Regresso à Vida (Recalled to Life),
Robert Silverberg. Tradução de José Lourenço Galego. Publicações
Europa-América, coleção Ficção Científica no. 29, 1982, 176 páginas. Lançamento
original em 1958.
Quando
Silverberg escreveu este romance ele estava no auge de sua produtividade. Os
anos 1950 foram o de maior quantidade de textos escritos e publicados,
principalmente contos, e de aventuras espaciais, embora já estivesse latente,
também, sua versatilidade em abordar diferentes temas dentro da ficção científica.
Talvez por
isso e também para atenuar sua imagem de escritor de contos curtos, rápidos e
sem grande mérito literário, ele escolheu um tema mais difícil, procurando uma
abordagem mais realista, conforme ele explica na introdução:
“Tinha a
intenção de que este livro tivesse a textura de um romance linear, com um
conteúdo nada extraordinário, à exceção da grande hipótese que o faria entrar
para o campo da ficção científica e que seria a espinha dorsal de todo o
enredo: e se a morte pudesse tornar-se um processo reversível? Queria explorar
as consequências sociais de uma descoberta assombrosa; e queria explorar essas
consequências não no terreno asséptico de um universo de ficção científica, mas
num mundo pouco diferente, nas suas reações fundamentais, do que conhecemos
agora.”
Mesmo que
história tenha sido primeira publicada em duas edições da revista Infinity Science Fiction, em junho e
agosto de 1958, ela enfrentou dificuldades em ser aceita posteriormente para o
formato de livro. Pois, de acordo com Silverberg, os editores a achavam “muito
séria” e com riscos de “deprimir os leitores”.
Contudo, não é
um romance mainstream. Afinal estamos
diante da possibilidade de ressurreição após a morte. O que aconteceria se a
ciência descobrisse uma maneira de reviver os que morreram? Já parou para
pensar nisso? Afinal a morte é dada como uma coisa inevitável e definitiva. E
de certa forma somos mesmos condicionados a acreditar e, mais que isso, aceitar
este fato.
Mas no campo
das hipóteses que só uma ficção especulativa como a científica pode oferecer, o
livro nos apresenta esta possibilidade e discute suas consequências,
principalmente do ponto de vista social, político e religioso.
Estamos em
2033 e a história é contada a partir de James Harker, advogado que tenta retomar
sua carreira, após uma experiência frustrante como governador do estado de Nova
York. Isso porque ele tentou implementar algumas reformas políticas que
acabaram custando sua reeleição e mesmo sua permanência na vida pública.
Ele é
procurado por um representante do misterioso Laboratório Beller para ser o seu
conselheiro jurídico e porta-voz. Utilizando a herança deixada por um
multimilionário, o laboratório usou o dinheiro para realizar pesquisas que
pudessem, finalmente, vencer a morte.
Uma equipe de
médicos e cientistas desenvolveu uma tecnologia capaz de reviver pessoas que
tenham morrido há até vinte e quatro horas, e com o corpo em bom estado de
conservação e sem grandes traumas nos órgãos internos. Não havia a chance de
ressuscitação em casos mais complicados, como câncer em estágio avançado e
acidentes que danificassem gravemente o corpo.
Contrariado e
descrente a princípio Harker testemunha a ressuscitação de cães e, posteriormente,
de um ser humano, e aceita o emprego. É uma chance de servir a uma causa
importante e se redimir politicamente perante a opinião pública.
No fundo tais
reações estão no campo da religião e suas diferentes crenças e dogmas,
semelhantes a outras descobertas revolucionárias da ciência, como a de que a
Terra é uma esfera, de que não somos o centro do universo e de que fazemos
parte de um processo evolutivo dos seres vivos do nosso planeta. Mas concordo
que o tema da ressurreição seria ainda mais controverso.
Estas dúvidas
também estão com Harker, mas assumidas principalmente como uma dor interior
intensa, já que ele perdera sua filha Eva, alguns anos atrás. Teria sido
possível salvá-la do afogamento, mas a tecnologia chegou tarde demais.
Então também
por este motivo pessoal Harker tem interesse que a descoberta seja aceita e
legalmente regularizada. Mas enfrenta batalhas, antes de tudo, internas, no
interior do próprio laboratório, pois dois de seus integrantes divulgam a
notícia antes que a técnica estivesse totalmente segura, causando, além da
negação de ordem moral e religiosa, também outra de caráter prático. Isso
porque de cada seis pessoas revividas uma recuperou suas funções fisiológicas,
mas não as do cérebro.
A história
envereda por uma batalha política pela luta ao reconhecimento e legalidade do
procedimento, em torno dos dois partidos políticos nos Estados Unidos do século
XXI: o Partido Nacional-Liberal e o Partido Conservador. Como se vê sucessores
dos Democratas e Republicanos, que teriam sido dissolvidos numa crise política
no início dos anos 1990.
Ao situar o
assunto num recorte mais político-partidário, ao que parece, Silverberg está
refletindo, ainda que de maneira indireta e implícita, sobre as opções e
valores dos dois maiores partidos norte-americanos, numa fase de grandes
contestações e mudanças em seu país: os direitos civis das mulheres e os
direitos políticos dos negros, sobre o aborto, drogas liberdade sexual,
meio-ambiente. Mas creio que nada chegaria perto do que aconteceria se a
possibilidade de ressuscitar a vida fosse possível.
Entre o final
dos anos 1960 e início dos 1970 Silverberg estava novamente em uma fase de
grande criatividade, mas desta vez com contos, novelas e romances de enorme
ousadia temática e qualidade literária. Para citar alguns exemplos: o conto
“Passageiros” (“Passengers”, 1967), a novela “Asas da Noite (“Nigthwings”,
1968) e o romance Uma Pequena Morte (Dying Inside, 1971). Nesse contexto
imaginou relançar Regresso à Vida,
mas após receber o sinal verde para enviar o original a uma editora percebeu
outra possível razão para que a história tivesse sido rejeita por algumas
editoras no início dos anos 1960: estava mal escrita e com várias cenas
melodramáticas. Assim, pela primeira vez em sua carreira, Silverberg reescreveu
o livro inteiro, mantendo-o como um texto relativamente curto (é pouco mais do
que uma novela), mas bastante centrado sobre as discussões a respeito do tema
principal. E é esta a versão, de 1971, que foi traduzida e publicada em língua
portuguesa. Ao leitor que porventura procure pelo livro, atenção. Saiu uma
outra edição em Portugal com o título de Regresso
à Vida, mas trata-se da tradução de outra obra do Silverberg, o romance To Live Again (1969), publicado pela
Galeria Panorama, em sua Colecção Antecipação no. 47.
Não li a
versão original de Recalled to Life,
mas pode-se perceber que estamos diante de um texto fluente e com boa densidade
dramática, embora pudesse, já que o reescreveu, ter avançado mais em sua
estrutura – com a introdução de mais personagens e outras linhas narrativas,
como, por exemplo, de como seria a nova vida de um ressuscitado. Em todo caso,
a boa recepção desta nova versão o incentivou a publicar a novela premiada com
o Nebula de 1975 “Born with the Dead” (1973), que ele mesmo considera uma espécie
de continuação desta sua primeira investida no tema da ressurreição.
–
Marcello Simão Branco
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