terça-feira, 3 de agosto de 2021

O Vagabundo das Estrelas

O Vagabundo das Estrelas (L´Orphelin de Perdide), de Stefan Wul. Tradução de Mário Henrique Leiria. Capa de Lima de Freitas. 154 páginas. Lisboa: Editora Livros do Brasil, Coleção Argonauta, n. 60, 1960. Lançamento original de 1958.

 

Este pequeno romance é o sétimo dos doze da carreira de Stefan Wul. E talvez aquele que escreveu mais rápido, em apenas três semanas. Como os demais, também foi primeiramente publicado na clássica coleção francesa de FC, Fleuve Noir.

O popular contrabandista e viajante espacial Max, a bordo de sua nave, Grande Max, recebe uma mensagem de um amigo antigo, vindo do planeta Perdide. Desesperado, Claude pede ajuda para resgatar seu filho pequeno, após ele e sua mulher sofrerem um ataque de vespas gigantes. Este início é o melhor da história, o momento mais dramático. O suspense em torno da fuga do pai e seu filho é impactante, ainda mais quando só o menino sobrevive, tendo como meio de comunicação um aparelho chamado de micro, uma espécie de drone ovóide, capaz de vencer as barreiras do espaço para estabelecer uma conversa imediata. Uma espécie de ansível antes do recurso tecnológico ser melhor desenvolvido pela escritora norte-americana Ursula K. le Guin (1929-1918).

E é por meio do aparelho que Max passa a orientar a criança e decide partir até Perdide para salvá-lo. Mas não será tão simples, já que ele estava em viagem transportando um casal (Martin e Belle) para o planeda Sidoine. Mas em nome da amizade ele muda a rota para Perdide, com a promessa de depois levá-los ao seu destino, ainda que sob protestos de Martin, um sujeito egoísta e com ciúmes de sua bela esposa, mesmo que Max não demonstre maior interesse nela. Aliás, é curioso também como Wul se debruça em descrever fisicamente Max em várias páginas, como um negro bonito, alto e musculoso que anda seminu em sua nave.

Perdide é muito longe e para encurtar a viagem de 85 dias numa velocidade crescente em direção à da luz, Max resolve utilizar o recurso de pegar carona gravitacional em outros corpos celestes. Assim, a Grande Max chega ao paradisíaco planeta Devil-Ball, cheio de belezas naturais, onde encontra outro velho amigo, Silbad. Este, tocado pelo drama, resolve acompanhá-los na tentativa de resgatar o menino. Mas, antes ainda param em Gama 10, onde Martin foge, após ser flagrado tentando orientar o menino a entrar num lago para se afogar. Na tentativa de capturar o infeliz, Max e Silbad são raptados por uma horda nativa, que é liderada por um sujeito chamado de Mestre, que conserva o seu poder ao manter cativa uma fera monstruosa que se alimenta, entre outras coisas, de carne humana. Quem o desobedece vira comida do bicho. Eventualmente, eles conseguem escapar e retomar sua rota original.

Como se percebe, há uma quebra de expectativas, pois ao leitor é sugerido que o objetivo imediato da história é a tentativa de resgate do menino e suas consequências. Mas uma série de situações novas e arriscadas acontecem sem que se perca, contudo, o fio condutor do enredo. É que com este recurso, é mostrado o estilo de vida despojado de Max, conhecido quase que como uma lenda pela galáxia.

Mas Wul ainda reserva uma surpresa no final do livro, pois ao finalmente chegarem a Perdide são surpreendidos por uma frota espacial em órbita. Eles descobrem que o planeta está amplamente habitado e urbanizado, ao contrário do que conheciam dele. Não encontram mais o menino, pois percebem estupefatos que foram vítimas de uma dilatação temporal que produziu um atraso de um século em sua jornada. Mas Wul deixa tudo mais ou menos no ar, sem dar detalhes dos motivos da ocorrência do paradoxo temporal, o que enfraquece o efeito.

Esta aventura destoa do restante de sua obra, pois o contexto é mais assumidamente juvenil, com uma space opera explícita. Não há o desenvolvimento de um enredo em torno de um evento coletivo dramático ou complexo, e com um subtexto político mais ou menos evidente, por meio do qual os personagens se movem, entremeados por soluções criativas e surpreendentes. Ora, características todas vistas nos seus seis livros anteriores – ver as resenhas aqui. Pois O Vagabundo das Estrelas é todo pulp, mas num sentido fraco, pois o próprio final pode ser vislumbrado por um leitor mais atento ou experiente.

Este livro também foi adaptado para o cinema de animação, com o nome de Time Masters (1982), por René Laloux, o mesmo realizador de Fantastic Planet (1973) – adaptação de O Mundo dos Draags (Oms em Série; 1957), premiado no Festival de Cannes. Isso é uma mostra do fascínio que Wul provocou na ficção científica francesa da segunda metade do século passado, e não sem razão, embora o diretor tenha escolhido talvez a sua história menos inspirada.

Marcello Simão Branco


3 comentários:

  1. Eu não conhecia este blog, fiquei sabendo pela troca de e-mail entre você (Marcello) e o Pablo Villarrubia Mauso n CLFC
    Muito bom !

    Rogério Peroma
    (rogerio.peroma2@outlook.com)

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  2. Obrigado Rogério. Fique à vontade para desfrutar do conteúdo. Abraço.

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  3. Grande texto! Sim, a obra tem uma cara juvenil. O caso é a li quando guri e gostei muito, é claro! Um dos primeiros autores que li além do Asimov. Que legal encontrar novamente o Wul por aqui.

    Aproveito para convidar para a minha incipiente tavernadesmade.blogspot.co

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