A Luz e a Trevas (Lest Darkness Fall),
L. Sprague de Camp. Capa: A. Pedro. Tradução: Eurico Fonseca. Lisboa: Edição
Livros do Brasil, Coleção Argonauta, no. 361. 195 páginas, 1987.
L(yon) Sprague
de Camp (1907-2000) é mais conhecido no Brasil por imaginar o nosso país como a
principal potência espacial no futuro, na série Crônicas das Viagens, com dois
livros publicados aqui que englobam todos os oito contos da série: Os Dentes do Inspetor (The
Continent Makers Other Tales of the Viagens) e Construtores de Continentes (The
Continent Makers Other Tales of the Viagens). São os números 2 e 4 da
Coleção Fantástica, da Francisco Alves Editora, lançados nos anos de 1976 e
1977 respectivamente, sob a edição de José Sanz.
Mas sua obra
mais conhecida é Lest Darkness Fall.
Publicada originalmente como uma noveleta na revista Unknown em dezembro de 1939, ganhou forma definitiva em 1941 quando
foi expandido para um pequeno romance. Causou grande impacto nos anos 1940, e mesmo
com o autor tendo uma carreira posterior longa e prolífica é a sua obra mais
celebrada e republicada. Em 1989, por exemplo, apareceu na prestigiosa série
“The Masterpieces of Science Fiction”, da The Easton Press.
Isso apesar de
Lest Darkness Fall não ser uma
história propriamente identificada com os temas mais comuns da época - a Golden Age -, como
os impérios interestelares, contatos com alienígenas, robôs e cientistas loucos,
pois trata, de um modo bem particular, do impacto do uso dos avanços
tecnológicos nos valores e costumes de uma sociedade.
Estamos na Roma do século VI, ano de 535, pouco tempo depois do Império do Ocidente ter caído
e estar sob a posse dos godos – um dos povos identificados com os alemães
contemporâneos. L. Sprague de Camp traça um amplo painel da vida desta época,
mas a narrativa está longe de ser um relato mais calcado numa historiografia
tradicional. Vejamos porque.
Martin Padway
é um arqueólogo norte-americano em viagem de trabalho a Roma que, sob uma
tempestade, de forma inexplicável recua 14 séculos no tempo. Seu amigo Tancredi
há pouco lhe explicara uma teoria de que seria possível escorregar aos eventos
passados, pois a História seria uma teia em quatro dimensões e que, em pontos
fracos poderia haver uma conexão involuntária com outras épocas. Padway se
mostra descrente de tal argumento, mas pouco depois de se despedir do amigo, se
vê ele próprio como vítima desta teoria.
O que fazer na
Roma do século VI? Foi um período de grande decadência e perda de relevância
política, após o fim do Império ocidental e as invasões de vários povos
bárbaros. Ele rapidamente procura por pessoas que possam ajudá-lo a sobreviver
numa época completamente diferente da sua. Mas para Padway apenas em parte, já
que ele, como estudioso de História, tinha sólidos conhecimentos sobre este
período que antecede a Idade Média. Fala, inclusive, um pouco de latim,
podendo, assim se comunicar com relativa habilidade. Conhece, entre outras
pessoas, um banqueiro sírio que lhe empresta algum dinheiro para que possa se
manter.
Embora seja um
homem culto, Padway revela um talento incomum para a ação e o empreendimento.
Sem nenhum pudor ou preocupação começa a introduzir mudanças na vida cotidiana,
com a inclusão de novas tecnologias, da qual tira o seu sustento. De início com
a destilação de bebidas, para depois ir mais além por meio de técnicas modernas
de contabilidade, e os algarismos árabes. Com isso parte para suas criações
mais ambiciosas: a construção de máquinas tipográficas – antecipando Gutemberg
em cerca de 1000 anos –, o que lhe permite publicar um jornal semanal e, uma
rede de comunicação por telégrafos, mas sem a eletricidade. Assim procurou
difundir e democratizar o conhecimento e aperfeiçoar as comunicações a longas
distâncias. De fato, duas das criações mais importantes para forjar uma
civilização mais livre e integrada.
