quarta-feira, 15 de julho de 2015

Glória Sombria, Roberto de Sousa Causo

Glória Sombria, Roberto de Sousa Causo. Ilustrações da capa e internas: Vagner Vargas. 168 páginas. São Paulo: Devir Livraria, 2013.

As histórias da série “Lição do Matador” vem sendo publicadas desde 2007, quando Jonas Peregrino apareceu nas páginas do fanzine Scarium.[1] De lá para cá mais três histórias foram publicadas, mas só agora em 2013 surge o romance Glória Sombria.[2]
Trata-se da primeira aventura do Capitão Jonas Peregrino, no qual é contado como ele, de um discreto posto como oficial júnior na Patrulha Colonial é recrutado para comandar uma força de elite secreta, os Jaguares, sob a liderança do Almirante Túlio Ferreira.
Peregrino é escolhido a dedo por Ferreira por suas comprovadas – mas nem sempre reconhecidas – habilidades nas chamadas operações especiais, missões militares extremamente arriscadas que exigem grande coragem e criatividade em batalha.
A missão de Peregrino é formar e treinar uma tropa especial de ataque, para resgatar os mukbukmabaksai, alienígenas de um planeta duplo ameaçado de extermínio pelos tadais, esta uma civilização alienígena belicosa e militarmente poderosa, envolta em mistério por atacar com naves- robôs e jamais ter mostrado o rosto.
Em Glória Sombria estamos no século XXV com a humanidade profundamente envolvida na expansão da Via Láctea. São quatro as Zonas de Expansão, mas é na região conhecida como a Esfera, a maior e a mais rica, que as histórias da série se passam.
Apesar de conviverem pacificamente com algumas espécies alienígenas, a humanidade continua politicamente dividida, entre a América Latina, os Norte-Americanos, os Asiáticos e os Euro-Russos. Nesse sentido, Causo problematiza um dos clichês comuns das histórias do sub-gênero space opera, o futuro de consenso, onde temos um governo mundial que pacifica a humanidade e se expande pelo universo. A referência pop mais conhecida é a da série de TV Jornada nas Estrelas (Star Trek).
Se aparentemente o maior desafio militar e econômico para a humanidade é o surgimento dos tadais, pois não se sabe a extensão do poderio militar e tecnológico desta civilização alienígena, e nem ao menos se ela é biológica ou remanescente de uma antiga civilização, Glória Sombria mostra que na verdade os inimigos mais insidiosos estão entre os próprios humanos.
Para além da rivalidade política entre os povos, Peregrino se vê envolto numa complexa teia de conflitos e disputas entre os próprios políticos e militares latino-americanos, por mais poder e influência. No princípio hesitante, o soldado adere aos objetos militares de Ferreira, que procura restaurar um espírito mais combativo e ético dentro da corporação, mais envolta nas politicagens internas e numa certa acomodação no cumprimento dos objetivos militares.
Boa parte da história se passa, portanto, no desenrolar destas intrigas, mas sem perder de vista o principal: a preparação para a missão que Peregrino deverá liderar para salvar os mukbukmabaksai do extermínio dos tadais. Nesse sentido, o romance é preciso no que se propõe, não derivando para temas paralelos que poderiam ser interessantes, mas secundários à trama principal. Como, por exemplo, um maior detalhamento dos povos alienígenas mostrados na história – mesmo nas outras histórias eles são muito superficiais –, uma maior reflexão sobre o que seriam os tadais, uma contextualização mais caprichada de como se deu a expansão humana pela galáxia e porque e como a humanidade manteve-se forte, mesmo dividida internamente. No fundo, são temas possíveis de serem elaborados em histórias futuras e uma série espacial como esta se presta mesmo à priorização da ação, e a abordagem destes temas secundários de forma escalonada, ao estilo de uma “História do Futuro”.[3] E na verdade, Causo se inspirou num universo ficcional deste tipo, a alemã Perry Rhodan, a maior e mais longa série da história da ficção científica que, inclusive, é lida por Peregrino durante a história, em seus momentos de folga.




Como parte bem-sucedida desta narrativa mais objetiva, pode-se ler quaisquer das histórias da série de maneira salteada, e um dos méritos de Glória Sombria é a força de um texto enxuto e que prende a atenção, com um personagem carismático e eticamente impecável, e um contexto político à beira de um abismo – externo (os tadais) e interno (as disputas políticas fratricidas entre a humanidade). Vale mencionar também a sólida pesquisa, tanto de aspectos militares, como de conceitos de física e astronomia, devidamente aplicados no contexto mais livre da ficção científica.
A série “As Lições do Matador” lida com temas caros e familiares ao autor e isso ajuda a reforçar uma sensação de verossimilhança e realismo, além do grande conhecimento dos lugares-comuns e tradições da ficção científica, o que faz com que as histórias não tenham a preocupação de mostrarem algo novo ou original. Tudo soa natural, seguro, na construção do universo ficcional e desenvolvimento dos personagens. Isso não é pouco, ainda mais no cenário de uma ficção científica brasileira que sempre (e ainda hoje) procura emular apenas os clássicos consagrados do gênero em língua inglesa.
Glória Sombria é um romance curto, pouco maior do que uma novela, e de sua aparentemente despretensão mostra que é possível problematizar os conceitos do gênero, no caso, da space opera militar, e inserir novos pontos de vista, mais relacionados com a posição brasileira – ou latino-americana – dentro do contexto literário e político internacional.
Fico na viva expectativa de que o novo livro com Jonas Peregrino, Mestre das Marés, nos traga mais aventuras vibrantes deste exemplo brasileiro de uma rica e provocativa visão multicultural da prática da ficção científica, típica deste século XXI.

– Marcello Simão Branco


[1] Com o conto “Batalhas na Memória”, no número 19, maio de 2007.
[2] As outras histórias são: “Descida no Maelstrom”, noveleta publicada na antologia Futuro Presente (2009), “Trunfo de Campanha”, noveleta publicada na antologia Assembleia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política (2011) e a noveleta “A Alma de um Mundo”, publicada na antologia Space Opera II: Jornadas pelo Hiperespaço em uma Galáxia Não Muito Distante (2012).
[3] Em certo sentido, é possível encontrar já bons detalhamentos destas questões no site criado especialmente para promover a série, Galaxis: Conflito e Intriga no Século XXV: www.galaxis.aquart.com.br.

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