Nos anos 1990, a Editora Abril Jovem – que então dominava o mercado brasileiro de histórias em quadrinhos – arriscou a publicação de novelizações de alguns dos personagens mais famosos que então publicava. Distribuiu três ou quatro edições com contos e noveletas escritas por bons autores, entre eles nomes importantes da ficção científica americana. Mas as histórias provaram ser desinteressantes tanto para os leitores habituais de quadrinhos quanto para os que gostam de romances e a proposta não foi além*.
Pouco tempo depois, o quadrinhista paraibano Emir Ribeiro começou a publicar novelizações das aventuras de suas personagens no personalzine Zat! Argumentava que era uma forma apresentar organizadamente as histórias mais antigas para os leitores novos que não as conheciam, e também para experimentar a evolução e a cronologia das tramas ainda não desenhadas.
Parte desse material chegou a ser distribuído também pela internet com muito sucesso entre os leitores, que apreciam principalmente a sua personagem mais famosa, a super heroína Velta, uma beldade de cabelos louros longuíssimos e roupas sumárias, que dispara raios elétricos nos seus inimigos. Publicada nos fanzines há mais de quarenta anos, Velta chegou a ganhar edições profissionais por várias editoras e, assim, ampliou ainda mais seu grupo leitores de fiéis.
Em 2003 Emir publicou, por sua própria conta, uma pequena tiragem semi-artesanal de uma antologia com os primeiros contos da Velta, que vendeu pelo correio diretamente aos interessados. Em 2005, decidiu investir em mais um volume, desta vez com novelizações de outra de suas personagens, a androide Nova, criada em 1978. Nova vive no mesmo universo ficcional de Velta e muitas vezes o autor promoveu encontros entre as duas personagens, prática comum nos quadrinhos de super heróis. Este livro não foge a regra.
Nova é uma rica brasileira de 22 anos que se vê acometida por uma doença incurável e sua única alternativa de sobrevivência está num tratamento radical em Zurique, Suíça, para o qual se candidata. O cientista que realiza o procedimento é um russo que perdeu a esposa na Polônia em 1969 e, desde então, em homenagem a falecida, dedica-se a construir um corpo artificial com o qual pretende salvar a vida de alguém que esteja em fase terminal. O tratamento é um sucesso e Nova não apenas livra-se da doença, mas ganha poderes sobre-humanos, tais como super-força, visão microscópica e capacidade de voar, todos contidos no seu corpo sintético que, além de tudo, recria a imagem de uma ruiva linda e sensual. Porém, o cientista não sobrevive a sua criação. Acossado por terroristas internacionais que lhe financiavam as pesquisas, antes de morrer despacha a melhorada Nova de volta para o Brasil. No voo de regresso, Nova vê matérias de revistas com Velta, detetive bonita e admirada, e sente inveja da fama fácil da loura.
Assim que chega à Santos, sua cidade natal, Nova descobre que Velta também está ali e decide experimentar os limites de seus poderes enfrentando a super-heroína. Depois de ridicularizá-la em público ao resgatar um barco naufragado no Porto de Santos, Nova persegue Velta e ambas lutam ferozmente nas ruas de Belo Horizonte. Nova perde o combate e fica muito danificada. Agora ela precisa encontrar alguém que possa consertar seus circuitos para, depois, reatar os laços familiares que abandonou ao ir para a Europa e reassumir seu espaço na sociedade. Mas o perigo e a violência não vão deixá-la sossegada.
Como se vê, é preciso dar algum crédito à história para aproveitar a leitura. Os componentes dramáticos são típicos dos quadrinhos e não funcionam bem na forma novelizada. Implausibilidades que nos quadrinhos são toleráveis, no texto ficam muito expostas. Somente quem está acostumado com a leitura de histórias em quadrinhos de super heróis vai ter alguma facilidade para entrar no clima da narrativa.
Emir Ribeiro não é um escritor e provavelmente não tem a intensão de ser. Ele não domina as ferramentas de narração literária e o texto apresenta muitos cacoetes de de roteiro, com descrições rápidas e imprecisas que afastam o leitor da história.
As novelizações parece ser apenas uma brincadeira do autor para com seus leitores mais contumazes e, para isso, parece ter o tratamento adequado. Mas caso o autor pretenda uma demanda para além das fronteiras dos leitores de fanzines e de quadrinhos, é preciso evoluir o tratamento do texto. Mas, a vista dos resultados das novelizações profissionais citadas no início do artigo, talvez isso não seja o suficiente.
— Cesar Silva
*A partir de 2014, esse mesmo tipo de publicação voltou às livrarias por iniciativa de diversas editoras que tentam assim aproveitar o crescimento do mercado de literatura jovem adulta e, principalmente, os lançamentos nos cinemas e na tv com os desgastados personagens dos quadrinhos.
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