O Templo do Passado (Le Temple du
Pasè), Stefan Wul. Tradução de André Varga. Capa de Lima de Freitas. Lisboa:
Edição Livros do Brasil, Coleção Argonauta no. 85, 1964. 149 páginas. Lançado
originalmente em 1957.
Tenho uma
história curiosa com este livro. Estava de férias com a família no interior de
Santa Catarina. Era 19 de janeiro de 1989 e voltávamos para casa. Meu pai parou num
posto de gasolina na saída de Joinville para abastecer o carro. Da janela da
parte de trás eu vi um sebo. Sim, um sebo! Saí do carro e fui até lá, sob protestos
dos meus acompanhantes. E foi aí que achei O
Templo do Passado e mais uns dez outros livrinhos da Argonauta. Foi o
momento mais feliz das férias e, até hoje, a única coisa que lembro dela.
Escolhi a esmo
um dos livros. Era O Templo do Passado,
que li durante todo o tempo da viagem de sete horas até São Paulo. Valeu muito
a pena, pois o livro é sensacional. FC pulp
da melhor cepa, e minha estreia com a ficção incrivelmente imaginativa de
Stefan Wul.
Este pequeno
romance é o quinto da carreira de Pierre Pairault (1922-2003), que escreveu
toda a sua obra de ficção científica sob o pseudônimo de Stefan Wul. Foi
publicado pela primeira vez na célebre coleção francesa Fleuve Noir, no. 106,
em 1957, e é o quinto publicado na igualmente célebre Coleção Argonauta, de
Portugal, em seu número 85, no ano de 1964.
Durante uma
viagem espacial a nave sobre um acidente e entra velozmente na atmosfera de um
planeta desconhecido. Foi tudo muito rápido, e com o choque a maioria da
tripulação morreu instantaneamente. Inicialmente, quatro sobreviveram mas, em
parte por causa dos ferimentos, apenas dois permaneceram vivos: o piloto Massir
e o médico Jolt.
A nave foi
seriamente avariada e eles percebiam que ela balançava de um lado para outro,
subia de cima para baixo ou vice-versa. Para solucionar o mistério Massir sai
da nave e adentra num ambiente surpreendente: o interior de uma gigantesca
baleia! Mas como foram parar dentro dela? Não há como ter certeza mas,
provavelmente, em sua queda a nave penetrou, tal como uma bala, no corpo do
cetáceo. Desta forma, além de estarem dentro de um ser vivo, ainda se
encontravam no fundo do mar.
Esta é uma
típica história identificada com o que os americanos chamam de problem story, na qual os personagens
são colocados em perigo e, para sair desta situação, tem de buscar soluções
científicas ou tecnológicas. Pois, então, depois de vencerem a estupefação e o desespero
puseram-se a trabalhar com o que tinham à mão dentro da nave. Primeiro,
retirá-la do interior do estômago da baleia e depois consertar a nave
para decolarem novamente. Duas tarefas extremamente difíceis e improváveis. Mas
eles conseguem injetar algumas substâncias moleculares no metabolismo da baleia, para provocar mutações que a fizessem deixar o mar e passasse a viver,
gradativamente, na superfície.
Após algumas
experiências frustradas Massir e Jolt finalmente conseguem o seu intento, pois
a baleia desenvolve patas dianteiras e traseiras, que a permitem deixar a água
e viver em terra. Nunca deixa de ser aquático, contudo, transformando-se num
anfíbio, mas que passa a maior parte do tempo num ambiente intermediário: um
enorme pântano, que lhe dá muito prazer! (As passagens em que a baleia assume a
narrativa são encantadoras e nos fazem ter simpatia por ela).
Assim, quando
ambos percebem que, na verdade, estavam numa situação ainda mais complicada,
decidem sacrificar a baleia, apesar dos protestos de Jolt. Conseguem, depois,
retirar a nave do interior do enorme corpo, que acabou por se liquefazer diante
de poderosos compostos ácidos presentes na própria atmosfera do planeta, à base
de ácidos clorídricos.
É interessante
observar que em O Templo do Passado,
Wul explora mais profundamente a aventura de uma missão no interior de um
organismo, vista pela primeira vez em seu primeiro romance, Regresso a Zero (Retour à “0”), de 1956, quando uma equipe de cirurgiões operou um
astronauta acidentado. Outro aspecto interessante é que Wul faz uso do seu
conhecimento científico, pois era dentista de formação e profissão. Ele faz um
largo e detalhado processo descritivo de como Jolt desenvolve os mecanismos
possíveis para uma rápida mutação, além de também usar do próprio organismo da
baleia para produzir oxigênio para eles. Nesse sentido é uma FC pulp com pendor hard bastante apurado.
Após a morte
da baleia eles descobrem dezenas de ovos. Ela estava grávida e acaba gerando
alguns bebês mutantes, anfíbios que, depois de adultos e se reproduzirem, produzem répteis,
lagartos de vários tipos que passam a povoar a superfície do planeta. Passam-se
anos, mas os dois não desistem de seu objetivo de consertar a nave e voltar
para a Terra. Mas ao perceberem que os lagartos os adoram e são telepatas,
acabam por se atrapalhar em seu objetivo, ficando, por fim, presos ao planeta
desconhecido.
Mas a que se
refere o templo do passado do título? Após ficar sozinho no planeta, Massir,
fazendo uso de seus conhecimentos técnicos, constrói uma câmara à base de gelo
cristalizado, onde hiberna na esperança de ser resgatado num futuro distante. O
tal templo é finalmente descoberto alguns milhares de anos depois por uma
expedição vinda exatamente da Terra. E o final do livro ainda reserva uma
surpresa de cair o queixo. É um daqueles livros com um final extremamente
impactante, que fica na memória por anos. Nesse sentido, relutei em voltar a
ler o livrinho décadas depois. Mas redescobri o prazer da prosa fluente e
direta, de personagens ativos e pragmáticos, e de uma imaginação pulpesca com
raro paralelo dentro do campo da ficção científica, deste que é, possivelmente,
o melhor livro de Stefan Wul.
–
Marcello Simão Branco
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