segunda-feira, 1 de setembro de 2025

A Hora do Vampiro

 



A Hora do Vampiro (Salem´s Lot), Stephen King. Tradução: Luzia Machado da Costa. Capa: sem autoria. 434 páginas. Rio de Janeiro: Record, sem data. Publicação original de 1975.

 

Este romance foi iniciado antes dele publicar o primeiro, Carrie (1974) – um imediato sucesso de público e crítica –, sendo concluído e publicado depois. Conferiu a King a liberdade financeira para que pudesse se tornar um escritor em tempo integral, pois recebeu US$ 550 mil pela venda do original. Desta forma, é a partir deste romance que ele passará a construir uma carreira sólida e extremamente bem-sucedida.

A Hora do Vampiro se passa na cidadezinha de Jerusalem´s Lot, uma das tantas meio que esquecidas no interior do noroeste dos Estados Unidos, aliás, a região local de King e onde ele situa a maior parte de suas histórias. O escritor Ben Mears volta a ela depois de adulto para tentar escrever um romance e, desta forma, lidar melhor com a morte recente da esposa e espiar seus traumas de infância vividos nesta localidade. Mais especificamente numa certa casa, a Mansão Marsten, que situada no alto de uma colina pode avistar qualquer ponto do município, imperando sobre todo o resto. Ocorre que lá foi cometido um assassinato bárbaro no passado, e o menino Ben teria tido uma experiência sobrenatural lá, ao se deparar com o fantasma do assassino morto.

Mas, como tolamente entrega a tradução da primeira edição brasileira – provavelmente inspirada no sucesso do filme A Hora do Espanto (Fright Night; 1985) –, a história não é propriamente sobre uma casa mal-assombrada, mas sim sobre vampiros. De qualquer forma existe a conexão entre a casa e os chupa-sangues porque, no mesmo momento da volta de Ben Mears, estranhamente desde a tragédia, a casa voltou a ser habitada. Tal conexão não passa despercebida por alguns dos habitantes mais antigos, como, por exemplo, o xerife e uma solteirona idosa que testemunhou a tragédia de Marsten.

A partir daí situações da época dos assassinatos reaparecem. Pessoas começam a sumir. Primeiro um menino, depois alguns adultos; fora o fato de outros reaparecerem só à noite e completamente alterados: pálidos, fortes, sedutores e mortais. De início, até se desconfia que Ben Mears pudesse ter alguma coisa a ver com os fatos, mas como o contexto vai tomando conta da cidade de forma insidiosa e geral, um pânico silencioso se instala, pois Jerusalem´s Lot foi tomada e dominada por vampiros. O mestre deles, um certo Sr. Kurt Barlow – de origem austríaca – nunca visto à luz do dia, que como se saberá depois se estabeleceu na casa Marsten, por causa de sua ligação antiga com o primeiro assassino da casa. Tão estranho quanto ele é seu serviçal, Richard Straker, um homem alto e calvo, que a título de fachada abre um antiquário. Mas todos se perguntam para que fregueses, numa cidadezinha pequena e de beira de estrada.

Ben Mears se vê envolvido nesta trama absolutamente aterradora, custando a acreditar que, de fato, esteja relacionada com seres sobrenaturais que se alimentam de sangue humano. Mas ele não está sozinho. Ao seu lado está Susan Norton, sua nova namorada; Matt Burke, o professor de literatura da escola local; o médico Jimmy Cody e o menino Mark Petrie. Todos eles se veem envolvidos de forma dramática na luta e no desespero que só faz crescer, porque a cidade é tomada por uma epidemia de mortos-vivos.

A Hora do Vampiro é um romance de horror tradicional sobre um dos seus temas mais abordados e populares. Mas passa longe de ser apenas mais um. King concebeu a história a partir da ideia de como seria se Drácula chegasse aos Estados Unidos de sua época, a década de 1970. Para tornar a história mais segura para si próprio, a situou numa cidadezinha fictícia do Maine, o lugar onde vivia e mais conhecia. Seu próprio território, afinal. Aliás, como dito, esta característica seria seguida em sua carreira, pois a maioria de suas histórias – romances, principalmente – se situam nesta região do país. Mas, de certa forma, faz sentido para o vampiro também, por ser um ambiente menor, mais facilmente controlável e que chama menos a atenção.



