segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Interestelar

Interestelar (Idem), Greg Keyes. Baseado no roteiro de Jonathan Nolan e Christopher Nolan. Tradução: Vera Whately. Capa: Gabinete das Artes. 266 páginas. Rio de Janeiro: Gryphus Editora/Coleção Gryphus Geek, 2016. Lançamento original de 2014.

 


Quando lançado no cinema o filme Interestelar foi cercado de muita expectativa. Seus realizadores, os irmãos Christopher e Jonathan Nolan já haviam se estabelecido como dois dos artistas mais talentosos e inovadores do cinema norte-americano no século XXI. São deles, por exemplo, o perturbador Amnésia (Memento; 2000), a instigante e misteriosa FC A Origem (Inception; 2010) – este só de Christopher –, e a renovação da franquia do Batman, com três novos filmes. Talvez seja possível dizer que eles fizeram no cinema o que Frank Miller havia feito com o personagem nos quadrinhos.

Me recordo que quando vi Interestelar na tela grande fiquei perplexo e fascinado. Primeiro por um filme tão classudo de FC, como há muito não via em tela grande. E em segundo, e mais importante, pelo roteiro e desenvolvimento ser tão interessantes, ao explorar um tema de fronteira da Física teórica em uma perspectiva cósmica.

Interestelar é um dos melhores filmes de FC do século XXI, ao lado de Filhos da Esperança (Children of Men; 2006), Gravidade (Gravity; 2013) – ambos de Alfonso Cuarón – e Lunar (Moon; 2009), de Duncan Jones. Mas talvez seja o mais ambicioso deles, pois coloca em nível épico a exploração do espaço como nosso destino final, caso queiramos sobreviver a longo prazo como espécie.

Talvez por isso tenha me interessado em ler a novelização anos depois, pois costumo evitar obras derivadas por crer que, em essência, nada acrescentam à original. Mas tive uma surpresa. O livro é muito bom. Segue passo a passo o filme, justamente por ser uma obra originada por um roteiro e não o inverso, quando costuma ocorrer mais liberdades em relação ao livro original. Mesmo para quem não viu o filme é uma obra interessante e competente por si mesma.

Tinha a expectativa de que o livro pudesse aprofundar algumas questões do filme como, por exemplo, o que teria causado o colapso climático da Terra. Mas a novelização é igual ao roteiro e esta questão de fundo fica num plano superficial. É um ponto de partida, não se detalha o que poderia ter inviabilizado a continuidade da vida no planeta. Como se, de certa forma, neste momento, já estivéssemos vivendo o início do problema. Assim sendo, não fica claro em que época a história se passa, mas se deduz que seja em algum momento do século XXI. Isso porque as memórias do mundo de hoje ainda estão presentes na nostalgia daqueles que viveram antes da catástrofe. O que poderia ser mais explorado, ao menos, é as causas do obscurantismo científico que se seguiu. Embora, seja intrigante que estejamos vivendo retrocessos semelhantes nesta altura da primeira metade do século. Além da crise climática que só piora, estamos envoltos numa tragédia mundial no curto prazo, a pandemia do novocoronavírus, a pior já vivida pela humanidade em número absoluto de mortos.

Com uma praga que está matando todos os vegetais, a vida na Terra está com seus dias contados.  Tempestades maciças de poeira são rotineiras e as fontes de alimentação se tornam escassas, aumentando a fome e a violência. A civilização regrediu em seus valores e hábitos, e repudia qualquer gasto que não seja para preservar o que sobrou. Assim, é chocante que até a História é ´recontada´, deturpando ou negando os avanços científico-tecnológicos de antes da crise. Ensina-se nas escolas, por exemplo, que o homem não pousou na Lua. Tudo não passou de propaganda política do governo. Ora, não há uma minoria que crê nesta bobagem atualmente? Isso sem falar no criacionismo e no terraplanismo. O analfabetismo científico, se não combatido, poderá nos conduzir a uma nova era de ignorância, autoritarismo e queda nos valores humanos.

Cooper é um ex-astronauta que teve de aprender a ser fazendeiro nesta nova realidade. Viúvo, cuida dos filhos (Tom e Murph) e é ajudado por seu sogro, Donald. Após uma tempestade de poeira, ele e Murph testemunham um fenômeno estranho no quarto dela, que os conduz até um local onde está instalada no subterrâneo o que restou da Nasa. Pois prepara-se, secretamente, o envio de uma missão ao espaço para poder colonizar outros planetas.

Após ser convidado, Cooper lidera a missão em direção a três planetas que orbitam um buraco negro, numa outra galáxia, numa distância de milhares ou milhões de anos-luz. Os planetas receberam visitas prévias de astronautas para informar se são viáveis à vida humana. Mas como chegaram lá? Por meio do recurso do buraco de minhoca, uma teoria especulativa relativística, que faz aproximar pontos distantes no espaço sem ser preciso percorrê-los de forma contínua. Uma espécie de túnel dimensional na estrutura do espaço-tempo. Tal ideia proposta no filme teve a consultoria do prestigioso físico Kip Thorne e já havia sido apresentada antes numa FC mais popular, no romance Contato (Contact; 1985), de Carl Sagan (1934-1996) e depois levado às telas num ótimo filme dirigido por Robert Zemeckis, em 1997, – curiosamente com o ator que interpreta Cooper em Interestelar, Matthew McConauguey, como um padre.

Contudo, a decisão de Cooper é muito difícil e marcará todo o restante de sua vida, embora se ele não a aceitasse não teria sido possível uma chance de esperança para a humanidade. Isso porque, é ele que envia as informações possíveis, no estranho fenômeno no quarto de Murph, que permite que a missão seja bem-sucedida. Tudo por causa dos efeitos da força da gravidade, que torna possível ir além das três dimensões e contornar o próprio tempo. Pois a história se sustenta num campo de especulação científica que, embora sólida, guarda uma relação muito próxima com os delírios imaginativos da própria FC. Sense of wonder!

Poucas vezes vi um filme de FC tão instigante e que desafia a inteligência do espectador. As soluções apresentadas são elegantes e didáticas e, tão importante quanto, equilibradas com o drama humano, no relacionamento especial e sofrido entre um pai e sua filha. Em resumo, o livro é bom, mas não acrescenta algo novo ao filme. Contudo, torna-se um prazer renovado ler a novelização e tomar, de uma outra perspectiva, um novo contato com esta obra-prima da FC.

                                                                                             Marcello Simão Branco


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