhos já crescidos, Vésper é procurada pela Cosmopol, a polícia interplanetária, que a quer num caso muito delicado: Teplê K Vichits, o terrorista interestelar, capturou um artefato alienígena que tem que ser devolvido ao seu lugar de origem, caso contrário o universo pode ser destruído. Como passa por dificuldades financeiras, Vésper aceita o encargo e, assim, é apresentada a seus companheiros de missão: Rotterdam, Tenessee e a assassina profissional Valentina, recrutada especialmente para matar Vichtis.
Os quatro agentes, liderados por Beng, o delegado da Cosmopol encarregado de comandar a operação, embarcam disfarçados numa espaçonave de cruzeiro em direção ao distante planeta Sombrio, onde Vichtis escondeu o artefato. Logo de saída, Vésper se vê assediada por Valentina, que deixa claro que tem um interesse especial por ela. Mas Vésper a rejeita e isso tensiona a relação entre ambas.
A tranqüilidade da viagem, bem como as identidades falsas da equipe, não resistem por muito tempo. Poucas horas após a decolagem, os agentes da Cosmopol são atacados por espiões inimigos. Eles abandonam a nave em botes salvavidas e são resgatados por uma outra nave, que os acompanhava em segredo a pedido da Cosmopol. O comandante dessa nave é Gaspar, cientista desafeto de Beng, que viaja para Sombrio sob disfarce, levando uma equipe de pesquisas e sua neta Licia, uma garota esperta e atrevida que se identifica com Vésper na mesma medida que antipatiza com Valentina.
Quando a nave chega à embaixada terrestre em Sombrio, os agentes assumem novos disfarces e dirigem-se ao local onde o artefato está escondido, mas não contavam que Licia os acompanhasse clandestinamente. A presença da garota causa muitas dificuldades ao grupo, novamente atacado por organizações inimigas e que ainda tem que se defender das forças regulares de Sombrio.
Esta novela de Miguel Carqueija apresenta as principais características que o autor carioca, muito conhecido no meio dos fãs brasileiros de ficção fantástica, adota em seus trabalhos: personagens femininas fortes e decididas, ainda que emocionalmente fragilizadas, enfrentando perigos inomináveis. O mesmo perfil pode ser percebido em outros trabalhos do autor: A âncora dos argonautas (1999), A Esfinge Negra (2003) e As luzes de Alice (2004), novelas publicadas pelo selo Hiperespaço.
Miguel Carqueija é um autor experiente, talvez o mais prolífero e constante colaborador das publicações daquela que ficou conhecida como Segunda Onda da ficção científica brasileira. Esteve presente em praticamente todas as publicações brasileiras ditas de FC&F, desde o primeiro fanzine, o Boletim Antares – editado pelo Clube de Ficção Científica Antares, de Porto Alegre inaugurador dessa fase em 1982 –, participando de todos os demais fanzines, revistas, concursos e antologias propostos desde então. Também participou de publicações mainstream, como o Banco de talentos, publicado pelo Banco do Brasil. Em 2004 teve um dos trabalhos publicados nessa antologia (“O tesouro de Dona Mirtes”, Banco de talentos 1999) filmado em curta-metragem pelo Grupo Arte Urbana, de Ribeirão Preto.
Com toda essa experiência, Carqueija desenvolveu habilidade sobre os protocolos do gênero fantástico, que domina muito bem. Entretanto, ainda apresenta cacoetes que prejudicam sua ficção. O mais evidente deles é a dificuldade em definir o estilo das sequências de diálogos que ora seguem o formato tradicional da narrativa em prosa, ora apresentam-se como um roteiro teatral, com os nomes das protagonistas antecipando as falas. Essa indecisão formal, também presente em A face oculta da galáxia, prejudica o ritmo da leitura e rompe com frequência a suspensão da incredulidade do leitor, jogando por terra boa parte do trabalho exaustivo de construir uma ilusão de realismo.
Excetuando-se esse pecado, que é grave, a prosa de Carqueija é fluente e agradável, com uma estética identificada com os trabalhos da Golden Age norte-americana: aventuresca, otimista, quase sempre implausível, mas muito divertida. As muitas referências e citações da cultura pop também interferem na concentração do leitor, mas não chegam a comprometer a narrativa e acrescentam-lhe um sabor autoral característico.
A face oculta da galáxia está atualmente disponível aqui pela editora Agbooks, em versões real e digital.
— Cesar Silva
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