O ano de 2021 abre com uma novidade auspiciosa: o lançamento, nos cinemas japoneses, do primeiro épico de animação da história do cinema: “Sailor Moon Eternal, the movie” (A Eterna Sailor Moon, o filme). Produção da Toei de 2020, com assinatura de Naoko Takeushi, divide-se em duas partes: a Parte 1 estreia, conforme já marcado, em 8 de janeiro; a Parte 2 em 11 de fevereiro. No total, perto de três horas de projeção.
A saga se baseia em histórias em quadrinhos escritas e desenhadas por Naoko Takeushi na década de 1990. O fato de a própria criadora encontrar-se na produção da película garante uma grande fidelidade em relação ao mangá original.
É verdade que, pelo conteúdo e clima, “Nausicaa do Vale do Vento”, de Hayao Miyazaki (1984) e “A bela adormecida”, de Walt Disney (1958) podem ser considerados filmes épicos, mas aqui estou considerando o tamanho, ou seja, o tempo de projeção, e a divisão em duas partes, o que dá um aspecto mais grandioso. Ao longo do século 20 e já no atual, diversas películas enquadraram-se nesse critério, sendo que algumas eram apresentadas de uma vez na sala de projeção, porém na metade o filme era interrompido, aparecia na tela “intervalo” e o público podia sair para ir ao banheiro ou à sala de espera lanchar ou comprar lanche, pois muita gente come mesmo dentro do cinema (em geral bobagens como pipoca e refrigerante).
Este é o caso 1. O caso 2 é o de obras cujas duas partes são lançadas separadamente, por vezes em anos diferentes.
Doutor Mabuse (2)
E o vento levou (1)
Ivan, o Terrível (2)
Os Dez Mandamentos (1)
Grand Prix (1)
Ben-Hur (1)
Spartacus (1)
A volta ao mundo em oitenta dias (1)
Jesus de Nazaré (2)
Harry Potter e as relíquias da morte (2)
Como se vê, são todos filmes de ação viva, com artistas de carne e osso. “Sailor Moon Eternal”, que entra no caso 2, por ser o primeiro desenho épico, representa portanto, só por isso, uma revolução no cinema. Acresce que, como podemos ver nas vinhetas que a Toei já liberou e se encontram no Youtube, a qualidade estética e gráfica da animação é de primeira, muito superior à série animada da Sailor Moon dos anos 90. É melhor também que a série “Sailor Moon Crystal” da década que acaba de se encerrar. E não é apenas por se tratar de fita de cinema: nos últimos trinta anos muitas animações japonesas têm sido primorosas, mesmo assim “Sailor Moon Eternal” extrapola em belza e detalhismo.
Especula-se o destino desta obra grandiosa após o lançamento oficial em terra japonesa. Está problemático o lançamento nos cinemas pelo mundo afora, por causa da crise sanitária (que está bem menos grave no Japão que em muitos outros países) mas já se fala que a saga irá para a Netflix. Eu preferia que pudesse ser possível assistir nos cinemas brasileiros. Mas nem sempre pode ser como a gente quer.
Falemos um pouco agora do enredo de “Sailor Moon Eternal” e sua mensagem de amor.
A película se baseia na fase do Circo Negro, que eu já conheço pelo mangá. Não sei até que ponto o filme é o mangá, pois mesmo com fidelidade e estando Naoko na produção, o cinema tem a sua própria linguagem, diferente dos quadrinhos. Eis os personagens principais:
Usagi Tsukino (Serena na versão americana), a Sailor Moon, também conhecida como a Princesa da Lua Branca e a Guerreira do Amor e da Justiça. É a herdeira do extinto Reino Lunar (o Milênio de Prata) e a portadora do Sagrado Cristal de Prata, uma arma divina.
Mamoru Chiba (Darien na versão americana), também conhecido como Tuxedo Mask (Mascarado de Fraque) e Príncipe Endymion. O amor milenar de Serena. Há dezenas de milhares de anos, ele e a Princesa da Lua juraram amor eterno, e morreram na catástrofe que destruiu o Milênio de Prata (Naoko Takeushi, antes de ser desenhista, foi sacerdotisa xintoísta, daí a ideia de reencarnação e outros aspectos místicos da história; o Xintoísmo é a principal religião do Japão).
