quarta-feira, 22 de maio de 2019

Almanaque Entrevista


Renato Rosatti fala sobre o recorde de seu fanzine Juvenatrix e as perspectivas do fandom e do horror no Brasil

por Marcello Simão Branco

Renato Rosatti foi o meu primeiro companheiro de projetos na ficção científica e no horror. Juntos criamos o Megalon, no segundo semestre de 1988, que se tornou o mais premiado fanzine da história dos gêneros no país. Conforme o Renato detalha a seguir, ele seguiu rumo próprio como fanzineiro e no mês de abril de 2019 atingiu uma marca incrível: seu fanzine Juvenatrix chegou à 200ª edição. Dificilmente uma outra publicação do gênero no país atingirá esta marca. Em outros tempos tal acontecimento teria gerado alguma repercussão entre os fãs interessados. Mas neste século XXI, isso não ocorreu, pois houve uma desarticulação entre os antigos fãs dos anos 1980 e 1990, como também surgiu uma nova geração, mais pulverizada em grupos segmentados e mais atuantes no meio virtual. Desta forma não é exagero dizer que o Juvenatrix é uma das instituições sobreviventes da Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira. Renato conta um pouco sobre a história do zine, seu idealismo por fanzinar, sua paixão por filmes de horror e FC e o que pensa sobre o atual momento do horror no Brasil.

Nos conte um pouco sobre a longa trajetória do Juvenatrix, até atingir esta marca histórica de duzentas edições.
Vou falar um pouco sobre minha trajetória como fanzineiro. Iniciei as atividades em novembro de 1988, na co-edição do fanzine Megalon, ao lado de Marcello Simão Branco, até 1991. A partir de janeiro desse mesmo ano, passei a editar o Vortex que depois passou a se chamar Juvenatrix a partir do número 7. Depois vieram em janeiro de 1995 o Astaroth e em janeiro de 2001 o Carnage. Algumas curiosidades: o nome Vortex foi inspirado na sociedade futurista do filme de FC Zardoz (1973); o nome Juvenatrix foi inspirado no título original de um filme americano obscuro de horror, Re-juvenator (Rejuvenatrix, 1988). O Astaroth tem o nome inspirado num demônio do filme Uma Filha Para o Diabo (1976). São todas publicações voltadas para a arte fantástica, com contos, resenhas de cinema e literatura, ilustrações, quadrinhos e divulgação de produção alternativa. O Juvenatrix era impresso até o número 107 e a partir da edição 108 (novembro de 2007), migrou para o formato eletrônico em arquivo PDF distribuído por e-mail. Ao chegar à edição 200, ficou registrada uma história com números expressivos: 29 anos, 4711 páginas e milhares de textos publicados.

O que a edição do Juvenatrix, e mais geralmente  a prática da edição de fanzines, representa para você? Ou seja, o que mais te motiva a ser um fanzineiro?
Editar um fanzine é um ato de idealismo e satisfação pessoal. Sou apreciador de horror e ficção científica e sempre quis fazer algo extra além de ser apenas um consumidor. Encontrei nos fanzines uma forma de produzir esses gêneros da arte fantástica.

Eu imaginei que nesta edição histórica você repetiria algumas das edições especiais que marcaram o Juvenatrix, como a inesquecível edição 50, publicada em abril de 2001, que contou, justamente, com 200 páginas. Por que isso não se repetiu?

Essa super edição do Juvenatrix 50 teve a presença de 51 colaboradores e bateu um recorde de páginas em um único volume (202), com capas coloridas, encadernação em espiral e edições numeradas e assinadas pelo editor. Não foi possível repetir a dose com algo similar. Os tempos são outros e bem mais tenebrosos. Não tenho disponibilidade para gastar tanta energia em produzir algo tão grandioso. A repercussão das pessoas também não é mais a mesma, e os fanzines perderam o interesse, ficando cada vez mais no passado. Manter a chama acesa, mesmo que fraca, ainda é uma missão do Juvenatrix.    

De que forma a transição da versão impressa para a digital (em PDF) significou também uma mudança de patamar do fanzine e do tipo de colaboração que ele passou a receber?
Mudar para um formato eletrônico em arquivo PDF tornou-se a única saída para continuar existindo. É inviável editar o Juvenatrix de forma impressa em tamanho A4, com os altos custos das cópias e distribuição pelos correios. As pessoas preferem gastar dinheiro com um sanduíche e refrigerante que são consumidos em cinco minutos, do que com um fanzine. Com essa mudança, também ficou mais fácil a edição e distribuição por e-mail, atingindo uma quantidade maior de leitores. Quanto às colaborações, não mudou muita coisa. Tenho alguns poucos colaboradores regulares, e quando necessário utilizo materiais de minha autoria, sejam inéditos ou republicados da versão impressa, que tinha tiragem pequena.

Neste século 21 o que restou do fandom de FC&F dos anos 1980 e 1990 se dissipou quase completamente em outros grupos de fãs mais recentes. Assim, podemos afirmar que o Juvenatrix é uma instituição sobrevivente do tempo em que os zines eram mais importantes?
Os fanzines eram mais importantes antigamente. Hoje, até sites e blogs da internet enfrentam dificuldades para sobreviverem. As pessoas têm preguiça de ler e estão preferindo vídeos no Youtube. O Juvenatrix é mesmo um sobrevivente. São 29 longos anos de edição ininterrupta. Pode até estar respirando por aparelhos, mas ainda está vivo. E deverá continuar, mesmo se tiver que utilizar materiais não inéditos, pois tenho centenas de resenhas de cinema que escrevi ao longo dos anos e que foram publicadas apenas nas versões impressas de meus fanzines.

Além do Juvenatrix você já editou outros zines de horror, como o Astaroth e o Boca do Inferno - este uma derivação do site de mesmo nome. Nos fale sobre seus próximos projetos e se pretende voltar a editar outro zine além do Juvenatrix.
Também teve o Carnage, com duas edições lançadas em 2001 e 2002. O Astaroth voltou a circular impresso com alguns números, mas novamente retornou para sua tumba fria. Sinceramente, se eu conseguir manter o Juvenatrix vivo, já estou satisfeito. Então, esse é o meu único projeto, além de escrever resenhas de cinema de horror esporadicamente.

Nestes últimos tempos alguns observadores tem apontado que o horror voltou a estar na moda aqui no Brasil, com o lançamento de filmes e livros de autores nacionais. Você concorda com isso? Poderia apontar algumas tendências interessantes do horror em geral neste século 21?
Atualmente temos uma cena ativa com produção de horror nacional, sejam filmes ou livros, e a internet e redes sociais estão contribuindo com a facilidade de divulgação dos diversos projetos, além dos financiamentos coletivos. Muitos apreciadores do estilo estão se aventurando na produção de vídeos independentes e escrevendo histórias. Torçamos para que perdure e todos nós seremos beneficiados com esse movimento.

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