Interestelar
(Idem), Greg Keyes. Baseado no roteiro de Jonathan Nolan e Christopher Nolan.
Tradução: Vera Whately. Capa: Gabinete das Artes. 266 páginas. Rio de Janeiro: Gryphus
Editora/Coleção Gryphus Geek, 2016. Lançamento original de 2014.
Quando
lançado no cinema o filme Interestelar foi cercado de muita expectativa.
Seus realizadores, os irmãos Christopher e Jonathan Nolan já haviam se
estabelecido como dois dos artistas mais talentosos e inovadores do cinema
norte-americano no século XXI. São deles, por exemplo, o perturbador Amnésia
(Memento; 2000), a instigante e misteriosa FC A Origem (Inception;
2010) – este só de Christopher –, e a renovação da franquia do Batman, com três
novos filmes. Talvez seja possível dizer que eles fizeram no cinema o que Frank
Miller havia feito com o personagem nos quadrinhos.
Me
recordo que quando vi Interestelar na tela grande fiquei perplexo e
fascinado. Primeiro por um filme tão classudo de FC, como há muito não via em
tela grande. E em segundo, e mais importante, pelo roteiro e desenvolvimento
ser tão interessantes, ao explorar um tema de fronteira da Física teórica em
uma perspectiva cósmica.
Interestelar
é um dos melhores filmes de FC do século XXI, ao lado de Filhos da Esperança
(Children of Men; 2006), Gravidade (Gravity; 2013) – ambos
de Alfonso Cuarón – e Lunar (Moon; 2009), de Duncan Jones. Mas
talvez seja o mais ambicioso deles, pois coloca em nível épico a exploração do
espaço como nosso destino final, caso queiramos sobreviver a longo prazo como
espécie.
Talvez
por isso tenha me interessado em ler a novelização anos depois, pois costumo
evitar obras derivadas por crer que, em essência, nada acrescentam à original.
Mas tive uma surpresa. O livro é muito bom. Segue passo a passo o filme,
justamente por ser uma obra originada por um roteiro e não o inverso, quando
costuma ocorrer mais liberdades em relação ao livro original. Mesmo para quem
não viu o filme é uma obra interessante e competente por si mesma.
Tinha
a expectativa de que o livro pudesse aprofundar algumas questões do filme como,
por exemplo, o que teria causado o colapso climático da Terra. Mas a
novelização é igual ao roteiro e esta questão de fundo fica num plano
superficial. É um ponto de partida, não se detalha o que poderia ter
inviabilizado a continuidade da vida no planeta. Como se, de certa forma, neste
momento, já estivéssemos vivendo o início do problema. Assim sendo, não fica
claro em que época a história se passa, mas se deduz que seja em algum momento
do século XXI. Isso porque as memórias do mundo de hoje ainda estão presentes
na nostalgia daqueles que viveram antes da catástrofe. O que poderia ser mais
explorado, ao menos, é as causas do obscurantismo científico que se seguiu.
Embora, seja intrigante que estejamos vivendo retrocessos semelhantes nesta
altura da primeira metade do século. Além da crise climática que só piora,
estamos envoltos numa tragédia mundial no curto prazo, a pandemia do
novocoronavírus, a pior já vivida pela humanidade em número absoluto de mortos.
Com
uma praga que está matando todos os vegetais, a vida na Terra está com seus
dias contados. Tempestades maciças de
poeira são rotineiras e as fontes de alimentação se tornam escassas, aumentando
a fome e a violência. A civilização regrediu em seus valores e hábitos, e repudia
qualquer gasto que não seja para preservar o que sobrou. Assim, é chocante que
até a História é ´recontada´, deturpando ou negando os avanços
científico-tecnológicos de antes da crise. Ensina-se nas escolas, por exemplo,
que o homem não pousou na Lua. Tudo não passou de propaganda política do
governo. Ora, não há uma minoria que crê nesta bobagem atualmente? Isso sem
falar no criacionismo e no terraplanismo. O analfabetismo científico, se não combatido,
poderá nos conduzir a uma nova era de ignorância, autoritarismo e queda nos
valores humanos.
Cooper
é um ex-astronauta que teve de aprender a ser fazendeiro nesta nova realidade.
Viúvo, cuida dos filhos (Tom e Murph) e é ajudado por seu sogro, Donald. Após
uma tempestade de poeira, ele e Murph testemunham um fenômeno estranho no
quarto dela, que os conduz até um local onde está instalada no subterrâneo o
que restou da Nasa. Pois prepara-se, secretamente, o envio de uma missão ao
espaço para poder colonizar outros planetas.
Após
ser convidado, Cooper lidera a missão em direção a três planetas que orbitam um
buraco negro, numa outra galáxia, numa distância de milhares ou milhões de
anos-luz. Os planetas receberam visitas prévias de astronautas para informar se
são viáveis à vida humana. Mas como chegaram lá? Por meio do recurso do buraco
de minhoca, uma teoria especulativa relativística, que faz aproximar pontos
distantes no espaço sem ser preciso percorrê-los de forma contínua. Uma espécie
de túnel dimensional na estrutura do espaço-tempo. Tal ideia proposta no filme
teve a consultoria do prestigioso físico Kip Thorne e já havia sido apresentada
antes numa FC mais popular, no romance Contato (Contact; 1985),
de Carl Sagan (1934-1996) e depois levado às telas num ótimo filme dirigido por
Robert Zemeckis, em 1997, – curiosamente com o ator que interpreta Cooper em Interestelar,
Matthew McConauguey, como um padre.
Contudo,
a decisão de Cooper é muito difícil e marcará todo o restante de sua vida,
embora se ele não a aceitasse não teria sido possível uma chance de esperança
para a humanidade. Isso porque, é ele que envia as informações possíveis, no
estranho fenômeno no quarto de Murph, que permite que a missão seja
bem-sucedida. Tudo por causa dos efeitos da força da gravidade, que torna
possível ir além das três dimensões e contornar o próprio tempo. Pois a
história se sustenta num campo de especulação científica que, embora sólida,
guarda uma relação muito próxima com os delírios imaginativos da própria FC. Sense
of wonder!
Poucas
vezes vi um filme de FC tão instigante e que desafia a inteligência do
espectador. As soluções apresentadas são elegantes e didáticas e, tão
importante quanto, equilibradas com o drama humano, no relacionamento especial
e sofrido entre um pai e sua filha. Em resumo, o livro é bom, mas não
acrescenta algo novo ao filme. Contudo, torna-se um prazer renovado ler a
novelização e tomar, de uma outra perspectiva, um novo contato com esta
obra-prima da FC.
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