As Mulheres dos Cabelos de Metal,
Cassandra Rios. Capa: sem autoria. 162 páginas. São Paulo: Hemus, 1971.
Se a ficção científica no Brasil ainda é algo
à margem do centro de produção da cultura nacional, há autores mainstream
ou de outros gêneros que também a praticaram, mas é como se a obra de FC fosse
ainda mais obscura, até para os fãs e especialistas. É o caso de Cassandra Rios
(1932-2002), autora muito marcada por uma obra contestadora dos costumes e da sexualidade,
através do erotismo e do lesbianismo. Além de militante homossexual, com o qual
pagou um preço muito alto, sendo a escritora brasileira mais perseguida durante
a ditadura militar.
Assim, ela surpreendeu com As Mulheres
dos Cabelos de Metal, uma inusitada história de invasão alienígena
comandada por uma civilização de mulheres. Por meio de um matriarcado, elas são
mais inteligentes que os homens, reduzidos à força física e tarefas manuais. As
mulheres tem corpos esculturais e cabelos compridos de metal que, ao toque,
emite um som musical relaxante. De repente, suas naves surgem nos céus e
desembarcam na Terra, depois de um período secreto para estudar os costumes da
humanidade. Elas seduzem e matam os homens de forma implacável. E para
completar a missão, é lançada uma nuvem venenosa indolor que extermina todas as
formas de vida sobre a superfície do planeta. Não há meio de resistência
possível e, em poucos dias, a humanidade conhece seu fim.
Terrível, né? Mas Zarka, uma das invasoras,
é picada por uma cobra, e recebe a ajuda de um médico que vivia recluso em luto
num sítio, após se sentir culpado pela morte de sua noiva. Com o veneno, Zarka
perde temporariamente seus poderes – as alienígenas tem força física superior
aos humanos, poder de hipnose e telepatia –, e deixa-se envolver emocionalmente
por Patrick, o médico. Mas ele, ao descobrir o que ela é e qual sua missão,
procura resistir aos seus encantos e, de alguma forma, tentar impedir o
inevitável.
Devido ao seu período de recuperação,
Zarka é dada como perdida, e após o sucesso da missão, deixada sozinha na
Terra. Desta forma, ambos ficam como que desterrados. Ela sem suas companheiras
e ele sozinho no mundo.
Assim, na maior parte da narrativa ocorre
este relacionamento controverso entre uma zurk – o nome da civilização
extraterrestre – e um humano. Após seguidos contratempos, terão de aprender a
conviver juntos e, talvez recomeçar uma nova civilização em nosso planeta.
Mas por que as zurks aniquilaram a
humanidade? Zarka explica que testes nucleares realizados na Lua destruíram
parte de sua civilização e, por isso, não viram outra alternativa. Pois, sim,
as zurks vivem na Lua, mais precisamente sob a superfície, com uma sociedade
altamente tecnológica, capaz de viajar pelo espaço e, por meio de um aparelho
de pulso, permitir até a invisibilidade. A intenção, após o fim da humanidade
é, eventualmente, ocupar a própria Terra.
É um romance bem movimentado, primeiro na
invasão em si e no processo de domínio e extermínio. Depois, do meio para o
final, o drama entre a alienígena e o último dos homens. Ao desprezo dela e o
ódio dele, haverá, gradualmente, a possibilidade de amor entre eles. Mas longe
de ser simples ou inevitável.
Publicando esta obra no início dos anos
1970, Cassandra Rios – pseudônimo de Odete Pérez Rios –, faz parte do chamado
momento distopico da FCB, quando aqueles que escreveram histórias do gênero,
tinham como intenção criticar metaforicamente o regime militar. Rios, em
particular, dentro deste contexto, dialoga com outras autoras que publicaram FC
neste período, enfatizando, principalmente, a condição feminina na sociedade da
época, como por exemplo, no autoritarismo niilista em Um Dia Vamos Rir Disso
Tudo (1976), de Maria Alice Barroso ou na distopia alegórica feminista de Asilo
nas Torres (1979), de Ruth Bueno.
Assim, se a crítica à ditadura é mais
obliqua, presente mais nas mazelas da violência e opressão da civilização, o
romance ganha força e relevância com o protagonismo feminino. Pois o
patriarcado teria sido responsável pelo fracasso da civilização humana, e uma
outra voltada mais à sensibilidade, à beleza e um sentido social mais coletivo,
teria mais a ver com a condição da própria mulher. Aqui no caso, extremamente
empoderada.
Mas ao ler a obra, não me parece que o
comportamento do matriarcado lunar seja tão mais elevado, pois a solução que
deram à ameaça nuclear que sofreram, não é muito diferente do que os homens tem
feito ao longo de nossa História. Resolver conflitos e ameaças por meio da
força e da guerra.
Sempre soube que Cassandra Rios era a
“autora maldita” do Brasil. A mais perseguida e censurada da ditadura militar.
E não porque se opunha politicamente ao regime de forma mais direta, mas por
expor cruamente o falso moralismo da sociedade e os tabus da sexualidade. Mesmo
assim, publicou 68 livros, quase todos de ficção erótica, entre 1948 e 2000,
sendo uma das que mais venderam no país. Mas não deixou de ser surpreendente
que ela tenha publicado um romance de FC, que tem o que dizer e,
principalmente, é divertido e inteligente. Uma editora mais progressista
poderia arriscar uma nova edição desta pérola quase anônima da nossa FC.
—Marcello
Simão Branco
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