Clinton
Davisson lança uma nova versão do seu romance Hegemonia:
O Herdeiro de Basten e analisa
os
rumos
da ficção científica brasileira
por
Marcello Simão Branco
Natural
de Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, o jornalista Clinton
Davisson é um nome presente e atuante no fandom de ficção
científica brasileiro desde de o final dos anos 1990, já na fase
final da Segunda Onda do gênero no país. O nome incomum vem de uma
homenagem de seu pai – um físico – a Clinton Davisson, prêmio
Nobel de física de 1937. Como ele mesmo admite, talvez isso o tenha
influenciado a se identificar e escrever uma ficção científica
hard, aquela voltada a temas de ciências naturais. Autor de
dois romances, contos e uma peça de teatro, o autor é uma voz
consolidada na seara hard, dando sequência a uma tradição
dentro da ficção científica brasileira. Muito ligado aos
movimentos de fãs, esteve à frente de
várias atividades do Conselho
Jedi, o primeiro fã clube de Guerra
nas Estrelas
no país, e marcou presença como o mais longo
dirigente da história do Clube de Leitores de Ficção Científica
(CLFC). Na entrevista a seguir Clinton comenta sobre a nova versão
do seu romance Hegemonia: O Herdeiro de Basten – talvez sua
obra mais ambiciosa –, faz um balanço de sua gestão à frente do
CLFC e comenta sobre as perspectivas dos autores brasileiros de
ficção científica.
Você
foi quem presidiu por mais tempo o Clube de Leitores de Ficção
Científica (CLFC). Quatro mandatos, de 2011 a 2019. Praticamente uma
década! Faça um balanço de suas administrações e o legado você
deixa para a nova diretoria.
Eu
sou bem crítico em relação as minhas administrações do CLFC.
Embora tenha certeza que deixei o Clube bem melhor do que encontrei e
isso é endossado por, pelo menos, dois presidentes, anteriores, eu
gostaria de ter tido condições para fazer mais. O fato é que
consegui reativar o prêmio Argos, reativar o Somnium
e o site do CLFC, além de agora termos a Biblioteca Nacional de
Ficção Científica em parceria com a USP – na cidade de Ribeirão
Preto (SP). Eu acho que foi uma boa administração, mas poderia ter
ido mais longe. Queria que o Argos fosse mais reconhecido, mas isso
esbarra em investimentos. Teria que largar a vida pessoal para me
dedicar a isso e transformar o CLFC em uma empresa. Resolvi não
cruzar este limite. Fica o desafio para as próximas gerações.
Sua
ficção científica é assumidamente hard. Nos
explique sobre esta preferência temática, e nesse sentido, quais
autores mais o influenciaram.
Eu
sempre li muito e de tudo. Desde revista do Tio Patinhas até James
Joice e Dostoiévski. Acho que a ficção científica hard
veio mais do meu pai ser físico e de eu ser pesquisador, fazendo
doutorado agora. A minha área é ciências humanas, estou fazendo
doutorado em comunicação, mas devoro livros científicos desde
sempre. Ultimamente comprei aquela série completa O
Universo e descobri que
já tinha assistido várias vezes todos os episódios. Estudo química
e biologia por conta própria até hoje. Sempre quis saber os porquês
das coisas. Sempre tentando priorizar mais a boa história, a
história bem contada. Eu diria que minha maior influência muda de
acordo com o tempo. Teve época que foi Guimarães Rosa, atualmente
leio repetidamente os livros do Max Mallman, vejo como ele constrói
os personagens, constrói as cenas, tem uma veia humorística forte.
Tem o China Miéville também, que é um autor contemporâneo de
muita criatividade. Mas sempre tenho a sensação de que deveria ler
mais..
Há
quase vinte anos você tem trabalhado no seu universo ficcional de
Hegemonia, com contos e romances. Você poderia explicar
resumidamente as linhas gerais dos temas tratados neste universo, e
porque você decidiu lançar agora em 2020 uma nova edição ampliada
do romance Hegemonia: O Herdeiro de Basten?
Quais as diferenças entre as duas edições?
Eu
não me conformava com um livro que escrevi com tanto carinho por
longos sete
anos, ter sido terminado às pressas em 2007. Quando a primeira
edição se esgotou em 2010, eu quis terminar com calma essa nova
versão. Quando terminei já era 2012 e não consegui editora para
relançar. Esperei e não apareceu. Então resolvi lançar na
Amazon.com. Deu certo. As duas versões contam a mesma história, mas
me aprofundei mais nos personagens e no funcionamento daquele
universo. E tive que fazer uns ajustes pois estava dando algumas
contradições com o segundo livro, Hegemonia:
Vellanda,
que vou lançar em breve. Eu diria que esta nova versão de O
Herdeiro de Basten é um
livro mais hard do que a primeira versão.
