Invasão!
(Footfall), de Larry Niven e Jerry Pournelle. Tradução: Ana Paula Simões Silva.
Capa: Antônio Jeremias. 649 páginas. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora,
Coleção Mundos da Ficção Científica, n. 45, 1989. Lançamento original de 1985.
Este
é, provavelmente, o maior romance sobre o tema da invasão alienígena já
escrito. São quase 700 páginas na versão brasileira, ante 495 da
norte-americana. Este tamanho não é casual, pois a proposta dos autores é
contar uma história de tons épicos, ao mesmo tempo dramática e realista, apesar
de ser ficção científica.
Em
maio de 1995 astrônomos baseados no Havaí percebem que há uma nave alienígena
em direção à Terra. Na verdade, os extraterrestres se estabeleceram no Sistema
Solar em setembro de 1976, quando orbitaram o Sol e se dirigiram para uma lua
de Saturno, onde ficaram escondidos. Ocultos, terminaram pacientemente os
preparativos para o objetivo final da missão: invadir e viver em outro planeta,
a Terra, escolhida por dois motivos práticos. O planeta que oferece as
condições de vida mais semelhantes à de seu mundo na estrela mais próxima. Que
ele já seja habitado, não é objeto de consideração moral por parte deles. Se irão
alterar ou destruir formas de vida do planeta e, mesmo, modificar sua própria
atmosfera.
Os
fithp, seres semelhantes a filhotes de elefantes, com duas trombas frontais e
couraças nas costas, se locomovem de forma ereta, chegando a cerca de três
metros. São originários de um planeta de Alfa Centauri, a estrela mais próxima
da Terra, planeta que eles chamam de Winterhome. Resolveram deixar seu habitat,
chamado por eles de Homeworld, por causa de uma guerra global em que os que
perderam tiveram como punição o exílio. Isso, apesar de, como eles dizem, a
vida ter ficado inviabilizada em seu mundo. Viajaram numa nave gigantesca, com
cerca de 2.500 km de extensão e 600 m de largura, se dividindo em duas
categorias: os sleepers (os que saíram do planeta) e os spaceborn (os que
nasceram na própria nave durante a viajem e a conduziram a seu destino), também
chamados de o rebanho viajante. A missão começou, pelo tempo da Terra, em 1915.
Ou seja, levaram 80 anos para completá-la.
A
descoberta da chegada de uma civilização extraterrestre é explorada de forma
verossímil, numa mistura de grande expectativa e incerteza. Quem são eles? De
onde são e por que vieram? Seriam pacíficos ou não? No mundo de Niven &
Pournelle a Terra ainda vive a Guerra Fria, com grande rivalidade entre os EUA
e a URSS. E em parte devido a este contexto conflitivo, não se constrói uma
convergência comum para lidar com a questão, tão inédita como potencialmente
perigosa. Alguns políticos e militares – de ambos os lados – chegam mesmo a
achar que um dos lados poderia se aliar com os alienígenas, e propõe até um
ataque nuclear preventivo contra o inimigo. Por cerca da metade do livro,
militares e políticos dos dois lados planejam suas duplas estratégias: 1) como
lidar com o possível invasor? e 2) como lidar com o inimigo interno? Mas com a
iminente chegada dos fithp, um deputado norte-americano – entusiasta da
exploração do espaço –, é convidado para ir à Kosmograd, a estação orbital
soviética, que serviria como primeiro elo de contato com os visitantes.
Em
abril de 1995 a Thuktun Flishthy parte da lua de Saturno e, um mês depois,
chega à Terra. Destrói a Kosmograd e não responde às tentativas de comunicação
humana que, aliás, já estavam sendo feitas desde a sua descoberta. Com isso,
para espanto e choque, a humanidade percebe que está sendo invadida, e nada
mais será como antes em sua história.
Como
já dito, é um romance massivo e que dá voz a dezenas de personagens – tem até
uma lista deles e que não inclui todos! São muitas situações e histórias de
vida entremeadas, numa estrutura de enredo que lembra o de uma telenovela. Até
a invasão propriamente dita, por exemplo, cerca de um terço é dedicado às
estratégias de mobilização e às vidas cotidianas de várias pessoas. É, assim,
uma espécie de romance mosaico que tira sua força, principalmente, do tema
maior, mas com particularidades da vida de pessoas comuns, algumas delas
desnecessárias.
Contudo,
o tipo de invasão dos fithp não é dos mais convencionais. Eles estabelecem sua
supremacia do espaço. Com sua poderosa nave e dezenas de outras menores,
disparam raios laser para destruir a infraestrutura e as instalações militares,
principalmente dos EUA e da URSS. Assim, estradas, pontes, represas, sistemas
de comunicação e energia são dizimados. Isso desestabiliza quase totalmente a
rede de comando militar e a presença do Estado, levando à confusão,
desinformação, desmobilização e anarquia. Os alienígenas estabelecem uma base
inicial no estado norte-americano do Kansas, que é posteriormente destruída – assim
como todo o território –, com mísseis intercontinentais soviéticos, numa ação
conjunta dos dois antigos rivais. A estratégia dos invasores não é uma invasão
terrestre clássica, mas sim subjugar os humanos e fazê-los de escravos, ou como
eles dizem, novos membros do rebanho viajante.
