Pré-História do Futuro (Niourk),
Stefan Wul. Tradução de Mário Henrique Leiria. Capa de Lima de Freitas. 199
páginas. Lisboa: Edição Livros do Brasil: Coleção Argonauta no. 56, 1960. Lançado
originalmente em 1957.
Este é o segundo
romance de Stefan Wul, publicado na coleção francesa Fleuve Noir, no. 57, em
1957, após sua estreia na mesma coleção em 1956 com Regresso a Zero (Retour à “O”).
E é também o segundo do autor publicado na coleção Argonauta.
Se no primeiro
romance Wul abordou um tema principal – disputa de poder entre a Terra e a Lua
– com desdobramentos para a abordagem de temas secundários – como, por exemplo,
a belíssima sequência da cirurgia miniaturizada no interior do corpo humano –,
em Pré-História do Futuro temos um
enredo mais centrado e definido, abrindo a oportunidade de maior aprofundamento
dramático da história.
A civilização
humana praticamente acabou depois de uma guerra nuclear. As cidades foram
destruídas e não há mais mares e oceanos, só terra firme em infindáveis
florestas e pradarias, algumas com altos níveis de radioatividade. Os humanos
decaíram para uma nova pré-história, vivendo como caçadores e coletores
organizados em tribos que apenas lutam para sobreviver. Caçam, entre outros
animais cães, para comer! Outrora seus melhores amigos.
Numa destas
tribos lidera Thoz, louro, alto e forte. Ele impõe sua liderança mais por sua
força física do que pela inteligência, mas com eles vive também O Velho,
respeitado por ser o único capaz de se comunicar com os deuses. Esta
comunicação ocorre quando ele parte para o alto das montanhas e traz de sua
jornada utensílios úteis à vida coletiva. Objetos estranhos, na verdade
retirados de Niourk que, como se tornará claro ao longo do texto, é
simplesmente o que sobrou de Nova York. A ação se passa entre as localidades do
Caribe, como Hait, Jamai, Santiag de Cuba e o que restou da antiga costa leste
norte-americana, cujas maiores ruínas encontram-se, justamente, em Niourk.
Numa das visitas
do Velho à “morada dos deuses” ele não retorna. Uma expedição liderada por Thoz
sai à sua procura, mas não o encontra, embora não ouse entrar em Niourk. Nesse
meio tempo um pária que vive com a tribo, um garoto negro – discriminado e
maltratado – resolve procurar o Velho de forma independente. Após chegar e
percorrer a metrópole em ruínas encontra uma pistola laser e se espanta e
encanta com seu novo poder. O rapaz encontra o Velho morto, e devora os miolos
do seu cérebro para combinar sua nova força advinda da arma com a sapiência do
sábio.
Neste novo mundo
surge uma espécie inteligente, os polvos. Chamados de “monstros” pelos humanos
guerreiam em busca de terras e alimentos. Numa dessas disputas levam a melhor,
mas com a volta do rapaz negro, a vantagem volta aos homens, que os matam em
grande quantidade e os devoram.
A tribo agora
liderada pelo rapaz negro se sente vitoriosa e marcha para Niourk. Mas,
subitamente, as pessoas ficam doentes e morrem rapidamente depois de
apresentarem uma estranha luminosidade no corpo. É que os polvos eram seres
radioativos e, ao comê-los, as pessoas também ficaram. Nos polvos a
radioatividade lhes permitiu uma transformação cognitiva. Nos humanos a morte.
Embora também doente o rapaz negro não sofre os efeitos de forma tão intensa, e
parte para explorar Niourk, ao lado de um urso que encontrou pela selva.
Pouco antes do
holocausto nuclear um pequeno grupo fugiu para Vênus e lá recomeçou a
civilização. Numa missão à Terra uma de suas naves sofre um acidente e apenas
três tripulantes sobrevivem, e adentram nas ruínas de Niourk. Um deles morre,
mas os outros encontram o rapaz negro. Tratam de sua doença e percebem que a
radioatividade o tornara superinteligente.
Agora respeitado e temido Alf – o nome que
ganha dos venusianos, uma corruptela de Alfabeto –, lê rapidamente todos os
livros que encontra, e torna-se extremamente sagaz. Num verdadeiro salto
evolutivo.
Assim como em Regresso a Zero (1956), neste livro o
final é absolutamente delirante em termos de imaginação. Sem revelar todos os
detalhes, basta dizer que Alf conserta a nave dos venusianos, cria uma nova
civilização artificial para ele comandar e transforma a própria Terra numa nave
que viaja em direção ao centro da galáxia!
Embora seja puro
sense of wonder na melhor tradição pulp o desfecho destoa do tom elaborado
ao longo da narrativa, bastante pessimista quanto à viabilidade de um
reerguimento da civilização. Nesse contexto surge um novo (super) homem, e
justamente daquele considerado inferior pelos outros, por causa da cor de sua
pele.
O título
original se refere à Niourk, corruptela da mais importante cidade do seu tempo,
Nova York, acentuando, por meio de sua queda, à da própria humanidade. Mas o
título português é mais interessante. Isso porque pode ser visto como uma
alusão à História do Futuro (1718),
do Padre Antonio Vieira, a primeira narrativa utópica da língua portuguesa. Pois se para Vieira o futuro reservaria ao povo português a liderança num novo
império cristão, para Wul, sua pré-história
do futuro não se refere à construção de uma nova e utópica civilização, mas
centra-se num único e incrível humano produzido, de forma aleatória, para
tornar-se quase que um ser divino. Resta saber que tipo de civilização
humanoide, mas artificial, Alf irá construir.
– Marcello Simão Branco
Li esse livro há muitos anos, Stefan Wul foi um autor de poderosa imaginação, porém bastante mórbida. Aqueles polvos são tenebrosos.
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