quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Joyland

Joyland (Joyland), Stephen King. Tradução de Regiane Winarski. 239 páginas. Rio de Janeiro: Suma de Letras, 2015. Lançado originalmente em 2013.

 


No verão de 1973 o jovem Devin Jones vive uma experiência que muda para sempre sua vida. Mas não é o fora que leva da namorada por quem era perdidamente apaixonado. Mas sim ter ido trabalhar num parque de diversões, Joyland, às margens da praia da cidadezinha de Heaven´s Bay, na Carolina do Norte.

King conta a sua versão do tema do parque de diversões, uma das tradições do gênero fantástico e do horror. Mas ao contrário de Ray Bradbury (1920-2012), por exemplo, em seu fabuloso romance Algo Sinistro Vem Por Aí (1962), o parque não é itinerante e, mais importante, há um só elemento sobrenatural na trama. Mas é o suficiente para que o leitor fique ao mesmo tempo fascinado e desconcertado.

Pois em Joyland, como descobre Devin logo em seu primeiro dia de trabalho, há um boato de que uma linda garota foi assassinada no Horror House, em pleno trem fantasma, e vaga por lá, sendo vista por algumas pessoas que fazem a manutenção do lugar. Ela é Linda Gray, com a garganta cortada por um serial killer, que conseguiu escapar da polícia. Esta na maioria das vezes preguiçosa ou burocrática demais em suas investigações.

Mas a este plano mais sombrio King nos apresenta Joyland e a tudo o que compõe a rotina de um parque de diversões de uma cidade do interior: seus trabalhadores, alguns com ´alma de parque´ – pois vocacionados para esta profissão –, com uma rotina dura de trabalho para manter tudo limpo e seguro. O show em si, com os visitantes – chamados pejorativamente de Bobs, pelos funcionários do parque, algo como os nossos caipiras –, e os brinquedos encantadores, em que eu mesmo não pude deixar de lembrar de momentos da minha própria infância quando estive em parques como estes. É incrível como se tornam memórias vívidas e marcantes por toda a vida.

Devin aprende logo seus afazeres, ganha a estima e confiança dos colegas de trabalho, além de fazer novas amizades, como os outros jovens que foram trabalhar no parque durante as férias, Tom Kennedy e Erin Brook, esta uma das Garotas de Hollywood, responsáveis por tirar fotos com os visitantes – e que, inclusive, estampa lindamente a ilustração de capa do livro. Mesmo mal por causa do amor perdido, Devin decide ficar após as férias, trancando a faculdade na Universidade de New Hampshire. Menos por causa de Wendy Keegan, sua ex-namorada que o traiu, mas sim pela curiosidade em descobrir o que de fato aconteceu com Linda Gray. Principalmente a chance de vê-la, após isso ter ocorrido com o descrente Tom.

Hospedado numa pensão Devin vai a pé todos os dias a Joyland e avista uma casa à beira da praia com uma mãe, um menino numa cadeira de rodas e um cachorro. Após certo tempo os conhece, e descobre que Myke Ross, cheio de sonhos, está com os dias contados. Se envolve com os dois, e ambos terão uma presença decisiva no destino de Linda Gray e, principalmente, em sua própria vida, no alto de uma roda gigante em plena madrugada chuvosa.

O romance dialoga também com a ficção de crime, no processo de investigação, suas descobertas, reviravoltas e suspense que se acentua ao longo da história. Narrado de forma retrospectiva por um adulto que recorda estes acontecimentos quando tinha os seus 21 anos, Stephen King cria um cenário melancólico e nostálgico neste romance curto – para os seus padrões –, mas igualmente humano e triste.

Pois, como é seu costume, sabe criar o clima para nos adentrar no mundo de personagens extremamente críveis, contextualizar com a cultura contemporânea da época da história, e nos mostrar como o mal está sempre à espreita e se manifesta quando e onde menos esperamos. E, o mais terrível: não poupa as pessoas boas em relação às más. Seja com elementos sobrenaturais ou não. O craque de sempre em nos contar (e emocionar) com suas histórias.


Esta resenha é em memória de Sérgio Roberto Lins da Costa (1955-2020), grande fã de Stephen King.

Marcello Simão Branco

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