sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Vinte mil léguas submarinas

Vinte mil léguas submarinas (20000 leagues under the sea) – EUA, 1954. Produção de Walt Disney. Direção de Richard Fleischer. Roteiro de Earl Felton, com base no romance de Julio Verne. Efeitos especiais de Elmo Williams. Com James Mason, Kirk Douglas, Peter Lorre, Paul Lukas.


         Em criança, com minha família, assisti pela primeira vez, no cinema, ao filme Vinte mil léguas submarinas (20.000 leagues under the sea), de Walt Disney, produzido em 1954. Depois pude reassisti-lo diversas vezes e de diversas maneiras. Ele marcou a minha vida, despertou em mim o amor pela ficção cientifica e pela fantasia.

         Até hoje eu vejo esta extraordinária película como uma cabal demonstração do gênio de Walt Disney, talvez o maior cineasta de todos os tempos e aquele que realizou o maior número de filmes de arte, vale dizer, de obras-primas.
         Trata-se aqui da adaptação de um romance de outro gênio, Julio Verne (Vingt mille lieus sons le mers no original francês), lançado em 1870. Verne é considerado o pai da ficção cientifica, que ele “emendou” com o romance de aventuras e viagens. É bem verdade que, antes de Verne (1828-1905) já existia ficção cientifica — por exemplo, na obra de Edgar Allan Poe (1809-1849), mas não tão copiosa. O romance de Verne, volumoso e cansativo, porém notável, antecipa a invenção do submarino marítimo de longo alcance, pois há notícia de modelos toscos utilizados em rios, na Guerra de Secessão dos norte-americanos.
         Walt Disney produziu 20.000 léguas submarinas com grande requinte. O roteiro de Earl Felton enxugou o romance, propiciando um espetáculo grandioso e sublime, desde a parte técnica (fotografia, cenário, efeitos especiais) à parte moral, passando pela emocional (é eletrizante) e pelas interpretações exemplares do reduzido elenco.
         De fato, importantes na trama são quatro personagens: o Professor Aronnax, oceanógrafo (Paul Lukas), seu assistente Conseil (Peter Lorre), ambos franceses, o arpoador canadense Ned Land (Kirk Douglas) e finalmente o majestoso, sinistro e misterioso comandante do Nautilus, o Capitão Nemo (James Mason). Este foi, provavelmente, o maior papel da carreira de Mason, que está soberbo na interpretação do herói trágico e meio louco, de origem desconhecida — não revelada no filme e no livro, mas sabemos tratar-se de um hindu.
         Nemo é um grande cientista e navegador, com um trágico passado que o torna obcecado por vingança. Preso e torturado pelos colonizadores ingleses, recusou revelar os seus segredos: a energia atômica, que depois moveria o Nautilus. Ao fugir com um grupo de seguidores fiéis, Nemo deixou para trás a família morta (esposa e filho) e tratou de construir o submarino atômico, que usaria para atacar os navios britânicos de guerra ou transportadores de armas, tornando-se assim um terrível “anjo da vingança”.
         Sobre isso a película mostra uma cena antológica quando Nemo, com um olhar ensandecido, comanda a carga do Nautilus contra um navio, até a colisão.
         Aronnax, embora fascinado pelo imenso mundo submarino posto à disposição da sua curiosidade cientifica, não pode concordar com tais procedimentos, e fará o possível para convencer o capitão a disponibilizar os seus conhecimentos para a humanidade, e cessar a sua “jihad”.
         Outra cena antológica — dessas que a gente grava para o resto da vida — é a luta da tripulação do submarino com a lula gigante, o terror dos oceanos. Por ela se vê que na década de 50 já haviam boas trucagens no cinema. Aliás, Walt Disney e sua equipe sempre foram bons em trucagens.
         Ned Land (Kirk Douglas) faz o contraponto humorístico do austero e sombrio Capitão Nemo. Ned faz amizade com a foca de bordo e acidentalmente engole um peixinho em conserva. É também o rebelde da história, que não se conforma com o cativeiro e luta pela liberdade, bem mais que Aronnax e Conseil.
         Vinte mil léguas submarinas é um épico grandioso que se sustenta na fatídica figura do Capitão Nemo. E em seu final trágico, quando Nemo agoniza ao ser mortalmente baleado, resta uma profecia de esperança: de que aqueles segredos científicos, que se perdem com Nemo, serão um dia descobertos pela humanidade, “quando a Deus aprouver”.
Miguel Carqueija

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