A Sombra de Innsmouth (The Shadow Over Innsmouth), H.P. Lovevraft. Organização e
tradução de Guilherme da Silva Braga. Editora Hedra, São Paulo, 2010, 136
páginas.
Esta novela, escrita
originalmente nos meses de novembro e dezembro de 1931, pertence ao ciclo
principal do universo ficcional do autor, o dos “Mitos de Cthulhu”. É um dos seus
trabalhos mais longos e que mais dificuldade encontrou em ser publicado nas pulp magazines, que publicaram a
totalidade de sua obra, principalmente a Weird
Tales. A alegação era de que era uma história muito longa e arrastada com
relação aos acontecimentos, o que não se encaixava no perfil da revista, de
histórias mais curtas e com ritmo mais movimentado. De fato, A Sombra de Innsmouth está entre seus
textos mais longos, inferior apenas ao seu único romance, O Caso de Charles Dexter Ward (1927).
Como nos
informa o tradutor do livro, Guilherme da Silva Braga na introdução da obra,
Lovecraft já havia recebido outras recusas do editor de Weird Tales por causa destas características já vistas em outras histórias,
e resolveu escrever esta novela sem nenhuma preocupação em vê-la algum dia
publicada, mas apenas pelo prazer da criação. Desta forma ela só apareceu pela
primeira vez em abril de 1936 como título próprio, num livreto que circulou no
ambiente dos fãs, editado pela Visionary Publishing Company. A Weird Tales, finalmente a acabou
publicando na edição de janeiro de 1942, quase cinco anos depois de sua morte.
Em todo caso, A Sombra de Innsmouth não traz grandes
novidades com relação à maneira dele contar uma história. Está lá a narrativa
introspectiva em primeira pessoa, a generosa adjetivação de situações, a
construção de uma atmosfera de suspense absolutamente contagiante, tanto no
impacto emocional, como na necessidade quase imperativa de virar a página,
quase que sem possibilidade de abandonar a leitura de uma história contada de
maneira fascinante, embora o conteúdo também seja dos mais instigantes.
Acompanhamos a
história do narrador, um estudante que resolve fazer uma excursão de um dia na
velha, decadente e sombria cidadezinha portuária de Innsmouth. Em tempos idos
tinha sido uma próspera região comercial de pescados, mas depois da Guerra
Civil (1861-1865), entrou num processo crescente de decadência econômica. O que
inculca a cabeça do visitante e dos moradores das cidades vizinhas a ponto de
lhes causar um misto de repugnância e pavor, foram alguns supostos
acontecimentos inexplicáveis que teriam ocorrido anos depois. Um estranho culto,
chamado de “Ordem Esotérica de Dagon” – uma referência a um outro conto do
autor, chamado “Dagon” (1917) – teria sido criado em resposta a uma estranha
comunhão entre os habitantes do vilarejo e inomináveis seres submarinos de
aspectos monstruosos, que emergiriam do chamado Recife do Diabo, uma rocha
próxima a uma das praias da cidade. Em troca do sacrifício de jovens, os
habitantes de Innsmouth conheceram uma súbita prosperidade anos depois. O tempo
passou, alguns eventos igualmente estranhos teriam levado a prosperidade
embora, e ficaram apenas as histórias e lendas sobre o que teria realmente
acontecido a Innsmouth e seus habitantes.
O estudante
chega a Innsmouth e mistura a constatação da visível decadência socioeconômica
com suas próprias noções de civilidade, com uma clara demonstração de
preconceito e racismo a todos os que não são brancos e falantes da língua
inglesa. Transparece aqui as próprias opiniões do autor, reconhecidamente
xenófobo com relação a estrangeiros de todos os lugares que não o do seu mundo
anglo-saxão.
Lá pelas
tantas o estudante conhece um simpático e perturbado senhor de 96 anos que
movido a aguardente, lhe conta em detalhes todas as supostas histórias
horripilantes entre os habitantes de Innsmouth e os seres antigos, –
pertencentes ao panteão de Cthulhu, os Grandes Antigos, que teriam vivido muito
antes na Terra e caído em desgraça por praticar sinistros rituais pagãos, e que
aguardavam o momento propício de retomar a posse do planeta e exterminar a
humanidade. Ainda mais impressionado depois do relato, o estudante fica preso à
noite na cidade, pois o ônibus subitamente para de funcionar. E daí em diante,
num misto de sensações apavorantes, entre o real e o imaginário, o estudante
procura fugir de perseguidores que não queriam que ele revelasse para o mundo
exterior os segredos de Innsmouth.
A força da
história é calcada na subjetividade e fatalidade dos eventos, no clima de
suspense e num limite de terror sempre à espreita criado pelo autor. Contudo, o
final da história é surpreendente, mesmo para aquele que já tem certa
intimidade com as histórias do autor.
A primeira
publicação de A Sombra de Innsmouth
no país foi em 2000, como título próprio, na coleção da editora Campanário. A
partir daí tornou-se presente em várias coletâneas em língua portuguesa. No
Brasil: Dagon (Iluminuras, 2001), O
Mundo Fantástico de H.P. Lovecraft
(Clock Tower, 2013), Os Melhores Contos de H.P. Lovecraft (Hedra, 2014),
Grandes Contos (Martin Claret, 2016), O Medo à Espreita e Outras
Histórias (L&PM, 2016). Em Portugal: O Intruso (Fio da Navalha,
2004) e Os Melhores Contos de Howard Phillips Lovecraft (Saída de
Emergência, 2005).
Esta edição da
Hedra que resenhamos se destaca pelo artigo introdutório e tradução de boa
qualidade, além do acréscimo interessante de uma carta de H.P. Lovecraft, “A
Narração de Histórias, Uma Carta”, explicando seu método de criação, e uma
curiosa árvore genealógica do estudante, explicando um pouco os fatos
perturbadores do seu desfecho.
No contexto do
ciclo de Cthulhu, A Sombra de Innsmouth
é uma obra de boa qualidade ao lado de, entre outros, “O Chamado de Cthulhu”
(1926), “A Cor que Caiu do Céu” (1927), “Um Sussurro nas Trevas” (1930) e “Nas
Montanhas da Loucura” (1931). Apresenta todos os elementos característicos para
se conhecer a prosa e o estilo único de H.P. Lovecraft, ao mesmo tempo, tão
polêmico e influente.
– Marcello Simão Branco
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