segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Sete Mortes Nos Olhos de um Gato (La Morte Negli Occhi del Gatto, Itália / França / Alemanha Ocidental, 1973)


“Quando um MacGrieff é morto por alguém de seu próprio sangue, não morre, mas torna-se vampiro, para vingar a própria morte.”

Numa co-produção de três países europeus, Itália, França e Alemanha Ocidental (na época ainda não era unificada), e direção de Antonio Margheriti (creditado como Anthony M. Dawson), “Sete Mortes Nos Olhos de Um Gato” (La Morte Negli Occhi del Gatto, 1973) é um daqueles divertidos filmes com mortes misteriosas e  investigação policial numa ambientação típica de horror gótico e maldição familiar.
Uma antiga e tradicional família do interior da Escócia, os MacGrieff, cujo brasão mostra um temível vampiro, vive num imenso castelo chamado “Dragonstone”, uma construção de pedras localizada no alto de um penhasco, constantemente cortada por ventos uivantes. A proprietária Lady Mary (a francesa Françoise Christophe) está falida e precisa de dinheiro para manter o castelo, aconselhada a vender o imóvel pelo Dr. Franz (o alemão Anton Diffring), médico da família. Ele está cuidando do jovem Lord James (o americano Hiram Keller), filho de Lady Mary, recluso e considerado doente, perturbado com o tratamento que recebe, e com um passado sinistro envolvendo a morte suspeita de sua irmã quando criança.
No castelo ainda vive como hóspede a bela Suzanne (a alemã Doris Kunstmann), contratada como professora de francês, mas que tem atitudes suspeitas e objetivos obscuros. Além do serviçal Angus (o italiano Luciano Pigozzi, creditado como Alan Collins), o mordomo Campbell (o alemão Konrad Georg, creditado como George Korrade) e sua esposa Janet (a italiana Bianca Doria). Outros convidados são Lady Alicia (a italiana Dana Ghia), a irmã rica de Lady Mary, que costuma passar as férias no castelo, mas não quer emprestar dinheiro para salvar a irmã falida, e o padre Reverendo Robertson (o italiano Venantino Venantini), que costuma visitar o castelo representando a igreja católica e para manter as relações políticas com o que restou da nobre família MacGrieff.
Para aumentar a lista de hóspedes chega ao castelo também a bela jovem Corringa (a inglesa Jane Birkin), uma estudante recém-expulsa de um colégio de freiras, filha de Lady Alicia. Ela chega sem avisar e surpreende todos. Porém, o ambiente torna-se conturbado quando começam a ocorrer assassinatos misteriosos no interior do imenso castelo, repleto de quartos escuros e passagens secretas, todos testemunhados pelos olhos de um gato amarelo que pertence à família (daí o título do filme).
A série de mortes desperta a atenção da polícia local, com a investigação do inspetor (o francês Serge Gainsbourg) e todos são considerados suspeitos, especialmente os membros da família MacGrieff, historicamente atormentados por uma lenda que diz que depois de assassinados, eles transformam-se em vampiros, voltando do túmulo para vingar suas mortes.
  “Sete Mortes Nos Olhos de Um Gato” tem um título sonoro, ideia bastante utilizada no cinema fantástico italiano da década de 1970. E temos uma mistura de história policial envolvendo mortes misteriosas, com horror gótico no melhor estilo desse fascinante sub-gênero, não faltando a tradicional maldição familiar com a especulação constante de motivações sobrenaturais de lendas e folclores obscuros para justificar os acontecimentos macabros.
Temos aquela divertida atmosfera gótica com seus elementos tradicionais, mortes estranhas, os olhos de um gato como testemunha, clima de conspiração entre os suspeitos variados, e até um gorila adquirido de um circo, para servir de criatura oculta nas sombras aumentando a tensão no interior do castelo.
O elenco é internacional, com representantes de vários países. O cineasta italiano Antonio Margheriti (1930 / 2002) é conhecido pela carreira repleta de divertidas bagaceiras do cinema fantástico, geralmente utilizando o pseudônimo Anthony M. Dawson. De seus incontáveis filmes podemos citar “Destino: Espaço Sideral” (1960), “O Planeta dos Desaparecidos” (1961), “A Mansão do Homem Sem Alma” (1963), “Dança Macabra” (1964), “Carne Para Frankenstein” (1973), “Cannibal Apocalypse” (1980), “Yor, o Caçador do Futuro” (1983), e “Alien From the Deep” (1989), entre outros.

“Quando um gato segue o caixão, o falecido é um vampiro.”

(Juvenatrix – 29/01/18)

O Avatar

O Avatar (The Avatar), Poul Anderson. Publicações Europa-América, coleção FC nos. 11 e 12. Tradução de Américo de Carvalho. Volume 1: 200 e Volume 2: 185 páginas. Portugal, 1980 e 1981. Publicado originalmente em 1978.