Sailor Marte (Hino Rei), o “alter ego” de Naoko Takeushi, é aprendiz de “miko” (sacerdotisa) num templo xintoísta.
Sailor Mercúrio (Ami Mizuno), a intelectual do grupo, vive lendo e tira as melhores notas co colégio.
Sailor Júpiter (Makoto Kino), mesmo sendo lutadora de caratê é doce e doméstica, boa em culinária e arrumação.
Sailor Vênus (Aino Minako), a precursora, já agia antes do despertar de Sailor Moon e é considerada a “sailor” da beleza.
(“Sailor” quer dizer marinheira ou navegante, título que provavelmente vem do poder que elas têm de viajar no espaço por teleporte e sem nave espacial.)
Chibiusa, a Pequena Dama (Ríni na versão americana). Filha de Usagi e Mamoru, mas nascida num futuro indeterminado, depois que ambos se casarem. Ela veio do futuro numa emergência e acabou ficando por tempos. É uma graça de menina.
Luna, a gatinha preta de Sailor Moon, que fala e orienta a heroína.
Artêmis, o gato branco, também falante, de Minako.
Neherenia, a Rainha da Lua da Morte, a Lua por trás do espelho, inimiga da Rainha Serenity do Milênio de Prata (a mãe original de Sailor Moon); espécie de versão da Lilith da lenda judaica, ou seja o demônio feminino que habita o lado oculto da Lua.
Zirconia, a bruxa, poderosa ajudante de Neherenia.
Pégasus ou Hélios, o unicórnio branco alado que pode assumir forma humana, consta que vem do Paraíso e é, além disso, o protetor dos sonhos das crianças; no começo do filme ele pede ajuda a Sailor Moon e Chibiusa, pois sabe que Neherenia quer se apossar dele e do poder sobre os sonhos infantis.
De fato, no começo desta saga Usagi, Mamoru e Chibiusa estão observando um eclipse solar quando o Pégasus aparece e logo em seguida some, por ser apenas uma projeção. A Princesa da Lua Branca ainda não sabe, mas, aproveitando a sombra da Lua sobre a Terra, o Circo Negro está vindo em direção ao Japão. E a Terra está em grande perigo: um Mal ancestral e poderoso despertou.
Os acontecimentos logo se precipitam. O mundo cai sob um grande pesadelo, a escuridão se espalha, uma rede invisível vai amortalhando a humanidade. Surge uma doença misteriosa (!) que se alastra. O que realmente aconteceu é que Neherenia rompeu o lacre que há milênios a mantinha presa na Lua Nova e agora desce à Terra sedenta de poder e vingança. Entre as suas habilidades está o de aparecer nos espelhos (sua base é um grande espelho enfeitiçado) e induzir pesadelos nas pessoas, dominando as suas mentes (não funciona com a Sailor Moon).
Somente as sailors identificam o que está acontecendo e partem para o confronto com as forças malignas que ameaçam dominar o planeta.
Convém esclarecer a quem não saiba que Sailor Moon e suas companheiras são heroínas doces e amáveis, ingênuas e desprovidas de agressividade, são basicamente bondosas. Diferem radicalmente do caráter violento, duro e sinistro dos super-heróis norte-americanos. Sailor Moon está na contra-mão do culto à violência. Ela representa a exaltação de valores como a meiguice, o amor, a lealdade, a compaixão, a coragem e o senso de dever e de justiça. E também é recatada, sendo capaz de enrubescer em certas situações.
De fato Sailor Moon não dá golpes, não odeia os inimigos e, podendo, até os purifica. É humilde, ingênua e super-bem intencionada. Luta com os poderes da Luz empunhando o cetro lunar, a tiara lunar e o broche de transformação com o cristal de prata. Os signos cristãos, além dos xintoístas, acompanham a personagem, que assume o caráter de Messias. Portanto, longe do festival de brutalidade dos filmes de super-heróis norte-americanos, “Sailor Moon Eternal” trata da eternidade do Bem e mostra a luta entre o Bem e o Mal, entre a Luz e as Trevas.
Este filme vai dar muito o que falar.
— Miguel Carqueija
Rio de Janeiro, 1° de janeiro de 2021.
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