Aventuras de Gulliver.
Peça de teatro baseada no romance As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift.
Escrita e dirigida por Dario Uzan, da Companhia Articularte, São
Paulo. Lançada originalmente em 2010.
Lemuel
Gulliver é um jovem destemido em busca de novas experiências e aventuras. Deixa
a Inglaterra e singra os mares, mas não contava com os contratempos do destino.
Em decorrência de uma forte tempestade, o navio naufraga e ele vai parar numa
ilha desconhecida chamada Lilliput. Partindo desta premissa do clássico As Viagens de Gulliver (Gulliver´s Travels), do escritor irlandês
Jonathan Swift, escrito em 1726, a Companhia Articularte de Teatro apresenta
uma visão muito particular deste romance de viagens, que originalmente buscou
satirizar os costumes políticos e científicos do século XVIII.
Gulliver
descobre que Lilliput é habitada por pessoas muito pequenas, com apenas seis
centímetros de altura!, e passa a conviver com os problemas da sociedade local,
envolta em sérias divergências políticas. Gulliver resolve não tomar partido,
procurando arbitrar os problemas entre os grupos rivais – no caso, a intenção
do autor era criticar os ingleses e os franceses. A esta proposta séria do
autor, a peça prioriza o aspecto lúdico, com Gulliver resolvendo problemas do
cotidiano dos pequeninos. E é justamente neste contraste que a peça tem um dos
seus grandes momentos de realização, ao contrapor o ator que protagoniza
Gulliver com os vários bonecos que representam os habitantes da ilha. Este
trecho impulsiona mesmo o interesse pelo restante da peça, por causa do bom
resultado desta interação, complementado por uma cenografia agradável e
criativa.
Como se sabe, o
romance é dividido em quatro partes, mas a peça enfoca os dois primeiros, daí o
motivo de chamar Aventuras de Gulliver.
Na segunda parte, o herói deixa Lilliput, adentra o mar novamente, mas encontra
uma nova ilha, chamada de Brobdingnag – o nome esquisito não é fortuito, pois
serve apara acentuar outra realidade. Diferentemente do que viveu em Lilliput,
agora Gulliver é que é um pequeno ser frente aos gigantescos habitantes da nova
ilha. Ele é capturado e passa a viver numa família sob os cuidados de uma
menina. Explorado por um pai malvado até a exaustão, é vendido para servir de
atração junto às pessoas desta sociedade. Até que a rainha intercede ao seu
favor e ele ganha o mar novamente, desta vez para voltar à sua casa – que,
aliás, também é uma ilha!
Nesta segunda
parte, o objetivo de Swift era ridicularizar a suposta “grandeza” de saber dos
cientistas – que não trazia, em sua opinião, benefícios concretos à sociedade
–, mas na peça a relação enfatiza um aspecto mais social, da exploração e
humilhação de um estrangeiro em uma sociedade aparentemente mais poderosa.
Claro que esta interpretação subjaz no subtexto da trama, pois em si ela mantém
o aspecto prioritário do entretenimento e com isso, consegue agradar tanto as
crianças pela diversão e imaginação, como ao adulto pela sugestão crítica
embutida.
Vale ressaltar
o estilo do texto, na adaptação feita pelo diretor, Dario Uzam. Muito saboroso,
ao priorizar as rimas, os provérbios, os ditos populares, as advinhas e os
limeriques, o texto confere um misto de encantamento e estranhamento, além de
sublinhar um efeito de distanciamento imagético que torna mais verossímil a
proposta, especialmente se encarada do ponto de vista infantil, teoricamente
mais aberto à imaginação irrestrita.
Embora este
romance de Swift seja muito conhecido, com várias adaptações na TV e no cinema,
o olhar da Cia. Articularte tem seu mérito próprio, ao despertar um interesse diferenciado
nos pais e nos filhos, cada um do seu ponto de vista. Além disso é um
espetáculo teatral de entretenimento efetivo, seja pela qualidade do texto,
seja pela boa dramaturgia posta em cena pelos atores e os muitos bonecos, cada
um deles uma atração à parte no desenrolar da história.
–
Marcello Simão Branco
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