Peguei para ler nestas férias o romance O Avatar, de Poul Anderson. Já o olhava lá na estante há tempos, mas a letra minúscula me desestimulava. Contudo, no almoço de fim de ano do Clube de Leitores de Ficção Científica, em São Paulo, Fritz Peter Bendinelli me disse que ultimamente estava lendo (ou relendo) bastante Poul Anderson. Fiquei com aquilo na cabeça, e lembrei de O Avatar. Seria o momento ideal, pois agora teria mais tempo para leitura e durante o dia, e levei os dois volumes comigo por terras do interior do Rio de Janeiro e da Bahia. Apesar do sol forte e das praias convidativas não é que um bom livro de FC conseguiu rivalizar em meu prazer e interesse?
Escritor vinculado à corrente hard da FC, Poul Anderson (1926-2001) publicou algumas das mais notáveis obras neste segmento do gênero. Talvez a de maior impacto foi Tau Zero (Idem, 1970), romance de espaço profundo que mostra uma nave que, em busca de colonizar um planeta distante, ao se deparar com uma nebulosa, passa a acelerar de forma descontrolada rumo à velocidade da luz. É uma das melhores descrições e ambientações que já li sobre os detalhes de operação de uma espaçonave, os problemas de sua tripulação, em uma aventura cósmica de tirar o fôlego.
Contudo, Anderson desce de qualidade quando tentou abordar no contexto de FC uma temática mais política, expondo, muitas vezes, preconceitos e opiniões francamente belicistas e conservadoras. É o caso, por exemplo, do polêmico Fugindo do Caos (Twilight World, 1961) que defende abertamente as estratégias norte-americanas de combate ao comunismo, num cenário de pós-holocausto nuclear.
Assim, quando livre de suas abordagens ideológicas e mais voltado à especulação científica Anderson atinge grandes momentos. E é nesta linha que se situa este O Avatar (1978), uma história fascinante sobre os efeitos do contato com uma civilização tecnologicamente superior e as maravilhas do universo. De fato, poucas vezes li reunido num único romance tantas ideias e situações interessantes para o futuro da presença humana no espaço sideral.
Não fica muito claro, mas a ação se desenrola em um futuro não muito distante, entre o final do século XXI ou meados do XXII.  A humanidade explora o Sistema Solar quando, para sua surpresa, descobre a presença de um portal interestelar, instalado por uma civilização alienígena chamada de Os Outros. Eles não se revelam diretamente, mas deixam informações sobre como utilizar o portal, a Máquina T. Ela permite dar um salto de centenas, milhares ou milhões de anos luz sem precisar percorrê-los diretamente. Dando um salto, de um ponto a outro, driblando, por assim dizer, as limitações da velocidade da luz.
Mas, afinal, quem são Os Outros? Por que colocaram o portal estelar no Sistema Solar? O que querem conosco? Perguntas que causaram um enorme impacto político, cultural e tecnológico em toda humanidade.
O fato é que a chegada de Os Outros causou uma profunda divisão na Terra. Um segmento majoritário passou a defender com entusiasmo que agora era o momento propício para o início de uma aventura interestelar, tendo como principal motivação a busca de respostas para algumas das perguntas acima formuladas. Um outro segmento, politicamente influente, receava a expansão humana junto às estrelas, pedindo cautela e prioridade para a resolução dos muitos (e novos) problemas surgidos a partir da descoberta dos extraterrestres. Isso porque, esta revelação de vida inteligente – e ainda por cima com grande poder tecnológico –, como dito acima, causou grande controvérsia e distúrbios de ordem política e cultural na Terra.
Passou-se por um período chamado de Perturbações, com tentativas de mudança de poder no interior de vários países, especialmente os subdesenvolvidos. Várias nações declararam independência, aconteceram muitas guerras civis. Até se reconstruir uma nova ordem geopolítica com um governo mundial federativo e descentralizado. De forma surpreendente Anderson desenvolve pouco sobre os desdobramentos deste novo contexto político. Afinal quais seriam os detalhes a explicar a motivação de vários povos, a partir da descoberta de vida inteligente alienígena, por lutar por autonomia? Não ficou muito claro.
A narrativa nos situa quando a nave Emissário – um belo nome para uma nave espacial – volta de uma missão exploratória através de um salto na Máquina T. Exploratória sim porque a humanidade já havia utilizado o portal. Mas orientado pelos alienígenas que indicaram as coordenadas para a chegada num novo sistema estelar com um planeta propício à vida humana. Assim foi estabelecida uma colônia bem-sucedida em Demeter, da estrela Febo, distante algumas dezenas de anos-luz da Terra.
Já a missão da Emissário, cercada de grande polêmica, visava, explorar livremente as possibilidades da Máquina T, com grande risco, inclusive, de não mais retornar. Mas em uma missão que durou oito anos para os tripulantes, e apenas alguns meses na Terra, a nave volta. E com novidades. Foi encontrada uma nova civilização alienígena, com um patamar científico-tecnológico semelhante ao nosso, os betanos, do planeta Beta, da estrela Centrum, situado há alguns anos-luz da Terra. Estes alienígenas já se encontram, contudo, num estágio mais avançado de experimentação da Máquina T e, curiosos, enviam um representante para fazer contato com a Terra.
Um grupo clandestino no interior de postos importantes de poder intercepta a volta da Emissário e a aprisiona, junto com a tripulação, numa estação espacial desativada. A tripulação fica incomunicável e a mudança da rotina da estação, bem como uma movimentação incomum de naves entre a Terra e Demeter, provoca uma suspeita num dos líderes políticos do planeta colonizado, levando-o a organizar uma missão secreta até a Terra para desvendar o possível mistério.
O livro publicado pela Europa-América foi dividido em dois volumes e, coincidência ou não, no primeiro temos o contexto geral e a disputa política, e no segundo vai para outro rumo, ao assumir de forma espetacular a exploração espacial como tema principal. Isso porque a nave rebelde Chinook, liderada por Daniel Brodersen, na tentativa de fugir de naves perseguidoras adentra na Máquina T e se perde sem rumo pela galáxia.


Com isso cada capítulo é uma história à parte, com as aventuras da tripulação em um novo recanto da Via-Láctea. Aqui Anderson vai longe e brinda o leitor com vários momentos de suspense e sense of wonder, além de especulações científicas ousadas, quase que na fronteira com a fantasia. Situações como quando descobrem uma espécie inteligente vivendo na superfície de um pulsar (!); quando se aproximam perigosamente de um buraco negro super massivo no núcleo da nossa galáxia; ao conhecerem uma espécie inteligente no interior de um planeta líquido, semelhantes a cachalotes que tentam se comunicar por ondas sonoras; ao descerem num planeta – sugestivamente chamado de Pandora – onde encontram as ruínas de uma civilização tecnológica, mas habitado por uma espécie que vive nas selvas. O que torna estas aventuras interessantes é que são narradas com muita acuidade e verossimilhança, mostrando que Anderson tem intimidade com os assuntos.
Além disso, e talvez com menos densidade, discute também os problemas existenciais e psicológicos da tripulação, inerentes a uma viagem pelo espaço, ainda mais com grande risco de jamais voltarem para casa. Por outro lado, isto permite uma liberdade maior de comportamento, especialmente do ponto de vista sexual, com homens e mulheres partilhando uns dos outros sem grandes problemas afetivos ou de ciúmes.
Mas quem, afinal, são Os Outros? E, mais ainda, a que se refere o avatar do título? Como era de se esperar, estas respostas estão no clímax do romance, quando finalmente os nove tripulantes da Chinook fazem contato com a supercivilização alienígena responsável por espalhar os portais interestelares galáxia afora. Um dos objetivos seria estudar e acompanhar o desenvolvimento das espécies inteligentes que mostraram capacidade tecnológica para chegar ao espaço, mas não apenas este e nem o mais importante. O contato e a revelação permitirá uma chance de reconciliação e consenso entre a humanidade.
Como diz a epígrafe na capa, O Avatar é “uma aventura apaixonante para lá do espaço e do tempo”. Sim, é um romance de ficção científica de mão-cheia, que se lê com prazer e renovado interesse a cada página.


