A
Hora do Vampiro (Salem´s Lot), Stephen King. Tradução: Luzia
Machado da Costa. Capa: sem autoria. 434 páginas. Rio de Janeiro: Record, sem
data. Publicação original de 1975.
Este romance foi iniciado antes dele
publicar o primeiro, Carrie (1974) –
um imediato sucesso de público e crítica –, sendo concluído e publicado depois.
Conferiu a King a liberdade financeira para que pudesse se tornar um escritor
em tempo integral, pois recebeu US$ 550 mil pela venda do original. Desta
forma, é a partir deste romance que ele passará a construir uma carreira sólida
e extremamente bem-sucedida.
A
Hora do Vampiro se passa na cidadezinha de Jerusalem´s
Lot, uma das tantas meio que esquecidas no interior do noroeste dos Estados
Unidos, aliás, a região local de King e onde ele situa a maior parte de suas
histórias. O escritor Ben Mears volta a ela depois de adulto para tentar
escrever um romance e, desta forma, lidar melhor com a morte recente da esposa
e espiar seus traumas de infância vividos nesta localidade. Mais
especificamente numa certa casa, a Mansão Marsten, que situada no alto de uma
colina pode avistar qualquer ponto do município, imperando sobre todo o resto.
Ocorre que lá foi cometido um assassinato bárbaro no passado, e o menino Ben
teria tido uma experiência sobrenatural lá, ao se deparar com o fantasma do
assassino morto.
Mas, como tolamente entrega a tradução da
primeira edição brasileira – provavelmente inspirada no sucesso do filme A Hora do Espanto (Fright Night; 1985) –, a história não é propriamente sobre uma casa
mal-assombrada, mas sim sobre vampiros. De qualquer forma existe a conexão
entre a casa e os chupa-sangues porque, no mesmo momento da volta de Ben Mears,
estranhamente desde a tragédia, a casa voltou a ser habitada. Tal conexão não
passa despercebida por alguns dos habitantes mais antigos, como, por exemplo, o
xerife e uma solteirona idosa que testemunhou a tragédia de Marsten.
A partir daí situações da época dos
assassinatos reaparecem. Pessoas começam a sumir. Primeiro um menino, depois
alguns adultos; fora o fato de outros reaparecerem só à noite e completamente
alterados: pálidos, fortes, sedutores e mortais. De início, até se desconfia
que Ben Mears pudesse ter alguma coisa a ver com os fatos, mas como o contexto
vai tomando conta da cidade de forma insidiosa e geral, um pânico silencioso se
instala, pois Jerusalem´s Lot foi tomada e dominada por vampiros. O mestre
deles, um certo Sr. Kurt Barlow – de origem austríaca – nunca visto à luz do
dia, que como se saberá depois se estabeleceu na casa Marsten, por causa de sua
ligação antiga com o primeiro assassino da casa. Tão estranho quanto ele é seu
serviçal, Richard Straker, um homem alto e calvo, que a título de fachada abre
um antiquário. Mas todos se perguntam para que fregueses, numa cidadezinha pequena
e de beira de estrada.
Ben Mears se vê envolvido nesta trama
absolutamente aterradora, custando a acreditar que, de fato, esteja relacionada
com seres sobrenaturais que se alimentam de sangue humano. Mas ele não está
sozinho. Ao seu lado está Susan Norton, sua nova namorada; Matt Burke, o
professor de literatura da escola local; o médico Jimmy Cody e o menino Mark
Petrie. Todos eles se veem envolvidos de forma dramática na luta e no desespero
que só faz crescer, porque a cidade é tomada por uma epidemia de mortos-vivos.
A
Hora do Vampiro é um romance de horror tradicional sobre
um dos seus temas mais abordados e populares. Mas passa longe de ser apenas
mais um. King concebeu a história a partir da ideia de como seria se Drácula
chegasse aos Estados Unidos de sua época, a década de 1970. Para tornar a
história mais segura para si próprio, a situou numa cidadezinha fictícia do
Maine, o lugar onde vivia e mais conhecia. Seu próprio território, afinal.