Um
aspecto curioso do livro é a presença de escritores de FC. Convocados pelo
presidente dos EUA, eles formam “A Equipe da Ameaça”, um grupo de especialistas
para aconselhamento sobre as razões da invasão e o possível comportamento dos
alienígenas. Uma homenagem é feita explicitamente a Robert A. Heinlein
(1907-1988), na figura do líder do grupo, o escritor Robert Anson. O perfil
mostrado dos autores de FC no livro é de pessoas inteligentes e um tanto
impertinentes e arrogantes. Estaria próximo da verdade ou, no fundo, é
inconscientemente como Niven & Pournelle se enxergam?
De
outro lado, os fithp também têm seus especialistas no comportamento da ‘presa’,
como eles chamam os humanos. Contudo, o grau de conhecimento deles é muito
pequeno, sendo constituído praticamente depois do contato inicial. Ora, por que
não houve um grupo de pesquisa sobre a humanidade desde a chegada, dezenove
anos antes? Talvez por se acharem muito superiores. Mas, aos poucos, com a
convivência com os humanos que fazem de prisioneiros, percebem que cometeram um
erro.
Os
elefantídeos têm uma mentalidade de comportamento coletivo. Não tomam decisões
importantes de forma individual, mas sempre em relação ao grupo a que
pertencem. Não necessariamente através de consultas, mas respeitando as
tradições e a ética entre eles. Além de se subdividirem entre os nativos – que
detém a liderança – e os viajantes, há entre estes os dissidentes. Este
subgrupo se insurge e questiona a invasão de outro planeta. Defendem que eles
vivam no interior da nave, já que não conheceram outro ambiente de vida. Assim
como a decisão tomada de invadir um mundo já habitado sem consideração moral
alguma sobre as consequências, o motivo deles também é prático.
Como
parte do plano de dominação, os alienígenas atiram um ‘foot’ em direção à Terra
– um enorme meteoro que cai no Oceano Índico e destrói a Índia, além de
provocar maremotos e chuvas globais de água salgada. Com isso, bilhões de seres
humanos e animais são mortos e o próprio clima se torna mais temperado, bem de
acordo com o de Homeworld. Tudo isso para que eles, possam viver na superfície
da Terra, por isso, aliás, nomeada por eles de Winterhome – o mesmo nome de sua
estrela de origem.
Parece
que tudo está perdido, mas, secretamente, o governo dos EUA planeja e executa a
missão Orion: a construção de uma nave espacial – chamada de Michael – cheia de
armas laser e ogivas nucleares para combater os fithp. O nome não é casual, pois faz uma ilação óbvia com a passagem bíblica da expulsão de Lúcifer do Paraíso.
É vencer ou perecer.
Invasão!
contribui de forma efetiva para o subgênero, de certa forma, atualizando A
Guerra dos Mundos (The War of the Worlds; 1898), de H.G. Wells
(1866-1946), o clássico de referência sobre o assunto. Se não tem a
originalidade e o brilho literário do inglês, a dupla norte-americana é
competente na condução de uma história cheia de drama, suspense e reviravoltas.
O que talvez tenha ficado datado para além do necessário é o clima de
rivalidade e paranoia da Guerra Fria, e os autores poderiam ter feito um
esforço especulativo melhor sobre os desdobramentos deste contexto, já
desacelerado quando escreveram o livro.
Este
romance, em nossa língua, apareceu primeiro em Portugal, com o título de A Pegada (tradução literal), em dois
volumes pela Gradiva, em 1987. Foi finalista do Prêmio Hugo 1986 e best-seller
do The New York Times por semanas, e não foi a primeira parceria entre
Larry Niven e Jerry Pournelle (1933-2017). Antes escreveram outro romance de
FC apocalíptica, Lucifer´s Hammer (1977), sobre um cometa em rota de
colisão com a Terra, e também The Mote in the God´s Eye (1974), sobre
contato com alienígenas, num contexto de futuro distante. Ambos também bem
recebidos pelos críticos e leitores. Estes autores, cada um com uma carreira solo
importante, especialmente Larry Niven, fazem parte de uma corrente à extrema
direita na FC norte-americana, abordando em suas ficções contextos favoráveis
ao capitalismo, contra o Estado e com individualismo extremo. Tal postura os
fez, inclusive, a participar dos governos republicanos de Ronald Reagan
(1981-1989) e de George W. Bush (2001-2011), na condição de conselheiros de
política externa.
Outra
reflexão interessante de Invasão! é a de que não há base racional para
considerarmos que uma civilização extraterrestre tecnologicamente muito mais
avançada do que a nossa seria, necessariamente, pacífica. Tal tese foi muito
aventada nos anos da Guerra Fria, lembro de Carl Sagan (1934-1996), a
defendendo, de que uma condição necessária para a conquista do espaço, deveria
passar pela superação de nossos problemas políticos e morais. Ora, mas em nossa
própria História a norma é a de povos tecnológica e militarmente mais avançados
conquistarem, dominarem e, mesmo, destruírem, os povos nativos. Claro que não
devemos imaginar que seres de outros lugares do universo se movam pela mesma
lógica e ação, mas também não temos como assegurar o contrário. Assim, Niven
& Pournelle, com sua veia militarista e politicamente conservadora,
estabeleceram um contraponto importante, neste debate candente, especialmente
naquela época. Gostemos ou não de suas motivações ou visão de mundo.
—Marcello Simão Branco
Gostaria saber o nome do livro Lucifer´s Hammer (1977) em português. Muito obrigado.
ResponderExcluir"Lucifer's hammer" está inédito no Brasil e, provavelmente, não foi traduzido nem em Portugal. Logo, ainda não há um nome em português para ele.
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