– Marcello Simão Branco

domingo, 21 de janeiro de 2018

Contos da Escuridão (Tales of Tomorrow, EUA, 1951 / 1953, PB)


 “Contos da Escuridão” (Tales of Tomorrow, EUA, 1951/53) foi uma série de televisão com fotografia em preto e branco, produção de baixo orçamento, apresentando antologias de episódios independentes com aproximadamente trinta minutos de duração. Eram histórias básicas de ficção científica, encenadas pelos atores, sem gravações e transmitidas ao vivo pela televisão. Os elencos contavam com muitos atores que já eram conhecidos na época ou que se tornaram bem sucedidos nas carreiras que se seguiram. É considerada a primeira série de TV americana a tratar especificamente o tema da ficção científica, sendo seguida por outras similares extremamente cultuadas pelos fãs, como “Além da Imaginação” (The Twilight Zone) e “Quinta Dimensão” (The Outer Limits).
A série teve duas temporadas, sendo que a primeira entre 1951 e 1952 teve 42 episódios, e a segunda, entre 1952 e 1953, teve 43 episódios. No Brasil, foram lançados apenas três episódios num único DVD, através da antiga “Works” (também conhecida por “Dark Side”), que está fora de catálogo há muito tempo. Os episódios são “Frankenstein”, “O Ovo de Cristal” e “Encontro em Marte”. Também tive acesso ao episódio “The Evil Within”, baixado do blog “Cine Space Monster” e legendado em português.
Pelo título escolhido no Brasil, vale ficar atento para não confundir com outra série de mesmo nome, “Tales From the Darkside” (1983 / 1988), e que também teve um filme em 1990, no formato de antologia com três histórias.
Seguem comentários e curiosidades sobre esses quatro episódios citados, de uma série rara, divertida e altamente recomendada para os apreciadores e colecionadores das nostálgicas bagaceiras do cinema fantástico de meados do século passado.


Frankenstein
A famosa obra literária de Mary Shelley, adaptada à exaustão pelo cinema, também foi utilizada para a produção do episódio homônimo “Frankenstein”, que traz Lon Chaney Jr. no papel do monstro criado artificialmente a partir de restos de cadáveres, pelas mãos e mente brilhante do cientista Victor Frankenstein (John Newland). Porém, ao despertar para a vida pela ação de eletricidade e aparelhos científicos complexos e bizarros, a enorme criatura deformada fica confusa e não entende sua condição de monstro feito de partes de corpos humanos mortos e age com violência e irracionalidade, colocando em risco a vida da noiva do cientista, Elizabeth (Mary Alice Moore) e de seu pai (Raymond Bramley), além dos empregados, Matthew (Farrell Pelly) e Elise (Peggy Allenby), que trabalham no imenso castelo do século XVI isolado no meio de um lago, onde o cientista montou seu laboratório.
Como o episódio foi apresentado ao vivo pela televisão, existe uma curiosidade sobre a participação de Lon Chaney Jr., ator mais conhecido como o lobisomem no clássico da “Universal” de 1941, e por diversas outras bagaceiras do cinema fantástico. Ele estaria bêbado em cena, não percebendo que estava ao vivo no cenário, e uma vez pensando se tratar de apenas um ensaio, teve o cuidado de não quebrar uma cadeira que deveria ser arremessada no chão, levantando-a para o alto com força excessiva e depois colocando em seu lugar novamente com cuidado, mantendo-a intacta. Essa cena é claramente perceptível.


O Ovo de Cristal
O escritor inglês H. G. Wells é um dos grandes nomes da literatura de ficção científica, com vários de seus livros e contos transformados em filmes cultuados como “A Guerra dos Mundos”, “A Máquina do Tempo”, “A Ilha do Dr. Moreau”, “Os Primeiros Homens na Lua”, “O Homem Invisível”, “Daqui a Cem Anos”, “Viagem à Lua”, etc.
Sua obra também inspirou a produção do episódio “O Ovo de Cristal”, onde um cientista renomado, Prof. Frederick Vaneck (Thomas Mitchell) recebe a visita do dono de um antiquário, Sr. Cave (Edgar Stehli), que lhe traz um misterioso artefato, um “ovo de cristal”, para ser analisado e avaliado, depois que um homem estranho, Walker (Gage Clark), demonstrou um interesse incomum em comprá-lo a todo custo. Após trabalhar por incontáveis horas estudando o objeto, o cientista acaba ficando obcecado por seus mistérios depois que consegue visualizar através dele a superfície de outro planeta, e de descobrir que estamos sendo observados por marcianos.
O ator Thomas Mitchell já era muito experiente e conhecido na época, tendo participado de clássicos como o western “No Tempo das Diligências”, o drama “... E o Vento Levou” e o horror “O Corcunda de Notre Dame”, todos de 1939. Esse episódio tem uma história muito interessante ao abordar o mistério por trás do ovo de cristal e sua relação com uma conspiração alienígena, destacando a cena onde um marciano tosco típico do cinema bagaceiro do período está espionando a Terra.


Encontro em Marte
Um grupo de três astronautas viaja pelo espaço sideral até Marte numa missão de exploração de minérios, descobrindo grande quantidade de urânio, extremamente valioso e que os deixaria ricos na Terra. O grupo é formado pelo piloto da nave Capitão Robert (Leslie Nielsen), Bart (William Redfield) e Jack (Brian Keith). Eles encontram um planeta árido coberto por arbustos estranhos e pedras para todos os lados, e aparentemente sem pessoas ou vida inteligente, com um incômodo e constante uivo de fortes ventos. Sem os monstros verdes de olhos esbugalhados e fogo saindo da boca, idealizados pela cultura popular. Porém, começam a ocorrer graves crises de relacionamento entre eles, com brigas, discussões e acessos de loucura e violência, evidenciando características típicas da raça humana como ganância e desconfiança, levando o grupo para um fim trágico.
O ator canadense Leslie Nielsen estaria depois no clássico “Planeta Proibido” (1956), um dos mais importantes filmes da história do cinema de FC, e curiosamente muitos anos mais tarde seu nome seria eternamente relacionado ao gênero comédia, com uma infinidade de títulos na carreira como “Apertem os Cintos... o Piloto Sumiu”, “Corra Que a Polícia Vem Aí”, “Drácula – Morto, Mas Feliz”, “Mr. Magoo”, “2000.1 – Um Maluco Perdido no Espaço”, etc.      