O
mais engraçado é que, com Fáfia:
A Copa do Mundo de 2022,
eu brinquei de profeta para tentar adivinhar como seria o futuro. Mas
com o Hegemonia: O
Herdeiro de Basten, não
tinha essa pretensão. O livro se passa mais de 100 mil anos no
futuro. Mas acabou que agora que relancei, está em alta um dos temas
principais do livro que é o isolamento social, já que boa parte do
livro discute como morar em uma Esfera de Dyson, com um excesso de
absurdo de espaço e com armaduras computadorizadas que permitem uma
autossuficiência.
Isso tornaria os humanos seres muito frios, distantes, sem
interatividade social além do mundo virtual. Era algo que eu
estudava muito em 2002 na primeira versão da história em forma de
conto. Eu ainda estava na faculdade de comunicação. Agora, devido à
pandemia do novo coronavírus, o isolamento social virou uma
realidade distópica presente e isso tem rendido um bom retorno ao
livro.
Em
2022 haverá a próxima Copa do Mundo. Mas você a antecipou em
termos ficcionais com o seu primeiro romance, Fáfia: A
Copa do Mundo de 2022, publicado em 1999. O que você pode
dizer sobre o que especulou neste romance e a provável realidade de
2022? Você pretende relançar o livro para aproveitar o ensejo da
copa?
Sim,
eu planejo também relançar o Fáfia
em 2021. Já até fiz algumas correções no livro, mas realmente me
doeu os olhos em descobrir como o escritor de 22 que escreveu o Fáfia
em 1993 era fraco na hora de estruturar o enredo. Tinha muita coisa
que hoje para mim não fazia sentido. Eu sei que faz parte. Escrever
tem que ser algo contínuo e a gente vai melhorando a cada livro. No
quesito “profecias”, até que acertei muita coisa. Carros
falando, a China caminhando para se tornar a maior potência mundial,
o Brasil sendo campeão mundial mais duas vezes, uma crescente
preocupação com saúde e alimentação, banimento do cigarro e
obrigatoriedade do cinto de segurança, mas não previ o wifi
por exemplo e os hackers
do livro precisam se conectar em cabos telefônicos. Escrevi que o
Brasil teria um grande crescimento econômico,
mas sucumbiria por causa da corrupção e a população acabaria se
revoltando e escolhendo uma opção conservadora, no caso, o país se
tornou uma monarquia
parlamentarista. Estamos atualmente em risco de o país virar uma
monarquia bolsonarista.
Foi
onde eu cheguei mais perto. Mas desde o começo, a intenção era
brincar com essa coisa de você fazer previsões para um futuro
próximo e todo o pacote que vem com isso. Eu achava que erraria bem
mais. Ao menos não coloquei, por exemplo, carros voadores como no
filme De
Volta para o Futuro (1985).
A
minha dúvida era se eu simplesmente relançava com algumas correções
de estrutura ou se eu tentava corrigir as “profecias” que não
deram certo. Acho que isso seria trapaça. Pensei então em colocar o
livro para mais para frente, tipo, 2122. Mas seria perder tempo
demais. Então,
fica do jeito que está, é uma espécie de 90’s punk, como se a
tecnologia do início dos anos 1990 tivesse evoluído. Fáfia
sempre foi meu livro com mais pegada humorística e acho que se
encaixa bem em uma versão alternativa de 2022. Afinal, a gente nem
sabe se vai ter essa Copa. Duvido que hajam eventos esportivos ou
mesmo eventos de massa antes de uma vacina eficaz contra o Covid-19.
Sendo
um autor identificado com a terceira onda da FCB qual sua visão
sobre a condição atual do gênero no país e suas perspectivas, num
cenário que mostra um fandom fragmentado e
autores que publicam, mas continuam pouco notados no contexto
literário brasileiro?
Acho
que a Amazon.com acabou mudando radicalmente o cenário do mercado
brasileiro. Porque tínhamos várias editoras para um mercado muito
restrito. Poucas souberam “jogar o jogo” mas acredito que o
mercado de e-book
está prestes a encerrar a era das editoras e iniciar a era dos
autores. Pela primeira vez o autor está podendo pular etapas e
vender seu livro diretamente para o público e recebendo o dinheiro.
Hoje temo autores pouco conhecidos,
mas que conseguem até se sustentar com dinheiro dos livros, tudo
isso graças a Amazon.com. Acho que o mercado de livros de papel não
vai acabar, mas o e-book
vai ser o predominante em breve.
Para
encerrar nos fale sobre seus próximos projetos.
Assim
que lançar a continuação do Hegemonia
em junho, que vai se chamar Hegemonia:
Vellanda, devo me
dedicar a outro projeto que estou terminando que envolve terror
juvenil com folclore nacional. Algo no qual venho trabalhando também
desde 2010, mas que requer muita pesquisa e esbarrei neste problema.
Porque pesquisa demanda tempo e dinheiro. Eu não tinha nenhum dos
dois. Agora, com a pandemia, eu tenho tempo.
Excelente indicação de obra em tempos de pandemia, distanciamento social e negação científica.
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