Homem Mais (Man Plus), de Frederik Pohl. Tradução: Maria Teresa Pinto Pereira. Publicações Europa-América, Coleção Livros de Bolso FC, n. 130, 1987. Lançamento original em 1976.
Nesse
sentido, a década de 1970 foi extremamente relevante em sua carreira, com ao
menos três romances importantes. Homem Mais (Man Plus; 1976), A
Porta das Estrelas (Gateway; 1977) e Jem: A Construção Duma
Utopia (Jem: The Making of a Utopia; 1979). Os três livros foram
premiados, o primeiro com o Nebula, o segundo com o Locus e o terceiro com o
National Book Award.
O
primeiro trata da colonização de Marte através do desenvolvimento de um humano
cibernético, o segundo aborda as consequências da descoberta de restos de uma
civilização ultra tecnológica num asteroide e o terceiro nos mostra a disputa
entre os países em busca do domínio de novas fontes de energia em um planeta já
habitado. Nos três está embutida uma boa discussão sobre individualismo,
ganância, imperialismo e capitalismo. Mas dos três Homem Mais é o menos
interessante. Não pelo tema, mas sim pela forma como foi desenvolvido.
Estamos
em algum momento do século XXI e o mundo está próximo de um conflito militar
generalizado que pode ameaçar a sobrevivência da espécie humana. Com receio de
que a paz não possa ser alcançada, os EUA desenvolvem um projeto secreto para
colonizar Marte e garantir a continuidade da humanidade. Para isso o
diferencial é a transformação de uma pessoa num ciborgue, com o intuito de que
ele possa viver de forma segura sob as condições climáticas do planeta
vermelho.
Nos
anos 1970 a ciência cibernética estava em voga – é só lembrar do sucesso da
série de TV O Homem de Seis Milhões de Dólares (The Six Million Dolan
Man; 1974-1978) –, e Pohl imaginou como ela poderia ser incorporada no uso
de um ciborgue vivendo em outro planeta. Assim, uma colonização seria mais
rápida e econômica, pois seriam evitados os riscos e custos de construir
estruturas artificiais que pudessem permitir a vida humana num ambiente hostil.
Faz sentido, mas talvez fosse mais promissor, então, desenvolver robôs ou
androides para isso.
Desta
forma, após um primeiro ciborgue morrer devido à incompatibilidade do cérebro
em processar a entrada sensorial dos dados e estímulos mecânicos e eletrônicos,
Roger Torraway, um astronauta aposentado, se submete à experiência que mudará
em definitivo sua vida e ideia do que é ser humano.
Não
fica muito claro porque Torraway aceita fazer parte do projeto, mas talvez
tenha algo a ver com a infidelidade de sua esposa com seu melhor amigo. Mas
ainda assim não é muito razoável pensar que alguém deixe de ser humano, mesmo
que com a transformação num ciborgue possa ter suas funções e capacidades
expandidas. Pois, por outro lado, também há a perda de sensações e prazeres,
talvez a principal delas, o sexo. Além disso não há garantia de sucesso – ainda
mais com o fracasso da primeira experiência – e o sofrimento envolvido no
processo de transformação só me convence de que, de fato, não faz muito sentido
passar por tudo isso. Só se o sujeito for masoquista.
A
maior parte do livro se desenrola na experiência de transformação de um homem
numa máquina. Nisso, Pohl parece ter pesquisado muito, pois as descrições do
processo são extremamente detalhadas e convincentes, ao menos para um leigo.
Muitos conceitos de engenharia, cibernética biônica e medicina são
apresentados. Ao que parece, com o que havia de mais moderno para a época.
Nesse sentido os mecanismos que permitem que um homem tenha parte de seus
órgãos, sentidos e funções substituídos por próteses, sensores e conexões
cibernéticas soam como plausíveis.
Como
já dito, a inspiração ocorre por causa da crise política generalizada pelo qual
passa a Terra, estimulada, não por uma disputa ideológica, mas sim por recursos
de energia cada vez mais escassos. É meio duvidoso que isso levasse a um conflito
desta magnitude, ainda mais porque Pohl não aprofunda os motivos. De qualquer
forma é curiosa a presciência de Pohl, pois a principal rival econômica e
militar dos EUA é a China, renomeada de Nova Aliança Asiática, pois inclui
também alguns outros países orientais. Contudo, é de se questionar que o
estabelecimento de uma colônia em outro planeta seja a melhor solução para
salvar a humanidade no caso da eclosão de um conflito nuclear. É enviado para
Marte um ciborgue para dar início ao processo. Mas para que a missão seja segura
e bem-sucedida muitos outros deverão se juntar a ele. E isso levaria muito
tempo.
Além
disso, os países fizeram em anos precedentes dezenas de visitas a Marte.
Norte-americanos, chineses, japoneses, ingleses, franceses, russos,
brasileiros. E não estabeleceram vínculos nenhum lá? Esta nova missão é dada
como pioneira, e é no sentido de instalar lá um humano tecnologicamente
modificado, mas e toda a experiência pregressa das outras missões? Ao que
parece não serviu para nada. Além disso, quando chega a Marte, Torraway e os
outros dois astronautas humanos que o acompanham descobrem vida vegetal próximo
ao local de sua aterragem. Que golpe de sorte!
Como
se vê, há fragilidades por todo o romance. Embora interessante, ele não se sustenta
porque o autor foi desleixado em desenvolver melhor as tramas e sub-tramas do
enredo. Outra situação inverossímil é a postura de Torraway que, poucos dias
após chegar a Marte, resolve não voltar mais para sua antiga vida na Terra.
Sente-se plenamente realizado num planeta inóspito e de escassos recursos para
uma vida saudável, mesmo que ele não seja mais inteiramente humano.
Além
disso, para tornar o contexto ainda mais problemático, o último capítulo revela
que, na verdade, os humanos haviam sido manipulados por uma rede de
computadores que adquiriram sensciência, devido à ameaça de uma guerra nuclear.
Eles, assim, induzem o homem a criar um novo ser e, desta maneira, permitir a
sobrevivência do homem e da máquina num novo mundo, caso a Terra venha a ser
destruída. Mas é tudo meio solto, como se as soluções aparecessem às pressas,
sem a devida justificativa no conjunto da história.
É
de se perguntar como Homem Mais pode ter vencido o Prêmio Nebula 1976
de “Melhor Romance” e ter sido finalista do Prêmio Hugo em 1977. Talvez pelo
prestigio de Pohl? Ou então porque a concorrência não era tão boa? Os outros
finalistas do Nebula foram Inferno, de Larry Niven & Jerry
Pournelle; Islands, de Martha Randall; Triton, de Samuel R.
Delany; Shadrach in the Furnace, de Robert Silverberg e Where Late
the Sweet Byrds Sang, de Kate Wilhelm. Não li os demais, mas Delany e
Silverberg são autores fortes em qualquer disputa. Seja como for, Homem Mais
tem o mérito de contribuir de forma efetiva no debate sobre os diferentes
modelos possíveis para a colonização humana em Marte, o planeta mais provável
de ser colonizado pela humanidade em algum momento de seu futuro.
—Marcello Simão Branco
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