Como o próprio
título sugere – A Fim de que Não Caiam as Trevas – Padway teve por objetivo, com suas inovações tecnológicas, evitar
a queda do Ocidente nas assim chamadas trevas do obscurantismo medieval. É fato
que tais mudanças sugerem fortemente que isto vá acontecer mas, penso que as
decisões do arqueólogo se deram também num sentido mais pragmático, de alguém
que buscou alternativas concretas e criativas para viver num mundo de costumes
muito diferentes do dele. Mas em nenhum momento ele se pergunta se ao mudar o
futuro ele mesmo não estaria com sua existência ameaçada.
Mais do que o
tema em si e suas possíveis consequências o diferencial de A Luz e as Trevas é o texto ágil, além do tom coloquial e levemente
humorístico. Martin Padway, neste novo século, é chamado de Martinus Paduei, e
ganha a alcunha de “misterioso”, pois além de apresentar várias invenções aos
italianos e godos, ainda demonstra prever o futuro, em algumas situações que
lhe possa trazer vantagens imediatas. Como não poderia deixar de ser nesta época,
é acusado de feitiçaria e preso, e só se livra dos possíveis destinos desta época,
a excomunhão, as masmorras ou a fogueira, porque suborna um bispo influente.
Por tudo isso
Martinus acaba sendo objeto de admiração e desconfiança, mas tem a prudência de
cercar-se de algumas pessoas fiéis que estão sempre do seu lado, como o
banqueiro Thomasus, o guarda pessoal Fritharik e o fazendeiro Nevitta. Devido
ao seu gênio, Martinus prospera e por antever uma guerra dos godos com o
Império Romano do Oriente, sob a liderança do imperador Justiniano, passa a
agir politicamente para proteger seus negócios, tornando-se mesmo questor do titubiante rei godo de Roma, Thiudahad.
A narrativa é
recheada de momentos inspirados e divertidos, personagens interessantes e espirituosos,
e traz uma boa contextualização histórica dos valores e costumes da Itália do
século seis. Todas estas virtudes tornam a leitura extremamente agradável,
mostrando um autor seguro de sua prosa, na construção de personagens e timing para uma obra que, no fundo, não
procura se levar muito a sério. Uma FC pulp
da melhor qualidade.
Esta última
característica, por sinal, ecoa muitas das histórias de FC dos anos 1930 e
1940, no qual o eixo condutor, por assim dizer, encontra-se na ação dos
acontecimentos e não em possíveis reflexões dos acontecimentos em si. Isso, de
certa forma, alivia um possível questionamento crítico que se poderia fazer a
Martin, ou melhor, Martinus, já que ele conscientemente altera a História e não
vê problema algum nisso – e sendo um arqueólogo! Chama a atenção de que em nenhum
momento ele pensa em voltar ao século XX, se adaptando de forma resignada, mas
não melancólica, em viver fora de sua época, não vendo mais suas pessoas
queridas e compartilhando dos valores e costumes de sua época.
A Luz e as Trevas é uma FC histórica
motivada pelo recurso da viagem no tempo, e tornou-se muito influente, tendo
inspirado outras narrativas semelhantes e até continuações por outros autores.
É mesmo considerada uma das precursoras contemporâneas do subgênero da História
Alternativa, que viria a se desenvolver com vigor a partir da segunda metade do
século XX. Além disso, o romance é também um representante do que de melhor a
ficção pulp produziu nos anos 1930 e
1940, a despeito da pouca consideração que esta vertente literária tem até os
dias de hoje. Isso porque, temos uma história inteligente, agradável e
despojada, que faz deste livro um momento singular da ficção científica.
– Marcello Simão Branco
Conheço o nome do L. Sprague de Camp pelos trabalhos com Conan e não li nenhum deles (assim como os do Lin Carter) por receio de destoarem muito dos textos do Robert E. Howard. É bom conhecer outros materiais do autor, vou tomar nota como referencia!
ResponderExcluir