O
Enigma de Andrômeda (The Andromeda Strain), Michael Crichton.
Tradução: Fábio Fernandes. 305 páginas. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. Lançamento
original em 1969.
Este romance é um
clássico do sub-gênero tecnothriller,
que procura trabalhar com enredo de ação e suspense em torno de um problema
científico e/ou tecnológico na fronteira do conhecimento. O Enigma de Andrômeda se distingue, ainda, pela abordagem a partir
de uma perspectiva médica/biológica. Há outros romances nesta linha, mas talvez
nenhum com o impacto deste. E isso além do fato de que a maioria dos tecnothrillers trilhou o caminho do
suspense político em meio ao contexto da Guerra Fria e novos armamentos e
tecnologias.
Nos anos 1960, em plena
disputa pela primazia espacial e militar, os EUA criam um projeto secreto para
explorar a possibilidade, teórica, em princípio, de estudar e desenvolver
alguma arma biológica a partir de supostos microorganismos situados no espaço
próximo à Terra. Para isso lançam alguns satélites de exploração até que um
deles choca-se com um meteoro e entra na atmosfera. Qual não é a surpresa e o
choque quando se descobre que o Scoop-7 matou quase todos os habitantes de
Piedmont, uma cidadezinha do estado do Arizona.
Com isso é reunida uma
equipe de cientistas lideradas pelo prêmio Nobel de Medicina Jeremy Stone. Na
verdade, ele é que havia proposto ao governo a criação deste projeto anos antes
– chamado de Wildfire –, mas não com objetivos militares, e sim científicos.
Ele e mais três especialistas (um microbiologista, um patologista e um
cirurgião) são levados a uma instalação subterrânea ultrassecreta no interior
do estado de Nevada, em uma corrida contra o tempo para descobrir o que ocorreu
em Piedmont, a partir dos destroços do satélite e dos dois únicos
sobreviventes: um homem idoso e um bebê. Foi mesmo causado por um
microorganismo? De origem terrestre ou alienígena? Quais suas propriedades,
como age no organismo humano, qual o grau de contaminação e letalidade?
Como o leitor já deve ter
notado, Crichton faz uma crítica ao governo norte-americano por perverter uma
iniciativa que teria interesses científicos. Esta crítica pode ser estendida a
muitos outros países, e deixa implícita a hipótese de que um processo de doença
epidemiológica de consequências catastróficas pode ter sido criada num
laboratório. Estas situações são muito prováveis, principalmente na época em
que houve a rivalidade entre norte-americanos e soviéticos. E a exploração
dessa possibilidade se tornou comum em muitas teorias da conspiração, principalmente
quando uma nova doença contagiosa é descoberta. Mais recentemente, as
suspeitas, fundadas ou não, sobre o surgimento da Covid-19 também estão nesse
contexto.
O romance se desenvolve
como se fosse os cinco dias da maior crise científica da história dos EUA. Cada
capítulo se passa num deles e progressivamente as pesquisas avançam, bem como
seus desdobramentos. Crichton escreve de forma intensa e com muito realismo,
tratando o assunto com o conhecimento científico da época. Assim, as páginas
tem um aspecto semidocumental, com a apresentação de relatórios médicos,
descrições de experimentos biológicos, gráficos, tabelas, infográficos e até
uma bibliografia acadêmica ao fim da obra, para quem quiser estudar o assunto
de forma mais profunda. Mas nada disso torna o livro chato. Ao contrário:
reforça ainda mais o teor realista da obra, tornando-a mais impressionante para
o leitor.
Dessa forma, todas as
teorias de vida extraterrestre são apresentadas – pelo menos até a época em que
o livro foi escrito –, e uma delas, justamente, é esta da chamada panspermia.
De microorganismos de origem extraterrestre que adentram em nosso planeta. E no
caso da “Variante Andrômeda” se mostrando uma bactéria de aspecto mortal. Com
uma estrutura interna diferente das estruturas celulares da Terra, uma espécie
de hexágono cristalino – mas sem DNA, RNA, proteínas ou aminoácidos –, é mortal
aos seres vivos do nosso planeta ao provocar uma rápida coagulação no interior
do organismo, solidificando o sangue, por assim dizer. Contudo, como irão
descobrir os cientistas, pode haver alguma esperança, pois ela sofre contínuas
mutações ao contato com o oxigênio presente na Terra.
Há um ponto especialmente
interessante de O Enigma de Andrômeda
que poderia ter sido mais explorado, mas talvez não o tenha porque poderia
encaminhar a história para um sentido mais especulativo. É a Teoria da Bactéria
Mensageira, ou seja, da possibilidade do envio de um microorganismo como meio
de comunicação de uma espécie inteligente a outra. Isso mesmo: uma civilização
extra-solar enviaria ao espaço profundo uma forma de vida que poderia
estabelecer alguma comunicação com outra espécie inteligente. No livro ela
teria sido apresentada por um engenheiro de comunicações, num congresso de
Astronáutica no começo dos anos 1960. Talvez não por acaso, pois o romance
surgiu no contexto da efervescência da corrida espacial da época, e Crichton
explorou, justamente, esta perspectiva biológica. Factível ou não, a ideia é
fascinante.
Na época, Michael
Crichton (1942-2008) havia se formado em Medicina pela Universidade de Harvard,
mas já havia dado os primeiros passos na carreira de escritor. Contudo, antes
deste livro havia publicado apenas com pseudônimos, e O Enigma de Andrômeda foi o primeiro assinado com seu próprio nome.
O sucesso imediato fez sua carreira de escritor decolar. De fato, o livro foi
rapidamente adaptado ao cinema, num filme ótimo que se tornou também um clássico,
homônimo de 1971, dirigido por Robert Wise (1914-2005). Anos depois, em 2008,
no ano da morte de Crichton, Ridley Scott produziu uma minissérie baseada na
história.
De fato, e como o leitor
pode ter percebido ao ler o resumo do enredo acima, a obra tem muitas
qualidades, que se tornariam uma marca de Crichton: uma prosa direta, com
personagens interessantes e ativos, colocados quase sempre em situações limite,
com muita tensão e suspense, em torno de temas e eventos na fronteira do
conhecimento, na maior parte das vezes relacionados à FC. Muito prolífico, ele
se tornou também roteirista e diretor de filmes competentes. Exemplos: Westworld: Onde Ninguém tem Alma (Westworld; 1974), O Homem Terminal (The
Terminal Man; 1974), a adaptação de outro thriller médico Coma (1978), baseado no romance do
também médico Robin Cook, entre outros. Sempre com uma visão crítica e por
vezes irônica sobre os rumos da relação do ser humano com a tecnologia e a
pesquisa científica.
Em termos populares
Crichton, muito presente a partir dos anos 1970 até a sua morte precoce aos 66
anos, é mais conhecido como autor do romance Parque dos Dinossauros (Jurassic
Park; 1990), de fato mais uma de suas obras muito boas – e que recebeu aqui
no Brasil o Prêmio Nova em 1992. Mas, em termos de contribuição original à FC,
acredito que O Enigma de Andrômeda
ainda seja o mais interessante e influente. A editora Aleph relançou a obra em
2018, e ela continua, portanto, acessível aos leitores brasileiros.
—Marcello
Simão Branco
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