sábado, 18 de janeiro de 2020

Ômega, o Planeta dos Condenados


Ômega, o Planeta dos Condenados (The Status Civilization), Robert Sheckley. Capa de Roberto de Sousa Causo. Tradução de Donald Garschagen. 147 páginas. São Paulo: Edições GRD, coleção Nova Ficção Científica GRD, no. 3, 1989. Lançamento original em 1960.


Um homem desperta da inconsciência em uma sala escura e fechada sem saber onde está e, pior, sem saber quem é. Imagina estar num hospital, mas fica ainda mais desorientado quando lhe dizem que está numa prisão. Na verdade é uma nave espacial a caminho do planeta Ômega, que abriga os condenados da Terra, onde poderão recomeçar suas vidas.
Assim começa o romance curto Ômega, o Planeta dos Condenados (The Status Civilization), do escritor norte-americano Robert Sheckley (1928-2005), um dos mais talentosos e inteligentes surgidos nos anos 1950, logo após a Golden Age dos anos 1940 e antes da emergência da New Wave nos anos 1960.
O prisioneiro de número 402 é informado que seu nome é Will Barrent, e foi condenado pelo crime de assassinato. E da mesma forma que os outros não se lembra de sua vida pregressa na Terra e muito menos sobre as circunstâncias de seu crime.
Eles devem recomeçar uma nova vida, mas logo descobrem que não será fácil. Isso porque Ômega é socialmente dividido em castas muito rígidas, com os mais antigos tendo mais poderes e privilégios. Para conseguir ascender é preciso se defender dos riscos iminentes de serem mortos, pois as leis e os costumes permitem que se cometam assassinatos para subir de casta.
Barrent não terá paz e assim que chega tem de se defender de uma tentativa de assassinato. Mata seu oponente e assim ascende uma casta, ficando com os bens e os negócios de seu oponente. Passa a atuar numa loja de venenos, frequentada principalmente por mulheres, em franca minoria, cerca de um sexto da população do planeta. Aliás, este é um aspecto que poderia ser mais explorado, pois numa situação como esta as mulheres tenderiam a ser muito valiosas e disputadas. Ou mesmo poderosas.
Por meio da adaptação de Barrent é exposto o sistema social de Ômega, bastante cruel e desumano, no qual matar é incentivado. Por isso a expectativa de vida de quem chega é de apenas três anos. Quem burla as leis também é premiado, desde que sobreviva às punições previstas.
Numa noite Barrent é surpreendido com a visita de um sacerdote, mas não é o que parece. Ele representa o Mal, um culto a uma entidade chamada O Negro. Através de rituais de missas negras e com o sacrifício eventual de garotas virgens – muito raras – ele é exaltado como ser supremo da representação dos pecados humanos. Outra instituição curiosa é a Casa dos Sonhos, onde as pessoas são incentivadas a passarem algumas horas consumindo drogas. Barrent comparece aos dois lugares, mas não se sente à vontade em nenhum. Na verdade ele não aceita ter cometido o crime que lhe é imputado pois, de índole pacífica, não imagina como possa ter matado alguém. Para conseguir respostas ele visita o bairro dos mutantes, na periferia de Tetrahyde, a cidade principal de Ômega. Alguns dos mutantes têm a capacidade de vidência passada e, através de uma mulher, ele descobre detalhes sobre as circunstâncias de seu crime.
Sua rejeição à religião, às drogas e a visita aos mutantes, segregados do resto da sociedade, rende a Barrent a condenação a enfrentar Max, uma máquina assassina dos quais pouquíssimos escapam com vida. Colocado numa arena com a presença de uma multidão eufórica, ele tem de usar de toda sua habilidade para não morrer – como mostrado acima a capa do livro representa este duelo –, um dos momentos mais marcantes do livro. Contudo, percebe que não haverá mais paz, pois de uma prova ele é endereçado a outra ainda mais difícil. Nesta escalada ele procura fugir e descobre a existência de uma resistência secreta, formada por condenados por crimes não violentos, especialmente perseguidos políticos da Terra. Com isso, passa a ter mais um objetivo, além de sobreviver e desvendar seu passado. Uma tentativa de reverter o sistema cruel de Ômega e voltar à Terra.
Infiltrado numa das naves que trazem novos prisioneiros Barrent volta ao seu planeta natal. O objetivo é descobrir como ele está e, se for o caso, fazer contato com uma possível oposição com o intuito de juntar forças contra a opressão do sistema. E, de novo, ele fica chocado. Agora com o que se tornou a Terra, que há cerca de 800 anos estabeleceu um governo mundial, mas sem espaço para qualquer outra forma de expressão ou comportamento senão aquele aprovado pelo Estado, que cuida das leis e punições, enquanto máquinas e robôs gerenciam a administração e a economia. Os que se opõe ou cometem algum crime previsto são deportados para Ômega. Mas Barrent descobre que os terráqueos estão decadentes, vivem numa sociedade em anomia e sem objetivos. Desde a infância as pessoas são doutrinadas – como numa lavagem cerebral – a serem obedientes e conformadas, e mesmo para aqueles que se rebelam e são condenados à Ômega, há uma proteção final para preservar a utopia vivida na Terra.
Como se percebe é um livro bastante crítico e sofisticado do ponto de vista social e político. Embora curto, apresenta um painel bastante complexo das sociedades dos dois planetas, talvez facilitado com o recurso engenhoso de expor tudo por meio de acontecimentos na vida do protagonista, o que torna a narrativa ágil e cheia de suspense, pois Barrent enfrenta desafios o tempo todo em sua luta para sobreviver e descobrir sobre o seu passado.
Histórias sobre planetas prisões não são incomuns na FC, como Regresso a Zero (Retour a “0”, 1956), de Stefan Wul, Revolta na Lua (The Moon is a Harsh Mistress, 1966), de Robert A. Heinlein, e Estação dos Exilados (Hawksbill Station, 1968), de Robert Silverberg. Mas Ômega talvez tenha a reflexão social e política mais aguda, mostrando um mundo que destrói a identidade e a individualidade. Poderia ser visto como uma metáfora anti-comunista, já que foi escrito em plena Guerra Fria. Mas acredito que seja mais do que isso, pois reflete em termos amplos sobre a condição de humanidade, afinal descaracterizada na ditadura homogenizadora da Terra e na violência institucionalizada de Ômega. Pois uma mostra a decadência e outra a barbárie. Como indica o título original é a sombria condição a que chegou a civilização.
Antes deste romance Sheckley só teve publicado no Brasil sua excepcional coletânea Inalterado por Mãos Humanas (Untouched by Human Hands), no distante ano de 1970 pela editora Brasiliense. Nesta onda favorável destes últimos anos de publicação de autores estrangeiros de FC no país, Robert Sheckley é um nome que se impõe a ser redescoberto, pela sua qualidade literária refinada e sua visão de mundo satírica e pessimista. Um autor necessário, e que tem em Ômega, o Planeta dos Condenados uma pequena obra-prima.

Marcello Simão Branco

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