terça-feira, 15 de novembro de 2022

Vultos Sobre o Sol

 Vultos Sobre o Sol (Shadows in the Sun; 1954), de Chad Oliver. Tradução: José Sanz. Capa: Orestes de Oliveira Filho. 175 páginas. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1974. Lançado originalmente em 1954.

 


O tema da invasão alienígena é um dos mais populares e abordados na ficção científica. A partir do paradigma da invasão clássica de A Guerra dos Mundos (The War of the Worlds; 1898), de H.G. Wells (1866-1946), tanto esta vertente bélica, como muitas variáveis se desenvolveram. Tal como este Vultos Sobre o Sol, do escritor e antropólogo Chad Oliver (1928-1993).

O jovem Paul Ellery está a fazer um estudo de campo em Jefferson Springs, uma das muitas e inexpressivas cidadezinhas do interior dos Estados Unidos, com seus costumes e valores aparentemente padronizados e conservadores. Isso era o que Ellery esperava como hipótese de pesquisa, dentro do seu campo de atuação, a Antropologia. Mas após alguns meses vivendo no local, ele está inseguro e cheio de dúvidas. É que, apesar das aparências indicarem o que ele esperava de uma cidade como esta, na verdade as coisas não eram o que pareciam. Isso porque, conforme constatara, todos os moradores moravam na cidade há no máximo quinze anos. E não havia registro dos habitantes anteriores. Até que, numa certa noite, ao rodar com seu carro pelos arrabaldes, avistou o que parecia ser uma nave. E dela saíram alguns dos respeitáveis cidadãos de Jefferson Springs!

Com veio a saber logo depois, Paul Ellery havia visto uma nave extraterrestre. Isso, de fato, resolvia em parte suas dúvidas, mas logo o encaminhou para desdobramentos muito mais perturbadores. O que fazer? Isso de fato era o que ele pensava que fosse? Após investigações posteriores sem nada comprovar, ele é visitado em seu quarto de hotel por dois homens com aspecto estranho, que solicitam que ele os acompanhe. O receio foi vencido pela curiosidade, e Paul Ellery se deixou conduzir. Quando percebeu, entrou na mesma nave esférica que havia visto e de lá foi levado a uma nave muito maior que estava na órbita da Terra.

Um dos extraterrestres, chamado John, lhe contou em detalhes a verdade: Jefferson Springs era, na realidade uma colônia que servia como ponte de entrada para uma espécie humanoide alienígena viver na Terra. Tinham como objetivo ocupar, no máximo, 15% da superfície do planeta; meta que também seguiam com relação a outros planetas também por eles colonizados. Isso porque, havia um problema insolúvel de superpopulação humana na galáxia, que se espalhava por uma miríade de mundos, organizados numa espécie de federação interplanetária. Assim, para minorar o problema, estabeleciam colônias de moradores em planetas com as condições climáticas semelhantes aos de suas origens. Em tese, não interfeririam com a vida nativa, até onde isso fosse possível. Mas como Paul poderia ter certeza disso? E de todas estas informações fantásticas?

A partir daí o antropólogo chega à conclusão de que sua vida e seus objetivos não tinham mais sentido. Mas será mesmo que tudo isso era verdade? De fato, há um quê de paranoia que perpassa a trama e a angústia do protagonista. Nesse sentido, Vultos Sobre o Sol se insere dentro da temática das invasões no contexto dos anos 1950: paranoia, desumanização, substituição dos nativos por cópias, conservadorismo dos costumes, colônia no interior rural do país. Todos estes tópicos presentes neste tipo de história que, de certa forma, serviu como uma metáfora dos receios norte-americanos diante da ameaça comunista representado pela União Soviética: igualitarismo, perda da identidade individual, coletivismo econômico, autoritarismo político etc. Neste aspecto, a obra mais conhecida é Os Invasores de Corpos (The Invasion of the Body Snatchers; 1955), de Jack Finney (1911-1995), de fato um romance que inclui todos estes aspectos de forma contundente e exemplar. Talvez por isso mesmo, adaptada três vezes ao cinema. Mas o romance de Oliver foi escrito um pouco antes, mostrando que o tema estava pairando no imaginário do país, apenas à espera para desabrochar na obra mais madura que Finney veio a escrever.

Mas isso não significa que o livro de Chad Oliver não esteja à altura do mais conhecido. Não só o antecipou, mas, principalmente, pelas possibilidades que abriu ao tema da invasão insidiosa, sub-reptícia, oculta e, por isso mesmo, difícil de ser vista e comprovada. Os humanoides dão duas opções a Paul Ellery: aderir à sua cultura e ser, aos poucos, convertido culturalmente como um deles; ou continuar a viver sua vida, pois não seria incomodado. Ele acaba aceitando, talvez de forma resignada demais, a primeira das ofertas. Procura se integrar à comunidade de Jefferson Springs, mas no íntimo espera descobrir algum ponto fraco que possa leva-lo a justificar a decisão pela outra opção. No fundo, o que ele procura é encontrar uma maneira de recuperar os valores e motivações de sua vida anterior. É nesta luta interior e de uma solidão angustiante que o romance tira o seu maior interesse.

Mas talvez outras ações pudessem ser tomadas. Isso porque Paul Ellery é, talvez, racional demais – por ser um cientista? –, em reconhecer que ninguém o levaria a sério, que seria ridicularizado. Lembrei aqui da cultuada série de TV Os Invasores (The Invaders; 1967-1968), criada por Larry Cohen (1936-2019). O arquiteto David Vincent descobre que a Terra está sendo invadida, mas ao invés de se conformar ou tentar entender os motivos dos alienígenas, resolve lutar para desmascará-los e derrotá-los. Mesmo que quase ninguém o leve a sério. Isso porque, numa situação como esta, teórica e provavelmente, a reputação pessoal seja menos importante do que os fatos em si e suas consequências. Mas Paul Ellery segue apenas a opção de tentar achar alguma brecha por dentro. Como já dito, menos para desbaratar os reais objetivos de um império interestelar do que para encontrar alguma motivação para seguir sua vida. O que, de qualquer forma, poderá encaminhá-lo a uma revelação, de certa forma surpreendente, na conclusão da história.

Vultos Sobre o Sol é um romance competente de FC sobre o tema da invasão e, mais que isso, dos efeitos possíveis dos choques culturais causados pelo encontro de duas culturas muito desiguais, principalmente em termos tecnológicos. Aqui é encantador como Oliver cita e explora situações aqui mesmo da Terra, quando do contato da chamada civilização com culturas indígenas, fazendo uso de seu próprio conhecimento teórico e empírico como pesquisador acadêmico. Afinal, em tese, nossa civilização estaria em condição semelhante ao dos indígenas, caso tivesse contato com uma espécie alienígena muito mais avançada em termos tecnológico e de alcance estelar.

Marcello Simão Branco


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