The Evil Within
O cientista Peter (Rod Steiger) está trabalhando arduamente num soro especial que estimula os sentimentos ruins internos das pessoas. Sem testar ainda em seres humanos, ele traz o experimento para casa para mantê-lo refrigerado, uma vez que a geladeira de seu laboratório quebrou. Em casa, sua esposa dedicada Anne (Margaret Phillips) está incomodada com a vida solitária, sem a atenção do marido ocupado com o trabalho científico, e reclama da situação desconfortável no casamento. As coisas se complicam ainda mais depois que um acidente fez com que ela ingerisse um pouco da poção química sem perceber e seu comportamento e personalidade transformaram-se, trazendo à tona o seu “mal interno” do título. Agora, o cientista precisará encontrar um antídoto para salvar a esposa.
Esse episódio lembra a ideia básica de “O Médico e o Monstro”, livro de Robert Louis Stevenson que foi adaptado incontáveis vezes no cinema. O ator James Dean, que fez uma participação minúscula como Ralph, o ajudante do cientista, teve uma carreira curta falecendo num acidente de carro em 1955, apenas com 24 anos de idade. Ele já era um ator cultuado, apesar de muito jovem, por participações em clássicos como “Juventude Transviada” e “Vidas Amargas” (ambos de 1955).  Rod Steiger (1925 / 2002) também foi outro ator com nome bastante reconhecido por sua carreira bem sucedida com quase 150 créditos.

(Juvenatrix – 20/01/18)

sábado, 13 de janeiro de 2018

Viagem à Europa (com alguma Ficção Científica e Política)

por Marcello Simão Branco

Faz três anos agora em janeiro que estive na Europa com minha esposa, a Rossana Arouck.[1] Foi minha primeira viagem ao velho continente e escolhemos como locais de visitação a Itália – por motivos sentimentais, afinal sou neto de italianos por parte de mãe – e a Alemanha, por causa da Sandra, uma amiga de muitos anos da Rossana, que mora por lá.
Viajamos num voo da Air France sob alguma tensão, pois dias antes Paris havia sofrido o brutal e covarde atentado que vitimou os cartunistas do jornal satírico Charlie Hebdo. Chegamos à cidade no domingo de 11 de janeiro, justamente no dia marcado para a grande manifestação de desagravo contra a barbárie e à liberdade de expressão e consciência convocada por François Hollande, presidente do país. A tentação de se juntar ao evento era obviamente grande, mas como o aeroporto Charles de Gaulle é longe do Centro e o tempo de conexão era de apenas algumas horas resolvemos ficar dentro do aeroporto. Vimos, contudo, soldados armados com fuzis no interior do local, o que certamente não é rotina, ilustrando o clima tenso que o país vivia. Pude, ao menos, pegar um exemplar de uma edição especial do Le Monde com a manchete “Marcher Contre La Terreur”, que era fartamente distribuído. Além disso, na livraria dentro do aeroporto não resisti e comprei o “Space Adventure Model Kit”, uma caixa com miniaturas da conquista da Lua, com o Saturno V, carros e jipes lunares, o módulo de descida, bandeirinhas e astronautas. Sem querer, começava também minha incursão espacial e de ficção científica que prosseguiria por toda a viagem.
Aterrisamos em Roma na noite do mesmo dia e por lá ficamos por mais três. Conseguimos visitar e conhecer o básico, como o Coliseu, as ruínas do Forum Romano e os jardins do Palatino, além de uma tarde no Vaticano. Roma pulsa nervosamente sua vida cotidiana como toda grande metrópole, mas tem em paralelo uma imponência e beleza histórica que impressiona. É uma sensação única entrar num lugar como o Coliseu, visitar as ruínas da residência de Augusto, o primeiro imperador, ou ainda contemplar arcos como os de Constantino e Tito. Nem precisaria, mas a enorme quantidade de turistas do mundo inteiro – especialmente chineses! – só reforça este sentimento. Apesar da fama de certa desorganização dos italianos – mais um clichê que não se confirma – a cidade é bem sinalizada, os serviços de apoio e informação aos turistas profissionalizados, e há um cuidado visível de manutenção dos marcos históricos. Inclusive, perto do Coliseu vimos um sítio arqueológico que soube ter sido descoberto recentemente, por onde passaria uma linha de metrô, que terá de ser desviada, pois lá estão as ruínas de parte da Domus Aurea, o antigo palácio de Nero.




