Vultos Sobre o Sol (Shadows in the Sun; 1954), de Chad Oliver. Tradução: José Sanz. Capa: Orestes de Oliveira Filho. 175 páginas. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1974. Lançado originalmente em 1954.
O tema da invasão
alienígena é um dos mais populares e abordados na ficção científica. A partir
do paradigma da invasão clássica de A
Guerra dos Mundos (The War of the
Worlds; 1898), de H.G. Wells (1866-1946), tanto esta vertente bélica, como
muitas variáveis se desenvolveram. Tal como este Vultos Sobre o Sol, do escritor e antropólogo Chad Oliver
(1928-1993).
O jovem Paul Ellery está
a fazer um estudo de campo em Jefferson Springs, uma das muitas e inexpressivas
cidadezinhas do interior dos Estados Unidos, com seus costumes e valores aparentemente
padronizados e conservadores. Isso era o que Ellery esperava como hipótese de
pesquisa, dentro do seu campo de atuação, a Antropologia. Mas após alguns meses
vivendo no local, ele está inseguro e cheio de dúvidas. É que, apesar das
aparências indicarem o que ele esperava de uma cidade como esta, na verdade as
coisas não eram o que pareciam. Isso porque, conforme constatara, todos os
moradores moravam na cidade há no máximo quinze anos. E não havia registro dos
habitantes anteriores. Até que, numa certa noite, ao rodar com seu carro pelos arrabaldes,
avistou o que parecia ser uma nave. E dela saíram alguns dos respeitáveis
cidadãos de Jefferson Springs!
Com veio a saber logo
depois, Paul Ellery havia visto uma nave extraterrestre. Isso, de fato, resolvia
em parte suas dúvidas, mas logo o encaminhou para desdobramentos muito mais
perturbadores. O que fazer? Isso de fato era o que ele pensava que fosse? Após
investigações posteriores sem nada comprovar, ele é visitado em seu quarto de
hotel por dois homens com aspecto estranho, que solicitam que ele os acompanhe.
O receio foi vencido pela curiosidade, e Paul Ellery se deixou conduzir. Quando
percebeu, entrou na mesma nave esférica que havia visto e de lá foi levado a
uma nave muito maior que estava na órbita da Terra.
Um dos extraterrestres,
chamado John, lhe contou em detalhes a verdade: Jefferson Springs era, na realidade
uma colônia que servia como ponte de entrada para uma espécie humanoide
alienígena viver na Terra. Tinham como objetivo ocupar, no máximo, 15% da
superfície do planeta; meta que também seguiam com relação a outros planetas
também por eles colonizados. Isso porque, havia um problema insolúvel de
superpopulação humana na galáxia, que se espalhava por uma miríade de mundos,
organizados numa espécie de federação interplanetária. Assim, para minorar o
problema, estabeleciam colônias de moradores em planetas com as condições
climáticas semelhantes aos de suas origens. Em tese, não interfeririam com a
vida nativa, até onde isso fosse possível. Mas como Paul poderia ter certeza
disso? E de todas estas informações fantásticas?
A partir daí o
antropólogo chega à conclusão de que sua vida e seus objetivos não tinham mais
sentido. Mas será mesmo que tudo isso era verdade? De fato, há um quê de
paranoia que perpassa a trama e a angústia do protagonista. Nesse sentido, Vultos Sobre o Sol se insere dentro da
temática das invasões no contexto dos anos 1950: paranoia, desumanização,
substituição dos nativos por cópias, conservadorismo dos costumes, colônia no
interior rural do país. Todos estes tópicos presentes neste tipo de história que,
de certa forma, serviu como uma metáfora dos receios norte-americanos diante da
ameaça comunista representado pela União Soviética: igualitarismo, perda da
identidade individual, coletivismo econômico, autoritarismo político etc. Neste
aspecto, a obra mais conhecida é Os
Invasores de Corpos (The Invasion of
the Body Snatchers; 1955), de Jack Finney (1911-1995), de fato um romance
que inclui todos estes aspectos de forma contundente e exemplar. Talvez por
isso mesmo, adaptada três vezes ao cinema. Mas o romance de Oliver foi escrito um
pouco antes, mostrando que o tema estava pairando no imaginário do país, apenas
à espera para desabrochar na obra mais madura que Finney veio a escrever.
Mas isso não significa
que o livro de Chad Oliver não esteja à altura do mais conhecido. Não só o antecipou,
mas, principalmente, pelas possibilidades que abriu ao tema da invasão
insidiosa, sub-reptícia, oculta e, por isso mesmo, difícil de ser vista e
comprovada. Os humanoides dão duas opções a Paul Ellery: aderir à sua cultura e
ser, aos poucos, convertido culturalmente como um deles; ou continuar a viver
sua vida, pois não seria incomodado. Ele acaba aceitando, talvez de forma
resignada demais, a primeira das ofertas. Procura se integrar à comunidade de Jefferson
Springs, mas no íntimo espera descobrir algum ponto fraco que possa leva-lo a
justificar a decisão pela outra opção. No fundo, o que ele procura é encontrar
uma maneira de recuperar os valores e motivações de sua vida anterior. É nesta
luta interior e de uma solidão angustiante que o romance tira o seu maior
interesse.
Mas talvez outras ações
pudessem ser tomadas. Isso porque Paul Ellery é, talvez, racional demais – por
ser um cientista? –, em reconhecer que ninguém o levaria a sério, que seria ridicularizado.
Lembrei aqui da cultuada série de TV Os
Invasores (The Invaders; 1967-1968),
criada por Larry Cohen (1936-2019). O arquiteto David Vincent descobre que a
Terra está sendo invadida, mas ao invés de se conformar ou tentar entender os
motivos dos alienígenas, resolve lutar para desmascará-los e derrotá-los. Mesmo
que quase ninguém o leve a sério. Isso porque, numa situação como esta, teórica
e provavelmente, a reputação pessoal seja menos importante do que os fatos em
si e suas consequências. Mas Paul Ellery segue apenas a opção de tentar achar
alguma brecha por dentro. Como já dito, menos para desbaratar os reais
objetivos de um império interestelar do que para encontrar alguma motivação
para seguir sua vida. O que, de qualquer forma, poderá encaminhá-lo a uma
revelação, de certa forma surpreendente, na conclusão da história.
Vultos
Sobre o Sol é um romance competente de FC sobre o
tema da invasão e, mais que isso, dos efeitos possíveis dos choques culturais
causados pelo encontro de duas culturas muito desiguais, principalmente em
termos tecnológicos. Aqui é encantador como Oliver cita e explora situações
aqui mesmo da Terra, quando do contato da chamada civilização com culturas
indígenas, fazendo uso de seu próprio conhecimento teórico e empírico como
pesquisador acadêmico. Afinal, em tese, nossa civilização estaria em condição
semelhante ao dos indígenas, caso tivesse contato com uma espécie alienígena
muito mais avançada em termos tecnológico e de alcance estelar.
—Marcello Simão Branco
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