Mas a opção de King e de Barlow é mais interessante, não por causa da vinculação afetiva ou por ser uma cidade pequena e à margem, mas pelo tratamento que dá a ela como se fosse também uma personagem. Como King especula em mais de um momento na trama, Salem´s Lot – uma abreviação de Jerusalem´s Lot – simboliza o que seriam estas cidades pequenas, uma espécie de organismo moribundo, com uma lógica e uma passagem de tempo própria, movida por moradores solitários, invejosos e frustrados. Além de isoladas, frias e nebulosas, tornando as situações sorumbáticas e duvidosas, com um quê de irrealidade.

Já as características do vampiro seguem o padrão tradicional estabelecido por Bram Stoker (1847-1912). Só saem dos esconderijos à noite para se alimentar e incluir novas vítimas à sua condição, só podem ser mortos por estacas de madeira no coração, hipnotizam as pessoas com o olhar, e tem pavor aos símbolos cristãos, como água benta e sobretudo o crucifixo. Tudo isso vincula o vampiro como um ser do mal, satanizado, e de âmbito sobrenatural. King trabalha dentro deste contexto de forma competente. Mas pensei que talvez pudesse haver alguma variação ou problematização destas características. Lembro especialmente do que fez Richard Matheson (1926-2013), com seu romance Eu Sou a Lenda (I am Legend; 1954), no qual as pessoas se tornam vampiros devido a uma pandemia. Uma causa natural, o que vincula o romance também à ficção científica.

De todo modo, A Hora do Vampiro é uma história assustadora. Mesmo depois de ter lido e visto tanto sobre este subgênero do horror, a força da história, as sequências vivamente descritas e, principalmente, o desespero das pessoas, tanto das vítimas, como dos seus parentes e amigos, é comovente. O que só mostra como as principais virtudes de King apareceram com força desde o início de sua carreira. Ao mesmo tempo que nos compadecemos com o triste destino de personagens reais e empáticos, é difícil largar a leitura. Como ocorreria ao longo de toda a sua carreira. King é um cronista sensível da alma interior e soturna de seu país e parte desta força ocorre pelo seu poder impressionante de contar uma história. Difícil não se envolver e não sair diferente depois da conclusão.

King também não se desvencilhou facilmente de Salem´s Lot porque a revisitou nas noveletas “Jerusalem´s Lot”  e “A Saideira” (One for the Road), publicadas em sua primeira coletânea de contos, Sombras da Noite (Night Shift; 1978), onde explora, na primeira, acontecimentos estranhos e nunca explicados no passado distante da cidade, e na segunda, dos misteriosos fatos subsequentes após o fim do romance. A primeira das origens e a segunda do destino da cidade amaldiçoada. Mas também porque o romance foi rapidamente adaptado para uma minissérie de TV, Os Vampiros de Salem (Salem´s Lot; 1979), dirigida por Tobe Hooper (1943-2017), que se tornou uma das melhores versões audiovisuais sobre o vampiro. Um clássico, que foi ainda seguida por mais duas produções para a TV, uma em 2004 e outra de 2024.

A Hora do Vampiro teve novas edições no Brasil, entre elas uma com um título mais fiel ao espírito da obra: Salem, publicada pela Objetiva, no selo Ponto de Leitura, em 2010. E um indicativo para ilustrar a permanência posterior da obra, foi a primeira de King a ser finalista de um prêmio literário importante no campo do horror e da fantasia, o World Fantasy Award em 1976. Uma demonstração de que o reconhecimento da crítica vinha a par do enorme sucesso junto ao público. E que só iria crescer ao longo de sua carreira.

Marcello Simão Branco