Ficamos hospedados próximos ao principal terminal rodoviário, Termini, e lá pude visitar livrarias e bancas de jornais. Há uma quantidade expressiva de histórias em quadrinhos, sendo que Tex e Martin Mystére são muito presentes, assim como uma revista de suspense e horror chamada Diabolik. Achei exemplares mais recentes da coleção de ficção científica Urania. Na esperança de encontrar um livro de um autor italiano de FC publicado na coleção, Glauco de Bona, que com o romance Cuori Strappati venceu o Prêmio Urania 2014 para o melhor livro de FC nativa publicado no país, não comprei nenhum exemplar desta coleção em Roma. Mas não saí de mãos vazias, pois comprei num sebo o livro Roma Segreta, de Pierluigi Marrone, para aqueles que já conhecem bem os pontos históricos da cidade, e procuram por lugares menos conhecidos. Só para matar a curiosidade, claro, pois não é o meu caso.
Gostamos tanto da cidade que queríamos ficar mais um dia. Mas como não foi possível trocar de um dia para o outro a passagem de trem à Florença, partimos com vontade de voltar à capital eterna algum dia. Pelo menos cumprimos o ritual de jogar a moeda sobre os ombros na Fontana de Trevi – que, aliás, estava em reforma. Quem sabe?
Em duas horas estávamos no berço artístico do Renascimento, pois os trens que cruzam a Itália são muito rápidos, ainda que não sejam os famosos TGVs, como os de França e Japão.
Ao contrário de Roma, Florença é uma cidade pequena, e seu centro histórico é belíssimo com suas construções medievais, em especial as catedrais, museus e palácios que estão por toda parte. Ficamos três dias na cidade e pude, enfim, comprar exemplares de fantascienza – como é chamada a ficção científica na Itália. Primeiro procurei na rede de livrarias Feltrinelli mas, de forma surpreendente, não tinha exemplares da coleção Urania. Perguntei então pela seção de FC com a expectativa de conhecer alguma coisa da FC do país. Mas as estantes estavam lotadas mesmo é de traduções de autores tradicionais como Tolkien, Asimov, Lovecraft, King, Clarke, Heinlein, Dick, Pratchett, Adams. Havia também livros de autores anglo-americanos atuais como, por exemplo, Miélville, Doctorow, Scalzi, Stross e Alastair Reynolds. Mas deixei a livraria sem comprar nada, pois não vi nenhuma FC de autor italiano.
Circulando pelas ruelas históricas, achamos um túnel que é na verdade uma grande galeria de lojas. E lá encontrei um sebo com dezenas de livros da Urânia. Comprei apenas um Quando Due Modi si Incontrano (número 602, de 1973), uma antologia com duas novelas: “Quando Due Mondi si Incontrano”, de Robert Moore Williams e “Le Ragioni Degli Altri”, de Jack Vance. Mas no mesmo dia, achei numa banca de jornal próxima à estação ferroviária, o exemplar atual da coleção Urania, Astronave Mercenaria, de Mike Resnick (número 1614), e um livro que não havia visto até então, o Almanacco del Mistero. Pude finalmente adquirir exemplares da fantascienza publicada em janeiro de 2015, ou seja, o que de mais atual havia no momento da viagem.
Astronave Mercenaria (Starship Mercenary: Book Three) é o número 1614 da coleção Urania, que existe desde 1952! Historicamente publica autores estrangeiros, mas depois de instituir o Prêmio Urania, tem publicado autores nacionais que vencem o concurso de caráter anual. Basta lembrar que nos últimos anos revelou Valerio Evangelist, autor de prestígio na Europa, especialmente pelo romance steampunk Black Flag, lançado no Brasil pela editora Conrad em 2005.
Urania faz parte de uma tradição europeia centrada em coleções, assim como a Argonauta, de Portugal – que também teve início em 1953 e terminou em 2006, com 562 edições –, e a Fleuve Noir francesa, que existiu por meio século, de 1951 a 2001, publicando 2001 edições. Felizmente para os italianos a Urania mantém-se viva e forte, ao que parece, pois publica um livro por mês, e numa rápida pesquisa na internet constata-se que há todo um culto de fãs e leitores em torno da coleção. Vale lembrar que o próprio Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC) teve como fonte inspiradora de criação a coleção Argonauta, por meio do livro Quem é Quem na FC, a Coleção Argonauta, Vol. 1, de R.C. Nascimento, em 1985. Na verdade o CLFC nasceu como uma associação de colecionadores da Argonauta. Mas curiosamente o culto era de brasileiros e não de portugueses.
Os livros da Urania valorizam o relacionamento com os fãs. Não havia seção de cartas – apesar de uma solicitação para isso do editor no texto de apresentação da edição –, mas além do romance, há resenhas de livros, artigo que discute os princípios científicos abordados na obra, chamadas para eventos de FC no país e o anúncio do Prêmio Urania. Não é um livro convencional, mas sim quase uma revista.
Surpresa mesmo tive com o Almanacco del Mistero. É uma publicação anual de variedades em torno de FC, fantasia e horror. Apresenta uma enorme HQ do personagem Martin Mistère em P&B como atração principal da revista, com 91 páginas, “Saturno Contro La Terra”, com texto de Alfredo Castelli e desenhos de Giancarlo Alessandrini. O restante é fartamente colorido com fotos e ilustrações de artigos sobre filmes, séries de TV, resenhas de livros, notícias e o tema da edição, a FC pulp, através da própria HQ e dos artigos “L´alba dei Fanta-Pulp: Tutte Le Strade Portano a Mongo”, de Maurizio Colombo e Graziano Frediani”, e “Alieni Divini: E Venne um Ufo!”, de Gianmaria Contro. Uma revista bonita, que em princípio lembra um pouco o Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica pela proposta, mas é mesmo um almanaque que junta diversas seções em torno da FC&F.



Deixamos Florença em 17 de janeiro e partimos para Veneza. Ficamos dois dias numa das mais surpreendentes e improváveis cidades, toda circundada por rios e canais que somada à sua arquitetura medieval e renascentista lhe dá um caráter sem igual. Tivemos a fortuna de ficarmos hospedados num modesto hotel que nos deu o privilégio de ao abrirmos a janela avistarmos os canais que circundavam o quarteirão. Claro que visitamos pontos turísticos tradicionais, como a Praça e a Basílica de San Marco, e viajamos de barco pelos canais – mas não de gondola, pois custava 80 euros! – mas o mais legal em Veneza é andar a pé e sentir a beleza singular da cidade.
Depois de Veneza passamos uma noite em Milão – principal centro industrial da Itália, na região da Lombardia – e logo cedo voamos para Copenhague, em conexão para Bremen, no norte da Alemanha. Na capital da Dinamarca uma surpresa: a moeda não é o Euro, mas a Coroa. Mas como o país integra a União Européia, não houve problema de aceitação da moeda. No início da noite estávamos em Bremen e pudemos sentir a diferença radical de temperatura: saímos de 10, 12º C na Itália para – 5º C. º.
Fomos recebidos e ficamos hospedados na casa de uma amiga da Rossana dos tempos da adolescência, que foi viver na Alemanha, e está casada e com filhos. Foi bom também porque o marido dela, embora alemão, fala bem português, pois morou alguns anos em Portugal.
Tivemos três dias inteiros no país, e em dois deles percorremos Bremen e no outro estivemos em Hamburgo, que fica apenas uma hora de trem de Bremen. É uma cidade portuária, mas semelhante à Florença no que diz respeito à sua arquitetura histórica, também medieval, mas com um caráter mais neogótico, em especial em suas muitas igrejas, muitas delas construídas a partir da reforma protestante, no século 16. É inverno e a noite chega cedo, por volta das 16 horas – na Itália, às 17h30 –, mas a cidade é animada, com vários artistas realizando performances na rua, e instrumentistas tocando música clássica. Tudo ao ar livre e de graça.
No dia seguinte conhecemos Hamburgo, a segunda maior cidade do país, e muito diferente de Bremen, pelo menos na parte da cidade em que estivemos. Próximo ao terminal ferroviário onde descemos, sem querer paramos no bairro da comunidade turca, enorme no norte da Alemanha. Parecia que nem estávamos mais no país mais rico da Europa, pois as pessoas tinham a pele morena e o cabelo escuro, além de não falar necessariamente alemão, mas sim sua língua natal. Com fome, almoçamos num restaurante turco e quase fomos expulsos, pois o garçom ficou ofendido quando pedimos cerveja. Não havíamos percebido, mas o restaurante não era apenas turco, mas também mulçumano. Mesmo assim ficamos, e a comida estava boa. (Sem comparações, contudo, com a comida alemã típica, e menos ainda com a italiana. Mas não vou entrar nesta seara, pois renderia outro texto sobre como os europeus comem bem.)
O que nos chamou a atenção também em Hamburgo – e de forma ainda mais surpreendente, pois estávamos no país de maior economia da Europa – é a pobreza, com pessoas pedindo esmolas na rua.  E vimos isso também em Roma e em Veneza. Isso sem falar na farta presença de indianos e africanos na península italiana, vivendo de bicos em situação ilegal. Em Veneza, inclusive, conversamos rapidamente com um ucraniano – em inglês – foragido da guerra em seu país que vivia na rua. Mas os mendigos que avistamos foram alemães e italianos mesmo. Apesar dos bem-estruturados sistemas de welfare state, os efeitos da grande crise econômica de 2007 ainda estão visíveis no coração da Europa.
Na segunda noite em Bremen, na companhia de Joaquim, o alemão que nos hospedou –,  entrei de bico numa festa do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), que governa Bremen há 40 anos. Era pelo lançamento de um programa da prefeitura sobre a inclusão de pessoas com deficiência no serviço público do município. Ouvimos um ou outro discurso, bebemos vinho e saímos aquecidos e de volta para o frio quase polar. Estar na Alemanha em pleno inverno é como estar num freezer a ao ar livre, apesar dos quilos de agasalhos que temos que vestir. Apesar disso só vimos neve na região rural entre Bremen e Hamburgo. E soubemos que começou a nevar forte em Bremen um dia após nossa partida...


