Ômega, o Planeta dos Condenados
(The
Status Civilization), Robert Sheckley. Capa de Roberto de Sousa
Causo. Tradução de Donald Garschagen. 147 páginas. São Paulo:
Edições GRD, coleção Nova Ficção Científica GRD, no. 3, 1989.
Lançamento original em 1960.
Um
homem desperta da inconsciência em uma sala escura e fechada sem
saber onde está e, pior, sem saber quem é. Imagina estar num
hospital, mas fica ainda mais desorientado quando lhe dizem que está
numa prisão. Na verdade é uma nave espacial a caminho do planeta
Ômega, que abriga os condenados da Terra, onde poderão recomeçar
suas vidas.
Assim
começa o romance curto Ômega,
o Planeta dos Condenados
(The Status
Civilization),
do escritor norte-americano Robert Sheckley (1928-2005), um dos mais
talentosos e inteligentes surgidos nos anos 1950, logo após a Golden
Age
dos anos 1940 e antes da emergência da New
Wave
nos anos 1960.
O prisioneiro de número 402 é informado que seu nome é Will
Barrent, e foi condenado pelo crime de assassinato. E da mesma forma
que os outros não se lembra de sua vida pregressa na Terra e muito
menos sobre as circunstâncias de seu crime.
Eles devem recomeçar uma nova vida, mas logo descobrem que não será
fácil. Isso porque Ômega é socialmente dividido em castas muito
rígidas, com os mais antigos tendo mais poderes e privilégios. Para
conseguir ascender é preciso se defender dos riscos iminentes de
serem mortos, pois as leis e os costumes permitem que se cometam
assassinatos para subir de casta.
Barrent
não terá paz e assim que chega tem de se defender de uma tentativa
de assassinato. Mata seu oponente e assim ascende uma casta, ficando
com os bens e os negócios de seu oponente. Passa a atuar numa loja
de venenos, frequentada principalmente por mulheres, em franca
minoria, cerca de um sexto da população do planeta. Aliás, este é
um aspecto que poderia ser mais explorado, pois numa situação como
esta as mulheres tenderiam a ser muito valiosas e disputadas. Ou
mesmo poderosas.
Por meio da adaptação de Barrent é exposto o sistema social de
Ômega, bastante cruel e desumano, no qual matar é incentivado. Por
isso a expectativa de vida de quem chega é de apenas três anos.
Quem burla as leis também é premiado, desde que sobreviva às
punições previstas.
Numa noite Barrent é surpreendido com a visita de um sacerdote, mas
não é o que parece. Ele representa o Mal, um culto a uma entidade
chamada O Negro. Através de rituais de missas negras e com o
sacrifício eventual de garotas virgens – muito raras – ele é
exaltado como ser supremo da representação dos pecados humanos.
Outra instituição curiosa é a Casa dos Sonhos, onde as pessoas são
incentivadas a passarem algumas horas consumindo drogas. Barrent
comparece aos dois lugares, mas não se sente à vontade em nenhum.
Na verdade ele não aceita ter cometido o crime que lhe é imputado
pois, de índole pacífica, não imagina como possa ter matado
alguém. Para conseguir respostas ele visita o bairro dos mutantes,
na periferia de Tetrahyde, a cidade principal de Ômega. Alguns dos
mutantes têm a capacidade de vidência passada e, através de uma
mulher, ele descobre detalhes sobre as circunstâncias de seu crime.
Sua
rejeição à religião, às drogas e a visita aos mutantes,
segregados do resto da sociedade, rende a Barrent a condenação a
enfrentar Max, uma máquina assassina dos
quais
pouquíssimos escapam com vida. Colocado numa arena com a presença
de uma multidão eufórica, ele tem de usar de toda sua habilidade
para não morrer – como mostrado
acima a capa do livro representa este duelo –, um dos momentos mais
marcantes do
livro.
Contudo, percebe que não haverá mais paz, pois de uma prova ele é
endereçado a outra ainda mais difícil. Nesta escalada ele procura
fugir e descobre a existência de uma resistência secreta, formada
por condenados por crimes não violentos, especialmente perseguidos
políticos da Terra. Com isso, passa a ter mais um objetivo, além de
sobreviver e desvendar seu passado. Uma tentativa de reverter o
sistema cruel de Ômega e voltar à Terra.
Infiltrado
numa das naves que trazem novos prisioneiros Barrent volta ao seu
planeta natal. O objetivo é descobrir como ele está e, se for
o caso,
fazer contato com uma possível oposição com o intuito de juntar
forças contra a opressão do sistema. E, de novo, ele fica chocado.
Agora com o que se tornou a Terra, que há cerca de 800 anos
estabeleceu um governo mundial, mas sem espaço para qualquer outra
forma de expressão ou comportamento senão aquele aprovado pelo
Estado, que cuida das leis e punições, enquanto máquinas e robôs
gerenciam a administração e a economia. Os que se opõe ou cometem
algum crime previsto são deportados para Ômega. Mas Barrent
descobre que os terráqueos estão decadentes, vivem numa sociedade
em anomia e sem objetivos. Desde a infância as pessoas são
doutrinadas – como numa lavagem cerebral – a serem obedientes e
conformadas, e mesmo para aqueles que se rebelam e são condenados à
Ômega, há uma proteção final para preservar a utopia vivida na
Terra.
Como se percebe é um livro
bastante crítico e sofisticado do ponto de vista social e político.
Embora curto, apresenta um painel bastante complexo das sociedades
dos dois planetas, talvez facilitado com o recurso engenhoso de expor
tudo por meio de acontecimentos na vida do protagonista, o que torna
a narrativa ágil e cheia de suspense, pois Barrent enfrenta desafios
o tempo todo em sua luta para sobreviver e descobrir sobre o seu
passado.
Histórias
sobre planetas prisões não são incomuns na FC, como Regresso
a Zero
(Retour
a “0”,
1956), de Stefan Wul, Revolta
na Lua
(The
Moon is a Harsh Mistress,
1966), de Robert A. Heinlein, e Estação
dos Exilados
(Hawksbill Station, 1968), de Robert Silverberg. Mas
Ômega talvez tenha a reflexão social e política mais aguda,
mostrando um mundo que destrói a identidade e a individualidade.
Poderia ser visto como uma metáfora anti-comunista, já que foi
escrito em plena Guerra Fria. Mas acredito que seja mais do que isso,
pois reflete em termos amplos sobre a condição de humanidade,
afinal descaracterizada na ditadura homogenizadora da Terra e na
violência institucionalizada de Ômega. Pois uma mostra a decadência
e outra a barbárie. Como indica o título original é a sombria
condição a
que
chegou a civilização.
Antes
deste romance Sheckley só teve publicado no Brasil sua excepcional
coletânea Inalterado
por Mãos Humanas
(Untouched
by Human Hands),
no distante ano de 1970 pela editora Brasiliense. Nesta onda
favorável destes últimos anos de publicação de autores
estrangeiros de FC no país, Robert Sheckley é um nome que se impõe
a ser redescoberto, pela sua qualidade literária refinada e sua
visão de mundo satírica e pessimista. Um autor necessário, e que
tem em Ômega,
o Planeta dos Condenados
uma pequena obra-prima.
– Marcello
Simão Branco
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