Aliás, como dito, esta característica seria seguida em sua carreira, pois a
maioria de suas histórias – romances, principalmente – se situam nesta região
do país. Mas, de certa forma, faz sentido para o vampiro também, por ser um
ambiente menor, mais facilmente controlável e que chama menos a atenção.
Mas a opção de King e de Barlow é mais
interessante, não por causa da vinculação afetiva ou por ser uma cidade pequena
e à margem, mas pelo tratamento que dá a ela como se fosse também uma
personagem. Como King especula em mais de um momento na trama, Salem´s Lot –
uma abreviação de Jerusalem´s Lot – simboliza o que seriam estas cidades
pequenas, uma espécie de organismo moribundo, com uma lógica e uma passagem de
tempo própria, movida por moradores solitários, invejosos e frustrados. Além de
isoladas, frias e nebulosas, tornando as situações sorumbáticas e duvidosas,
com um quê de irrealidade.
Já as características do vampiro seguem o
padrão tradicional estabelecido por Bram Stoker (1847-1912). Só saem dos
esconderijos à noite para se alimentar e incluir novas vítimas à sua condição,
só podem ser mortos por estacas de madeira no coração, hipnotizam as pessoas
com o olhar, e tem pavor aos símbolos cristãos, como água benta e sobretudo o
crucifixo. Tudo isso vincula o vampiro como um ser do mal, satanizado, e de
âmbito sobrenatural. King trabalha dentro deste contexto de forma competente.
Mas pensei que talvez pudesse haver alguma variação ou problematização destas
características. Lembro especialmente do que fez Richard Matheson (1926-2013),
com seu romance Eu Sou a Lenda (I am Legend; 1954), no qual as pessoas
se tornam vampiros devido a uma pandemia. Uma causa natural, o que vincula o
romance também à ficção científica.
De todo modo, A Hora do Vampiro é uma história assustadora. Mesmo depois de ter
lido e visto tanto sobre este subgênero do horror, a força da história, as
sequências vivamente descritas e, principalmente, o desespero das pessoas,
tanto das vítimas, como dos seus parentes e amigos, é comovente. O que só
mostra como as principais virtudes de King apareceram com força desde o início
de sua carreira. Ao mesmo tempo que nos compadecemos com o triste destino de
personagens reais e empáticos, é difícil largar a leitura. Como ocorreria ao
longo de toda a sua carreira. King é um cronista sensível da alma interior e
soturna de seu país e parte desta força ocorre pelo seu poder impressionante de
contar uma história. Difícil não se envolver e não sair diferente depois da
conclusão.
King também não se desvencilhou facilmente
de Salem´s Lot porque a revisitou nas noveletas “Jerusalem´s Lot” e “A Saideira” (One for the Road), publicadas
em sua primeira coletânea de contos, Sombras
da Noite (Night Shift; 1978),
onde explora, na primeira, acontecimentos estranhos e nunca explicados no
passado distante da cidade, e na segunda, dos misteriosos fatos subsequentes
após o fim do romance. A primeira das origens e a segunda do destino da cidade
amaldiçoada. Mas também porque o romance foi rapidamente adaptado para uma
minissérie de TV, Os Vampiros de Salem
(Salem´s Lot; 1979), dirigida por
Tobe Hooper (1943-2017), que se tornou uma das melhores versões audiovisuais
sobre o vampiro. Um clássico, que foi ainda seguida por mais duas produções
para a TV, uma em 2004 e outra de 2024.
A
Hora do Vampiro teve novas edições no Brasil, entre elas
uma com um título mais fiel ao espírito da obra: Salem, publicada pela Objetiva, no selo Ponto de Leitura, em 2010.
E um indicativo para ilustrar a permanência posterior da obra, foi a primeira de King
a ser finalista de um prêmio literário importante no campo do horror e da
fantasia, o World Fantasy Award em 1976. Uma demonstração de que o
reconhecimento da crítica vinha a par do enorme sucesso junto ao público. E que
só iria crescer ao longo de sua carreira.
—Marcello Simão Branco