Depois de ter procurado Perry Rhodan em Bremen, acabei achando numa banca de jornal dentro da estação ferroviária de Hamburgo. Mas não era a coleção principal, e sim Perry Rhodan Neo, n. 87, “Ruckkehr der Fantan”, de Michelle Stern. É uma das coleções derivadas da série que procura reescrever o universo ficcional do herói espacial a partir de outras premissas, isto é, uma história alternativa que, em linhas gerais, situa a conquista ao espaço em 2036 e não em 1971, como na linha temporal tradicional da série. É um romance, portanto bem maior que as aventuras quinzenais, e também contém seções complementares, como de cartas, humor e artigos. Sai uma vez por mês.
Apenas no dia seguinte é que, novamente, em Bremen, pude comprar Perry Rhodan. Era o exemplar da quinzena, “Die drei Tage der Manta”, de Christian Montillon, número 2788. Isso mesmo, 2788! Já imaginou acompanhar uma série que esteja num número como este? Fantástico para quem acompanha, mas desanimador para quem pega a coisa pelo caminho. Em todo caso, talvez até mais que a coleção Urania italiana, Perry Rhodan é idolatrada na Alemanha. Inclusive, o vendedor exclamou: “Perry Rhodan!”. Disse mais algumas palavras em alemão, mas tive de cortar seu entusiasmo ao dizer, em inglês, que não falava alemão.
Se na Itália esperava comprar um livro da Urania, não podia estar na Alemanha e não comprar Perry Rhodan, mas fui surpreendido – assim como com o Almanacco del Mistero – com quatro séries de literatura de gênero vendidas no país. São revistas de formato semelhante à de Perry Rhodan, mas de outra editora, e que publicam séries de aventuras infanto-juvenis de FC, fantasia, horror e western. Comprei o exemplar de FC Bastei Maddrax die Dunkle Zukunft der Ende, com a aventura “Daa´Muren unter Sich”, de Lucy Guth, que já está no número 391, e tem periodicidade semanal!
Se na Itália um dos carros-chefes de sua FC é a coleção Urania, na Alemanha o pulp está vivo e forte em revistas de aventuras seriadas. Apesar do boom da FC&F brasileira nestes anos 2000, que inveja de ver livros e revistas populares sendo vendidas a preços baixos (de 2 a 5 euros) em bancas de jornais espalhadas pelos países. Isso sim ajuda a fortalecer um fandom, e permite o surgimento de novos autores, além de manter em parte as carreiras de outros autores. A FC brasileira tentou algumas vezes, mas o fato é que nunca fomos bem sucedidos neste seguimento de popularização e desenvolvimento da FC&F.
Depois de duas semanas intensas, partimos no dia 25 de Bremen para Paris e, de novo sem deixar o aeroporto para conhecer a cidade luz, rumamos de volta a São Paulo, Brasil. Foi muito legal, mas é bom estar de volta.





[1] Este texto foi escrito logo após minha volta ao Brasil, em janeiro de 2015, a pedido de Roberto de Sousa Causo que pretendia publicá-lo em seu fanzine Papêra Uirandê. Como não há perspectiva de uma nova edição  do zine resolvi publicar o artigo aqui no Almanaque.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O Altar do Diabo (The Dunwich Horror, EUA, 1970)


A lenda do Necronomicon diz que antigamente a Terra era habitada por uma espécie de outra dimensão. Com certos cânticos do livro, junto com antigos ritos de sacrifício, esta raça de outrora pode ser trazida de volta.

O Altar do Diabo”, dirigido por Daniel Haller, é baseado na história “The Dunwich Horror”, de H. P. Lovecraft, produzido pela nostálgica “American International”, de James H. Nicholson e Samuel Z. Arkoff, com produção executiva do “Rei dos Filmes B” Roger Corman, e elenco liderado por Dean Stockwell e Sandra Dee, além dos veteranos Ed Begley e Sam Jaffe.
Um jovem estudioso de ocultismo, Wilbur Whateley (Dean Stockwell), vive na pequena cidade de Dunwich em sua casa imensa e sinistra. Ele é temido pelos supersticiosos e assustados moradores locais, depois que sua mãe Lavinia (Joanna Moore Jordan) enlouquece após o parto e é internada num hospício. Ele tenta através dos ensinamentos do raro, poderoso e proibido livro “Necronomicon”, e com um ritual de sacrifício humano no “altar do diabo”, da bela e jovem Nancy Wagner (Sandra Dee), abrir um portal que permitiria a entrada dos “Antigos”, uma raça ancestral de outra dimensão, que habitava nosso planeta em tempos imemoriais, reassumindo o controle da Terra e destruindo a raça humana.
Para tentar combatê-lo e impedir o retorno dos “Antigos” ao nosso mundo, o Dr. Henry Armitage (Ed Begley), professor de filosofia da Universidade de Arkham, une forças com o médico Dr. Cory (Lloyde Bochner), de Dunwich, e juntos seguem de perto os passos do jovem ocultista, principalmente depois que o livro “Necronomicon” é roubado.
Filme de horror com uma atmosfera sinistra constante, explorando vários elementos presentes na mitologia dos “Mitos de Cthulhu”, criada por Lovecraft, com citações ao livro “Necronomicon” e à entidade cósmica maléfica “Yog-Sothoth”. A diversão é garantida, graças à presença de Roger Corman nos bastidores e pelo elenco interessante, formado por jovens em ascensão na época como Dean Stockwell e Sandra Dee, ou pelos veteranos Ed Begley e Sam Jaffe, rostos conhecidos por longas carreiras em séries diversas de TV. Mas, o resultado final certamente poderia ser ainda mais interessante com uma exploração maior das criaturas indizíveis de Lovecraft, algo que ficou mais restrito pelas questões de orçamento reduzido.
Entre as curiosidades, o filme foi exibido dublado na televisão brasileira na extinta TV Manchete, na Sessão “Terça Especial”, de onde gravei em VHS entre os anos 80 e 90 do século passado, e passei depois para a mídia DVD. Em 2009 tivemos outra versão, produzida pela “Nu Image”, conhecida pelas bagaceiras de seu catálogo. O elenco tem o cultuado ator Jeffrey Combs (de “Re-Animator”) como Wilbur e novamente Dean Stockwell, só que em outro papel, interpretando o Dr. Henry Armitage. O filme foi lançado em DVD por aqui pela “Focus Filmes” com o nome “Bruxas”.

... e com o portão aberto, os Antigos vão passar. O Homem governa agora o que eles governavam antes. Eles aguardam pacientes e potentes. E por aqui eles reinarão de novo. E governarão por onde antes caminhavam...

(RR – 07/01/18)



domingo, 7 de janeiro de 2018

O karma de Gaargot, Sergio Macedo

O karma de Gaargot, Sergio Macedo. 48 páginas, Editora Massao Ohno, São Paulo, 1973.

Volta e meia, o pesquisador de quadrinhos nacionais se depara com um nome surpreendente que, por razões imperdoáveis, não está na ponta da língua de todos os leitores. Às vezes é uma revista, que publicou obras de qualidade, mas teve uma distribuição limitada e poucos a conheceram; outras é uma hq, que apresentou um estilo inovador, mas, justamente por estar muito adiante de sua época, não galvanizou atenção; ou ainda um artista que, apesar de ter desenvolvido um trabalho meritório, caiu no esquecimento ao longo do tempo. Estes três aspectos podem ser observados simultaneamente em O karma de Gaargot, de autoria do mineiro Sergio Macedo, originalmente publicada em forma de seriado na revista Grilo nos anos 1970, e reunida em álbum em 1973 pelo importante editor independente Massao Ohno.
Primeiro, a revista. Massao Ohno deu à este álbum um tratamento sui-generis, com pranchas impressas em papéis diferentes e páginas de seda separando algumas delas, num acabamento luxuoso para os padrões editoriais da época. De muitas formas, o álbum remete ao igualmente transgressor e raro Saga de Xan, resenhado aqui.
Segundo, a obra em si. Trata-se de uma peça de ficção científica distópica sobre uma sociedade industrial dominada por um governo totalitário e totalmente dependente da tecnologia – que divide o mundo com seres híbridos de homens, animais e máquinas – quando surge um artefato desconhecido nos céus, chamado por eles de Aparição. Essa máquina indestrutível e inexpugnável é uma espécie de inteligência cósmica, que elege um único ser humano entre os oprimidos para ser transcendido. Enquanto esse homem passa pelas diversas etapas da evolução consciente e inconsciente, o governo tenta todas as formas de destruir a Aparição.
Trata-se, obviamente, de uma alegoria ao estado opressor em que o Brasil estava submetido a época da publicação e que duraria ainda muitos anos após sua conclusão. Mas é também um tratado filosófico sobre a relação com a natureza e o outro, sendo, dessa forma, uma das primeiras peças do quadrinho nacional a abordar a questão ambiental – ainda que de forma transversal – e a filosofar abertamente, algo que, anos depois, se tornara praticamente um gênero nos fanzines nacionais, batizado por seus praticantes como "quadrinho filosófico". Além disso, temos ali a estética extremamente autoral de Macedo como ilustrador, com desenhos que se desdobram em detalhes minuciosos e técnicas variadas, que passam pelo bico de pena, pincel e, especialmente, o pontilhismo, com resultados muito expressivos ainda que unicamente em preto em branco. Sem esquecer a linguagem repleta de licenças poéticas, como se fosse uma estado futuro do português.
E, finalmente, o autor. Sérgio Macedo é um caso singular nos quadrinhos nacionais. Sua obra tem aspectos extremamente ousados, afinada com as propostas político-sociais da época, quando a contracultura ainda estava muito fresca na mente dos artistas e do público. Reconhecemos mais os efeitos dessa escola na música, com o tropicalismo de Os Mutantes e Tom Zé, na poesia concretista de Augusto de Campos e Décio Pignatari, e no cinema de Glauber Rocha, por exemplo. Sérgio Macedo é o grande expoente desse momento cultural no quadrinho brasileiro, autor de um trabalho que, à época, só encontrava paralelo na arte de Philippe Druillet e Moebius, artistas europeus de vanguarda. Tanto é que, pouco depois de publicar este material, Macedo transferiu-se para a Europa e tornou-se colaborador contumaz na revista Metal Hurlant, fundada em 1975 por esses dois artistas ao lado do jornalista Jean-Pierre Dionnet, que viria a revolucionar a linguagem dos quadrinhos no mundo inteiro.
Macedo reside hoje no Taiti e continua a trabalhar para o mercado europeu, onde tem diversos álbuns publicados. Apesar de toda essa importância, o autor foi pouquíssimo publicado no Brasil. Além do O karma de Gaargot, Macedo teve publicado aqui apenas Xingu! (Devir, 2007), com uma história baseada nas experiências do autor que viveu algum tempo entre os índios kayapó. Na Europa, esse álbum recebeu o nome de Brazil! e faz parte de uma série de cinco títulos contando as aventuras do explorador Vic Voyage.
O karma de Gaargot é um trabalho que merece e precisa ser resgatado para as novas gerações, devido à importância histórica e estética que, a sua época, manteve o quadrinho brasileiro na ponta de lança do quadrinho mundial.
Cesar Silva

Zombie Nightmare (Canadá, 1987)


Nos créditos iniciais temos a música “Ace of Spades”, da lendária banda inglesa “Motorhead”, apenas uma de várias outras de heavy metal que participam da trilha sonora como “Girlschool”, “Virgin Steele”, “Thor” e “Battalion”, que desfilam sua música ao longo do filme. Tem também o ator cultuado da televisão Adam West (falecido em 2017 aos 88 anos), um rosto reconhecido como Bruce Wayne (Batman) da série homônima de TV dos anos 1960, pastelão e tranqueira ao extremo. Completa ainda um único zumbi, tosco e super bagaceiro, ressuscitado dos mortos em busca de vingança contra seus assassinos. O resultado é “Zombie Nightmare”, produção canadense de 1987 dirigida por Jack Bravman a partir de roteiro de John M. Fasano.
Tony Washington (o cantor Jon Mikl Thor, líder fundador da banda “Thor”, na ativa desde 1977), é um jovem que morre num acidente trágico, atropelado por um carro guiado por Jim Batten (Shawn Levy), um adolescente acéfalo e rebelde, que não respeita ninguém e lidera um grupo ainda formado por dois casais de namorados, Peter (Hamish McEwan) e Susie (Manon E. Turbide), e Bob (Allan Fisher) e Amy (Tia Carrere, atriz que conseguiu algum destaque posterior na carreira). Tony volta do mundo dos mortos, invocado num ritual de magia negra pela bruxa Molly Mokembe (Manuska Rigaud), e sai de seu túmulo para se vingar daqueles que causaram sua morte violenta.
Paralelamente, com a ocorrência de mortes estranhas dos jovens rebeldes, a polícia entra em cena com a investigação do jovem detetive Frank Sorrell (Frank Dietz), auxiliado pelo veterano chefe Capitão Tom Churchman (Adam West). Eles tentam descobrir o mistério por trás dos assassinatos com toques sobrenaturais, evidenciando o tal “pesadelo zumbi” do título.
“Zombie Nightmare” tem um nome sonoro e chamativo, mas é um filme extremamente ruim, mal feito e datado. Trata-se apenas de um exemplo do cinema bagaceiro oitentista com pouca diversão, valendo conhecer exclusivamente por curiosidade.
Exceto pela música do “Motorhead” e pela presença do eterno canastrão Adam West, mesmo somente a partir da metade do filme, pouca coisa se salva. A história, repleta de furos, é um clichê totalmente sem interesse, cansativo e arrastado. As interpretações do elenco são amadoras. O zumbi vingativo tem uma maquiagem péssima e sua atuação nas cenas de mortes é bem patética. Aliás, as mortes também são bem discretas.
Curiosamente, num momento em que o zelador de uma academia de ginástica está dormindo em serviço, permitindo o ataque do zumbi em seu plano de vingança, podemos ver que em seu colo tem uma revista “Fangoria”, cuja capa mostra o líder dos caminhões que ganharam vida própria na tranqueira “Comboio do Terror” (Maximum Overdrive, 1986), dirigido por Stephen King e baseado em seu conto.
(Juvenatrix – 05/01/18)


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O Mistério do Invisível (The Unseen, EUA, 1980)


Uma equipe de mulheres jornalistas de televisão formada por Jennifer Fast (Barbara Bach), sua irmã Karen (Karen Lamm) e Vicki Thompson (Lois Young), está a caminho da pequena cidade americana Solvang, no Estado da California, para cobrir uma festa tradicional da região. Porém, com todas as vagas nos hotéis esgotadas, elas procuram alternativas de hospedagem e encontram uma improvável oportunidade na casa do zelador de um antigo museu que foi hotel no passado, Ernest Keller (Sydney Lassick). Ele é um homem simpático e bom anfitrião, mas também tem comportamentos estranhos e esconde um misterioso segredo no porão.
Sua irmã Virginia (Lelia Goldoni) fica extremamente preocupada com a chegada imprevista das convidadas, e sempre está triste, assustada e com um olhar deprimido e perturbado, ocultando o “mistério do invisível”, representado por uma criatura demente que vive no porão (“Junior”, interpretado por Stephen Furst).
Enquanto a repórter Jennifer faz seu trabalho, sabemos que está grávida e enfrentando uma crise conjugal com o namorado Tony Ross (Douglas Barr), um ex-jogador de futebol americano que teve que desistir da carreira por causa de uma grave lesão na perna.
O que todas elas não esperavam é que uma aparente simples estadia iria se transformar num pesadelo quando suas vidas são ameaçadas pelo que está escondido no porão, além de enfrentar o suspeito anfitrião que ofereceu sua casa para elas.
"O Mistério do Invisível" é um filme irregular, com alguns momentos arrastados lembrando apenas um thriller comum daqueles produzidos para a televisão. Mas, também tem boas cenas de tensão e atmosfera sinistra na exploração do “mistério do título”, na especulação sobre quem vive oculto no porão, sua origem, motivações e atos com conseqüências trágicas. O desfecho ainda reserva uma longa sequência de confronto com perseguições, lutas desesperadas e insanidade.
O elenco é composto por poucos atores e as atuações são muito boas, principalmente Sydney Lassick, que faz um homem gentil e brincalhão e ao mesmo tempo sinistro e insano, convidando as mulheres para a morte. E também Stephen Furst, que aparece pouco, mas de forma intensa no papel do demente que vive no porão.
Entre as várias curiosidades, o diretor e também autor do roteiro Danny Steinmann (1942 / 2012), que tem em seu pequeno currículo um filme da franquia do popular psicopata Jason Voorhees (“Sexta-Feira 13 Parte 5: Um Novo Começo”, 1985), não gostou do corte final do filme, com a retirada de várias cenas assustadoras, e decidiu assinar com o pseudônimo Peter Foleg.
Stan Winston, cultuado mestre em efeitos especiais, falecido em 2008, foi um dos co-autores da história, sendo que uma primeira versão (depois bastante modificada) foi de autoria de Kim Henkel, o criador de “O Massacre da Serra Elétrica” junto com Tobe Hooper.
A atriz Barbara Bach, que em “O Mistério do Invisível” grita e luta desesperadamente por sua vida, participou também da divertida bagaceira italiana “A Ilha dos Homens-Peixe” (1979). Ela é casada com Ringo Starr, o baterista da lendária banda “The Beatles”.
(Juvenatrix – 01/01/18)